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quarta-feira, 28 de junho de 2017

CONVERSAS FÚTEIS



Nós, em geral, gostamos de conversas fúteis; e as conversas fúteis são extraordinariamente estimulantes, quer se trate de Mestres e devas, quer se trate de nossos vizinhos... Quanto mais embotados estamos, tanto mais adoramos uma conversa fútil. Quando estamos enfadados da tagarelice social, desejamos tagarelar a respeito de algo superior. Estamos interessados, não no problema da desigualdade, mas sim, nas guloseimas servidas nas conversas sobre estranhas entidades que não vemos, que nos proporcionam um meio de fugirmos à nossa superficialidade. Afinal de contas, os Mestres e os devas são nossa própria projeção;quando os seguimos, estamos seguindo nossas próprias projeções. Se eles nos disserem: “Abandonai o vosso nacionalismo, vossas sociedades, não sejais gananciosos, não sejais cruel”, trataríamos imediatamente de substituí-los por outros que nos dessem satisfação. Vós desejais que eu vos ajude a entrar em contato com os Mestres. A dizer a verdade, não tenho nenhum interesse pelos Mestres. Fala-se muito a respeito deles, e isso se tornou um meio engenhoso de explorar os outros. Criamos uma confusão no mundo, e queremos, agora, que um irmão mais velho venha ajudar-nos a sair dela. Há muita mistificação nisso. A divisão entre Mestre e discípulo, a ascensão da escada hierárquica do sucesso – isto é verdadeiramente espiritual? Toda essa ideia de transformação hierárquica, de luta para nos tornarmos o que chamamos espiritual, para alcançarmos a libertação – é espiritual isso? Quando nossos corações estão vazios, enchemo-los com imagens de Mestres, o que significa que não existe amor. Quando amamos alguém, não temos o sentimento de igualdade ou desigualdade. Por que vos ocupai tanto com a questão dos Mestres? Os Mestres são importantes para vós, por causa da vossa noção de autoridade, e vós atribuis autoridade ao que não tem autoridade alguma. Dais autoridade, porque vos grada; isso é auto-lisonja.
 
O problema da desigualdade é mais fundamental do que o desejo de entrar em contato com os Mestres. Há desigualdade de capacidade, de pensamento, de ação – desigualdade entre gênio e o néscio, entre o homem livre e o que está preso a uma rotina. Já se tem tentado quebrar essa desigualdade, com revoluções de todas espécie, no processo das quais outras desigualdades foram criadas. O problema é como transcender a noção da desigualdade, do inferior e do superior. Isso é espiritualidade verdadeira – e não a busca de Mestres, que implica a manutenção da noção de desigualdade. O problema não é de como implantar a igualdade, visto que a igualdade é uma impossibilidade. Vós sois inteiramente diferente de outro. Sois mais perspicaz, muito mais esperto do que outro; tendes uma canção no vosso coração, o outro tem o coração vazio, e para ele uma folha morta é uma folha morta, que se lança ao fogo. Algumas pessoas são dotadas de capacidade extraordinária, são ágeis e eficientes. Outros são tardos, obtusos, desatentos. É um nunca acabar de diferenças físicas e patológicas, e não podemos anulá-las – isso é uma impossibilidade. O mais que podemos fazer é proporcionar uma oportunidade aos de pouca inteligência, em vez de dar-lhes pontapés, e explorá-los.
 
O problema, pois, não é de como entrar em contato com Mestres e devas, e, sim, de como transcender a noção de desigualdade; a busca de contato com Mestres é ocupação de indivíduos extremamente obtusos. Quando conheceis a vós mesmo, conheceis o Mestre. Um Mestre verdadeiro não pode ajudar-vos, porque vós mesmos tendes de compreender-vos. Vivemos em busca de Mestres falsificados; buscamos conforto, segurança, e projetamos a espécie de Mestre que desejamos, esperando que esse Mestre nos dê tudo o que desejamos. Uma vez que não existe essa coisa chamada conforto, o problema é muito fundamental, isto é, trata-se de transcender essa noção de desigualdade. Sabedoria não é lutar para “vir a ser” mais e mais...
 
Não é de importância saber a maneira de entrar em contato com os Mestres, porque eles nenhuma significação tem na vida. O que importa é compreendermos a nós mesmo, pois o Mestre é uma ilusão. Pela vossa falta de compreensão própria, estais criando cada vez mais infelicidade no mundo. Olhai o que está acontecendo no mundo, e vede a estreiteza espiritual que ostentam os zelosos devotos da paz, dos Mestres, do amor e da fraternidade. Estais todos empenhados em vosso próprio proveito, embora disfarceis com belas palavras. Desejais que os Mestres vos ajudem a vos tornardes mais glorificados e mais egocêntricos.
 
...Já me tem escrito cartas, dizendo: “Sois muito ingrato para com os Mestres, que vos educaram”. É tão fácil dizer tais coisas. São palavras ocas. Cada um deve descobrir por si próprio que nenhum Mestre pode ajudá-lo. É ingratidão perceber aquilo que é falso e declará-lo falso? Quereis que eu seja grato à vossa ideia, à vossa formulação de um Mestre; e quando vossas ideias estão perturbadas, chamais-me de ingrato. O problema não é o de mostrar gratidão para com os Mestres, mas sim o de compreendermos a nós mesmos.
 
Há uma grande alegria no compreendermos e descobrirmos o que somos, o integral conteúdo de nós mesmos, minuto por minuto. O autoconhecimento é o começo da sabedoria. Sem autoconhecimento nada podeis conhecer – ou se conheceis algo, dele fareis mau uso. Seguir o Mestre é fácil; mas ter autoconhecimento, observar passivamente cada pensamento e cada sentimento, isso é difícil. Não podeis observar, se há julgamento ou identificação; porque a identificação e o julgamento impedem a compreensão. E observais passivamente, a coisa que observais começa a desdobrar-se, e há então compreensão, a qual se renova momento por momento.

 
 
Krishnamurti
Fonte: pensar compulsivo


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