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domingo, 7 de fevereiro de 2016

UM OLHAR SOBRE A COMPAIXÃO

O que é humano? Acho que o humano não é uma qualidade biológica. É uma qualidade espiritual.. E essa qualidade é a capacidade de ter ‘compaixão’. O ‘paixão’, de compaixão, vem do latim passus, sofrer. Compaixão é ‘sofrer com’. Eu, indivíduo, não estou sofrendo. Sozinho estou feliz. Mas olho para um outro que está sofrendo: um menino sem agasalho, numa noite fria, pedindo uma moedinha, tarde da noite num semáforo. E, de repente, eu começo a sofrer um sofrimento que não é meu, é o menino. Fico fora de mim. Estou no corpo do menino. Sofro com ele.

Essa terrível e maravilhosa capacidade de sofrer os sofrimentos dos outros, eu considero como a marca do humano. Ela é terrível porque nos arranca dos limites do nosso corpo: meu corpo estaria feliz se estivesse só nele; mas, porque está no corpo do menino, eu sofro. A compaixão aumenta o nosso sofrimento. E ela é maravilhosa porque por meio dela nunca estamos sozinhos: meu corpo é o centro sofredor do universo inteiro. Minha compaixão abraça tudo o que vejo e imagino. Pela compaixão estamos unidos a todas as coisas. E todas as coisas, assim, passam a fazer parte de nós mesmos.

“Aquele arbusto fenece, e vai com ele parte da minha vida. Em tudo que olhei em parte. Com tudo quanto vi, se passa, passo. Nem distingue a memória do que vi do que fui”. Compaixão é uma qualidade do olhar: olho e fico em parte no que vi. Por isso sofro com o ipê cortado, com o cão moribundo, com o velho abandonado. Quanto maior a compaixão, maior o sofrimento. Talvez seja essa a razão por que, no cristianismo, Deus esteja sendo permanentemente crucificado pelo mundo. Não para expiar pecados, como dizem os teólogos. Mas por pura compaixão. É da compaixão que surge a suprema norma ética de “fazer aos outros o que queremos que nos façam”.

Mas a ironia está em que, para quem está movido pela compaixão, a norma não é necessária, e para quem não está movido pela compaixão, ela é inútil.

Lalau, (um criminoso de colarinho branco)* é apenas o representante de uma enorme classe de indivíduos cujos olhos não foram tocados pela compaixão. Eles só sofrem suas próprias dores. Olham para os que sofrem e não sofrem. Por isso são insensíveis ao sofrimento dos outros. É essa insensibilidade ao sofrimento dos outros que lhes permite fazer o que fazem.

Há a antiga definição do homem como animal racional, É certo que Lalau é um animal racional, formado em direito e juiz. Mas sua capacidade de pensar não lhe deu compaixão. A capacidade de pensar, assim, não me parece ser adequada para definir o que é humano. Eu proponho, portanto, que o homem seja definido como uma nova espécie: o homo compassivus. Àqueles a quem falta a compaixão falta também a qualidade de humanidade. Não são meus irmãos.



Trecho do livro “Mansamente Pastam as Ovelhas”, Rubem Alves
*adaptado ao texto




Dalai Lama nos diz que a "compaixão nos dá um grande benefício. Ela nos traz força interior. Geralmente, temos um senso de "eu, eu, eu". E nossa mente centra tudo em nós mesmos. Então, todas as experiências negativas, mesmo pequenas, se tornam muito dolorosas, enormes. Mas quando pensamos nos outros, nossa mente se amplia, e os nossos pequenos problemas se tornam realmente pequenos, e as coisas negativas não prejudicam nossa mente". A compaixão é como um arrebatamento, saímos do mundo e entramos no céu quando a praticamos, nesse momento não há qualquer identidade. KyraKally

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