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quinta-feira, 15 de outubro de 2015

COMPREENDENDO A ANATOMIA 
DA FUNDAMENTAL 
TRANSFORMAÇÃO INTERIOR
Parte II
 
Para a maioria de nós, se já temos refletido nestes assuntos, a ideia de transformação deve ser um tanto confusa; porque já vimos que as chamadas revoluções, embora tenham produzido certos efeitos externos, talvez benéficos, se tornaram, afinal, profundamente prejudiciais ao homem. É bem de ver que a transformação fundamental deve ser algo mais do que simples mudança de uma estreita esfera de pensamento para outra. 
 
Com as coisas correndo como estão, no mundo, pode-se perceber a necessidade de mudança radical de alguma espécie, não só nos níveis econômico e social, mas também profundamente, no íntimo de cada um de nós; e para os que pensam verdadeiramente a sério sobre estas questões, o problema deve ser de como produzir a transformação. 
 
A transformação operada mediante compulsão, em qualquer forma, não é, obviamente, transformação nenhuma. Se sou forçado ou influenciado a transformar-me, isso não é uma verdadeira transformação, porquanto estou apenas me ajustando a um padrão que me foi imposto de fora ou que eu próprio estabeleci. Tampouco a transformação consiste em adaptar-se a pessoa a um certo ambiente, pois isso é apenas ajustar-se a um modelo que se julga será benéfico ou um melhor método de vida.

Ora, se se percebe que o ajustamento, o conformismo, ou qualquer espécie de mudança operada pela compulsão o por determinada influência não é mudança nenhuma, como então promover a mudança? A transformação fundamental é evidentemente essencial, não só neste país mas no mundo inteiro; e como pode iniciar-se essa transformação não resultante de compulsão, conformismo ou ajustamento?

Pensamos em geral que o ajustamento, a adaptação, ou o sermos obrigados a agir num certo sentido, é um processo de transformação, e nunca tivemos dúvidas sobre se isso é realmente uma transformação revolucionária. Eu não acho que seja porque se observardes a vós mesmos quando vos estais adaptando, ajustando, quando vos deixais influenciar ou compelir, vereis que apenas vos encaixais num padrão de pensamento, antigo ou moderno, e que vossa essência íntima em nada mudou.

Portanto, o problema é: como podemos mudar radicalmente, essencialmente? Não sei se já tendes pensado bem nisso, pois em geral permitimos de bom grado que nos ajustem a um padrão; pensamos ser suficiente produzir uma transformação parcial no mundo, e com isso nos satisfazemos. Mas, se examinardes a questão com profundeza, tereis então de interrogar-vos como será possível transformar a totalidade de nosso ser, de nossa consciência, como se poderá operar uma revolução completa no pensar e na apreciação dos valores. Porque, evidentemente, só essa transformação revolucionária, profunda, interior, no âmago de nosso ser, pode efetivamente libertar a força criadora da realidade e criar um mundo de todo diferente. 
 
Se não houver essa fundamental transformação interior, o mero ajustamento externo, a aquisição de mais alguns conhecimentos, o estabelecimento de mais algumas reformas, etc., é realmente uma coisa muito superficial. É como vestir uma capa nova, enquanto por baixo continuam existentes as mesmas condições antigas. Assim, se a questão deveras vos interessa, como pode uma pessoa mudar inteiramente?
 
Permita-me sugerir-vos que escute o que estou dizendo sem emitir julgamento, sem afirmar que é impossível. Por favor, não traduzais o que se está dizendo nos termos dos vossos próprios conhecimentos, nem o escuteis em atitude defensiva, comparando-o com o que outros vos disseram ou com o que lestes nos livros sagrados — que não são mais sagrados do que outro livro qualquer. 
 
Escutar é uma tarefa bem difícil; em geral, nunca prestamos ouvidos senão à voz de nosso próprio pensar, de modo que, na realidade, nada nos é comunicado. Escutar com julgamento, comparando o que se ouve com o que já se sabe ou leu, é uma forma de distração. Mas, se sois capaz de escutar sem comparação, com atenção natural, então o próprio ato de escutar é um ato de meditação que, indubitavelmente, gera profunda transformação. Tentai de quando em quando observar-vos, para ver se escutais realmente alguma coisa, o que vossos amigos dizem, o que diz vosso marido ou esposa, o que diz vosso patrão — e vereis que vossa mente está sempre totalmente ausente. 
 
Simulais estar escutando, mas só escutais pela metade; ou tendes medo, ou estais enfadado, ou simplesmente não desejais escutar e, portanto, não há comunicação direta. Como disse, o escutar, por si só, opera um extraordinário milagre. O próprio ato de escutar produz uma compreensão imensa, sem esforço algum de vossa parte; e, uma vez que vos achais aqui e eu vos estou falando, desejo sugerir, se permitis, que escuteis para descobrir o que estou tentando transmitir-vos.  


A meu ver, uma transformação fundamental — não um "ressurgimento religioso" mas uma revolução religiosa —precisa ser efetuada, porquanto, sem ela, os nossos problemas se multiplicarão; embora tenhamos geladeiras e outras coisas mais, ir-nos-emos tornando cada vez mais superficiais e teremos tribulações maiores ainda. E para se operar essa transformação profunda, no íntimo de nosso ser, não há dúvida de que temos de investigar o problema da consciência e compreender a anatomia da transformação.   
 
A grande maioria procura transforma-se mediante esforço, não é verdade? Isto é, vemos que somos cruéis e dizemos: "Preciso transformar-me"; e, assim, empenhamo-nos em nos transformar, tentamos forçar-nos, pela disciplina, a não ser cruéis. Ora, examinemos o impulso que nos leva a desejar modificar-nos, porque, se não compreendemos esse impulso, se não compreendemos totalmente esse processo de consciência que diz: "Preciso modificar-me", não é possível nenhuma transformação básica, ainda que haja ajustamentos superficiais. 
 
 
 
 Krishnamurti


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