COMO TIRAR PROVEITO
DOS INIMIGOS
A Arte de Aprender com as Dificuldades
Uma
fábula indiana conta que há milhares de anos vivia em um templo
abandonado uma cobra venenosa. Seu nome era Naga. Embora tivesse em
geral um comportamento adequado, a cobra despertava terror nos
habitantes da aldeia próxima porque - quando incomodada - atacava as
pessoas.
Certo dia apareceu no local um sábio desconhecido. Sentou-se junto ao templo e chamou Naga para uma conversa. Disse-lhe que a vida inteira é uma escola espiritual e aprendemos o tempo todo, mesmo quando não temos consciência disso. “O aprendizado é muito mais rápido - e mais difícil - quando fazemos um esforço consciente por iniciativa própria”, acrescentou.
A
consciência de Naga se expandiu. O animal viu a luz da sabedoria, e
disse que iria trilhar o caminho do esforço consciente. O instrutor
mencionou então duas condições básicas para esse tipo de aprendizado.
“O
primeiro passo é o autocontrole”, disse ele. “O processo sagrado começa
à medida que o aprendiz deixa de obedecer aos instintos animais.” E
acrescentou, antes de prosseguir viagem: “Ao mesmo tempo, há outra
condição. É preciso ser fraterno e pacífico em relação a todos os
seres.”
Impressionada
pela força das palavras do mestre, a cobra Naga deixou de lado as
preocupações mundanas. Praticou meditação, aproximou-se da sua alma
imortal e experimentou a paz do universo infinito. Ela também tomou uma
decisão: “De agora em diante, vou controlar os meus instintos e não
morderei mais ninguém.”
A
lei da evolução estabelece que todo conhecimento sagrado deve ser
testado na prática, e o caso de Naga foi exemplar. Seu novo
comportamento chamou atenção das crianças da aldeia. Por que motivo a
cobra ficava o dia todo em jejum, recitando mantras e meditando sob o
calor do sol? Quando chegaram à conclusão de que o animal não atacava,
começaram os risos, o desprezo e as agressões com pauladas e
pedradas. Naga emagreceu. Adoeceu. Sua pele começou a cair. Mas
perseverava.
Um
ano depois, o animal está sem forças e à beira da morte quando o mestre
desconhecido reaparece e senta-se para conversar. A cobra conta ao
sábio o que aconteceu e fala da sua lealdade ao caminho espiritual.
Surpreso, o mestre explica que tamanha dor não era necessária:
“Eu
disse para você não atacar. Não disse que não ameaçasse morder. Não
disse que não preparasse o bote. Não deixe de impor respeito. Não faça
mal a ninguém, mas - quando necessário - defenda-se sem violência.”
E Naga sobreviveu e encontrou o equilíbrio.
Qual
foi o erro da cobra? Ela idealizou o caminho da sabedoria de maneira
ingênua e ignorou o fato de que conflitos e contradições fazem parte da
vida.
A
cada momento temos de tomar decisões. E antes de cada decisão há uma
certa luta entre diferentes tendências em nosso interior. As pessoas
vivem conflitos psicológicos dentro de si, e é natural que haja
discordâncias nas relações humanas e sociais. Contraste é vida, e vida é
movimento. A uniformidade imobilista não é saudável. Quando as pessoas
têm medo das discordâncias naturais, passam a reprimir as suas
diferenças de opinião na esperança de preservar a paz. Então a
sinceridade é substituída pela cortesia. Gradualmente, a confiança mútua
desaparece, abrindo espaço para a má vontade, os sentimentos hipócritas
e a deslealdade.
Por
isso a sinceridade é sempre melhor que a harmonia forçada. Naturalmente
é agradável estar rodeado de pessoas que concordam conosco em todos os
aspectos. Mas se fosse possível viver desse modo o tempo todo, nossa
evolução correria grave risco de ser interrompida. Assim como as pedras
dos rios ficam redondas após longos anos de atrito, também os seres
humanos necessitam de suas dificuldades e contradições para
aperfeiçoar-se.
Devemos
evitar as desarmonias, quando possível, mas quando elas são inevitáveis
o melhor a fazer é aprender com elas. Para o pensador grego Plutarco
(46 E.C.- 120 E.C.), os inimigos são comparáveis às dificuldades
naturais que a vida coloca diante de nós. Um velejador experiente não se
desespera com o vento contrário, mas sabe usá-lo para avançar no rumo
certo. Do mesmo modo devemos aproveitar as inimizades e outros desafios
para aumentar nosso autoconhecimento.
“O
fogo queima quem o toca, mas também fornece luz e calor e serve a uma
infinidade de usos para aqueles que sabem utilizá-lo”, explica Plutarco.
A situação é idêntica com os adversários ou invejosos: “O que é mais
prejudicial na inimizade pode tornar-se o mais proveitoso”, diz ele. “É
que teu inimigo, continuamente atento, espia tuas ações na expectativa
da menor falha, e fica à espreita em torno da tua vida.”
Na
tarefa de identificar nossos erros, os inimigos são mais úteis que os
amigos. Os adversários aumentam o perigo e, com isso, não nos deixam
adormecer na rotina. Para Plutarco, necessitamos amigos sinceros e
inimigos ardentes: “uns nos afastam do mal por suas advertências, os
outros, por sua censura.” Porém, os amigos geralmente evitam falar com
franqueza. O amor pode ser cego em relação a aquilo que ele ama. Mas o
rancor consegue revelar as manias e os fracassos de qualquer um.
Quando
o invejoso mente em suas críticas, podemos lembrar que, seja como for,
nós ainda estamos longe da perfeição. É verdade que ele vê erros em nós
que não existem: mas talvez haja erros em nós que ele não vê. Devemos
aproveitar a oportunidade de uma crítica contra nós para exercer
vigilância e aumentar nossa força interior. A confiança no bem e a
autoconfiança nos darão tranquilidade para observar os erros do ponto de
vista do nosso potencial divino. E, sobretudo, para valorizar nossos
acertos.
Segundo
Plutarco, a melhor maneira de defender-nos dos inimigos é aumentar
nossas virtudes. O taoísmo e a filosofia esotérica ensinam a mesma
coisa. O escritor Carlos Castaneda (1925-1998) reforça esse ponto ao
explicar que “o guerreiro deve ser impecável”.
De
que modo o aprendiz pode seguir o exemplo do navegador que usa o vento
contrário para chegar ao seu destino, e tirar proveito das injustiças
que sofre, para alcançar a sabedoria?
Parte I - Carlos Cardoso Aveline
Kennedy disse algo interessante sobre os inimigos: "Perdoe seus inimigos, mas não esqueça seus nomes". E Oscar Wilde ironizou-os a ponto de afirmar: "Não deixe de perdoar os seus inimigos - nada os aborrece tanto". Porém, o maior dos perdões ainda permanece distante de ser praticado: "Ame os teus inimigos, façam o bem para aqueles que te odeiam, abençoe aqueles que te amaldiçoam, reze por aqueles que te maltratam..." Jesus Cristo. K.Kally
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