Translate

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

A ARTE DE PASSEAR
O Hábito de Caminhar Pela Natureza
Rompe os Muros Invisíveis da Rotina

“Navigare necesse, vivere non necesse”, diziam os antigos navegadores.  E, de fato, na primeira metade do século 21 não pode haver dúvida de que navegar, ou viajar, é necessário. A ciência moderna demonstrou que viajar é viver, porque tudo o que existe flui em um eterno movimento.

O núcleo de cada átomo do universo é como um pequeno sol em torno do qual  navegam elétrons em alta velocidade. Nossa galáxia é regida pela lei do movimento. A própria palavra “planeta”, que vem do grego, significa “errante” ou “viajante”.  A terra já foi comparada a uma nave espacial, devido à sua viagem incessante em torno do sol.  Além disso, nosso planeta gira em torno do seu próprio eixo, o que dá origem aos nossos dias e noites.

Parece pouco? O sistema solar também está em peregrinação. Ele viaja à velocidade de 960 km por minuto ou 57.600 quilômetros por hora em direção à estrela Vega, a mais brilhante da constelação de Lira. Felizmente, Vega não está parada. Ela se desloca pelo cosmo numa direção e com uma velocidade que garantem pelo menos uma coisa: ela nunca será alcançada por nós. 

A mudança e o movimento - tanto internos como externos -  são, portanto, o estado natural de tudo o que existe. Qualquer imobilidade ou estabilidade são subjetivas e passageiras. Permanentes são a transformação e a harmonização dinâmica das coisas em todo o cosmo. A cada desarmonia, segue-se uma harmonia maior e mais completa.  

Se tudo está em movimento e nada existe fora da dança do universo, não há motivo para que nós queiramos viver permanentemente fechados entre quatro paredes, como se fosse possível existir sem transformar-se. É só quando perdemos o contato com o ritmo natural da vida que o escritório, a fábrica, o apartamento ou a casa passam a funcionar como modernas prisões, ricas em recursos tecnológicos.

Segundo o filósofo Karl Gottlob Schelle, viver continuamente em atmosferas confinadas amolece o espírito das pessoas e enfraquece o seu bom senso.  
 
“O movimento do corpo não é diretamente uma das condições da vida”, escreve Schelle, “e sua ausência não desencadeia irremediavelmente a morte ... mas ele é, no entanto, uma condição indireta. Ele é indispensável para a saúde do corpo e para o bom funcionamento do organismo.” 
A preservação da força vital passa pela simplicidade voluntária. Basta caminhar regularmente ao ar livre e conviver com o ambiente natural para recuperar e manter a vitalidade. A antiga arte de passear pela natureza rompe os muros invisíveis da rotina e amplia nossos horizontes pessoais.

É verdade que essa arte meditativa nem sempre precisa ser praticada a pé. A bicicleta e o cavalo são alternativas admissíveis, até certo ponto, porque permitem andar em silêncio, em baixa velocidade, em contato com o vento, percebendo a magia da natureza e  participando do mistério da sua paz. 

A arte de viver com sabedoria inclui a necessidade de manter o corpo físico saudável e acostumado ao movimento. Isso nos estimula a tomar duas providências. A primeira é incorporar um pouco de trabalho físico à nossa rotina diária. A segunda é adotar o hábito de meditar caminhando. Passear e contemplar a unidade da vida são duas atividades que podem ser feitas ao mesmo tempo. Quando caminhamos pela natureza com o espírito livre de preocupações, nosso sistema nervoso relaxa, o sangue circula com mais força e vitalidade, o cérebro e o coração têm sua vida renovada. Em todo o organismo, a vitalidade flui melhor. Enquanto isso, podemos contemplar o processo da vida ao nosso redor e perceber mais claramente a nossa identidade profunda com os outros seres. 

Outra questão é saber o que o caminhante carrega consigo durante o passeio. Afinal, cada espírito humano possui uma espécie de bagageiro. Ali vão inúmeras lembranças, ideias, crenças, projetos, e alguns princípios éticos. Nem sempre carregamos bagagens agradáveis em nosso espírito. Há também feridas e cicatrizes da alma guardadas ali. Uma coisa é certa, porém. O bom passeador não aceita angústias e ansiedades como parte da sua bagagem. Enquanto pedala ou caminha, ele esquece as atividades de curto prazo e expande sua consciência.

As preocupações vão desaparecendo junto com as outras formas de apego emocional.  Esse processo de relaxamento é ajudado pelas reações bioquímicas que o exercício físico moderado causa naturalmente no corpo humano. O espírito do caminhante se eleva até que um dia ele passa a perceber em todas as coisas o princípio universal do equilíbrio e da harmonia.    

É com esse estado de espírito vasto e sereno que devemos caminhar. Aquele que possui uma mente aberta e um coração puro sabe escutar melhor o som do vento nas folhas das árvores. O aprendiz da sabedoria ouve o cântico dos pássaros e aprecia o nascer do sol sem pressa ou apego. Com a mesma tranquilidade que tem ao observar o voo de um pássaro no céu, ele vê as ondas de pensamentos e sentimentos no espaço interior da sua própria consciência.

Na verdade, não há uma separação entre o mundo interno e o mundo externo. De um lado, as nossas emoções são influenciadas pelo que está fora de nós. E de outro, sempre julgamos o mundo externo a partir daquilo que carregamos em nossa própria mente e nosso coração. 



Parte I - Carlos Cardoso Aveline
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário