A TRANSFORMAÇÃO LIBERTADORA
Parte III
Por favor, não escuteis o que estou dizendo comparando-o com o que lestes acerca da consciência no Bagavagita
ou noutro livro qualquer, porque o que estamos tentando fazer não é
comunicar ideias, porém, antes de tudo, experimentar diretamente o que estamos
escutando. A menos que experimentemos o que estamos escutando, estas
palestras nenhum valor terão; serão apenas mais um conjunto de percepções intelectuais,
um processo de "mentalização", o qual, por mais interessante que pareça,
nenhuma significação terá. Mas se, ao contrário, vós e eu estivermos
realmente escutando o que se está dizendo — vós aí sentados e eu aqui a
falar-vos —, se, através da descrição verbal, cada um de nós está
observando o funcionamento de sua própria mente, então acho que estas
palestras serão realmente úteis.
Estamos,
pois, tentando descobrir como poderemos transformar-nos, não apenas
superficialmente, mas no âmago de nosso ser, e isto significa que temos
de investigar a questão da consciência. Quando pergunto a mim mesmo o
que é a consciência, existe um interrogante separado da pergunta, não é
verdade? Existe a entidade que fez a pergunta e está aguardando a
resposta; e esse "processo" é o começo da consciência, não é? O
interrogante diz: "Preciso saber como funciona a consciência" — e começa
então a investigar; e tanto a investigação como a resposta dependem de
como ele fez a pergunta.
Por
outras palavras: Eu desejo saber o que é a consciência, e não se trata
de uma pergunta vã ou simplesmente curiosa. Pergunto a mim mesmo o que é
a consciência, porque vejo que preciso transformar-me fundamentalmente,
que a totalidade de meu ser precisa passar por uma transformação
completa. Ora, essa transformação revolucionária se efetua por meio de
uma série de esforços por parte daquele que diz: "Preciso
transformar-me"? Deve ele desenvolver a necessária qualidade de vontade,
e transformar-se de acordo com essa vontade? Compreendeis?
Estou me
interrogando e espero estejais que também perguntando a vós mesmos o que é
esta consciência, este "eu" que diz "Preciso transformar-me". Qual a
impulsão, a ação, a força do inquiridor que tenta modificar-se? Esse
processo acha-se na esfera da consciência, na esfera do pensar, não é
verdade? Estais seguindo? Isso não é muito complexo, porém, bem simples.
Quando
desejo modificar-me, já tenho o modelo ou a ideia segundo a qual devo
modificar-me. Isto é verdade, não? Ora, isso é realmente transformação
ou é tão só um movimento do "conhecido" para outro "conhecido"?
Compreendeis? Porque sou cruel, digo que devo ser bondoso. O "processo"
de esforçar-me para ser bondoso é um movimento no sentido de uma coisa
já conhecida; e isso é realmente transformação? Há transformação se me
movimento para algo que conheço? Ora, por certo, só há transformação se a
mente se move para o desconhecido. Quando ela persegue aquilo que já
experimentou, seu movimento é meramente uma continuação do conhecido em
forma modificada e, por conseguinte, não é transformação nenhuma.
Suponhamos
que, sendo violento, tenho o ideal de "não-violência". O ideal já é
conhecido. Imaginei o que não é ser violento e, portanto, o ideal nasceu
de meu atual estado de violência, e quando me modifico no sentido desse
ideal, estou me movendo dentro da esfera do conhecido; por conseguinte,
isso não é transformação. Esse é o "processo" inteiro da consciência,
não? Senhores, não concordeis comigo, pois tendes de pensar nisso de
maneira completa, senti-lo integralmente.
Forcejo
para transformar-me em conformidade com o que chamo o ideal e que é o
oposto daquilo que experimentei como "violência"; consequentemente,
criei um conflito entre o que é e o que deveria ser,
e considero esse conflito necessário para se produzir a modificação.
Tudo isso é "processo" da consciência, não? Quer consciente, quer
inconsciente, esse "processo" é a consciência. Se vós mesmos o virdes
claramente, descobrireis algo extraordinário.
Estou,
pois, perguntando a mim próprio se há transformação ao esforçar-me para
transformar-me. Quando me esforço para me transformar há transformação
ou apenas o ajustamento a um padrão estabelecido por mim mesmo ou por
algum agente externo? Isto é, qualquer espécie de transformação baseada
na tradição ou na autoridade não é transformação nenhuma, porque então
nos estamos apenas nos ajustando a uma ideia, e todas as ideias fazem parte
do "conhecido", resultam do fundo (background) que as
"projeta". Assim, qualquer mudança operada por meio do esforço em
direção àquilo que chamamos "ideal" — que é o "conhecido" — não é
transformação nenhuma. Quando se persegue o ideal da "não violência",
por exemplo, deseja-se alcançar um certo estado por meio de compulsão,
ajustamento a padrão — e isso é outra forma de violência.
A
consciência é esse movimento do conhecido para o desconhecido,
movimento de compulsão, de esforço. Ao dizer o comunista: "Eu tenho o
correto padrão da existência", esse padrão origina-se daquilo que ele já
conhece. Ele cria uma utopia consoante com seu conhecimento e
interpretação da história e, se é um homem importante, leva a cabo o seu
plano, enquanto nós, a massa do povo, nos submetemos. É isso o que tem
acontecido, numa ou noutra forma, em todas as partes do mundo. Os
Shankaras, os líderes, os instrutores têm ideias, nós as lemos e a elas
nos ajustamos e pensamos que nos estamos transformando. Poderá ocorrer
um ajustamento superficial, mas não há transformação nenhuma, no sentido
a que me refiro, isto é, a transformação total do nosso ser, de forma
que nossa maneira de pensar seja totalmente nova.
O
que é novo não pode produzir-se mediante esforço, mediante movimentação
do conhecido para o conhecido, ou seja, a perseguição do ideal. E, no
entanto, é isso que estais fazendo em vossa vida de cada dia, não é
verdade? Percebeis que sois ambicioso, ou cruel, ou invejoso, e dizeis:
"Preciso transformar-me", e começais a ajustar-vos ao padrão de um ideal
que vós ou outros estabeleceram, e pensais que essa é uma
importantíssima transformação. Mas, se realmente o examinardes, se
penetrardes todo o processo psicológico do pensar, vereis que enquanto a
mente está pensando em termos de uma dualidade, tal seja a "violência" e
"não violência", enquanto se empenha em ajustar-se ao oposto daquilo
que ela é — o qual é meramente a projeção do conhecido e, portanto, uma
continuação da mesma coisa em forma modificada — não pode haver
transformação básica.
O importante, pois, é compreender, perceber ou experimentar realmente a falsidade de vosso esforço para vos transformardes. Os gurus, os mahatmans,
os mestres e todos os livros religiosos vos mandam forcejar,
controlar-vos, disciplinar-vos, e ao perceber que esse esforço é
realmente falso significa que deveis ser capaz de olhá-lo sem a
autoridade do líder, político ou religioso, inclusive eu próprio. Para
"experimentardes" a verdade ou a falsidade do que vedes, não podeis
interpretá-lo de acordo com outra pessoa, não importa quem seja ela. Se
penetrardes essa questão a perceberdes claramente, por vós mesmo, que
não pode haver transformação enquanto há ajustamento, isto é, enquanto
vos estais obrigando a adaptar-vos a um padrão estabelecido por vós ou
por outro — se perceberdes realmente a verdade ou a falsidade disso,
vereis então que vossa mente se despojou de toda e qualquer autoridade; e
não é esse o verdadeiro começo de uma revolução fundamental?
Parece-me
haver necessidade — principalmente no tempo presente — de pessoas
vivamente interessadas nessas coisas — mas não me refiro às que se
dedicam seriamente ao Gita, ao comunismo, ou a outro
padrão qualquer, porquanto elas são simplesmente "conformistas".
Refiro-me às pessoas que séria e ardentemente desejam descobrir como
efetuar em si mesmas uma revolução total. Apresenta-se, assim, a
questão: Pode a mente libertar-se do conhecido? — pois só então há
transformação fundamental.
Notai,
por favor, senhores, que isto requer muita penetração, investigação.
Não concordeis comigo, mas examinai, meditai, dissecai vossa mente, para
descobrirdes a verdade ou a falsidade de tudo isso. Saber o que é o
"conhecido" pode produzir transformação? Preciso ter conhecimentos para
construir uma ponte; mas há necessidade de minha mente sabem em que vai
transformar-se? Certo, se sei qual será o estado de minha mente depois
de transformar-me, então já não há transformação. Esse conhecimento é
prejudicial à transformação, porquanto se torna um meio de satisfação e,
enquanto existir um centro em busca de satisfação, recompensa ou
segurança, não há transformação nenhuma. E todos os nossos esforços
baseiam-se nesse centro constituído pela ideia de recompensa, punição,
êxito, ganho, não é verdade? Eis o que interessa à maioria de nós, e se
ele nos ajuda a obter o que desejamos, mudaremos; mas essa mudança não
é, de modo nenhum, a verdadeira transformação. Assim, a mente que deseja
achar-se, fundamentalmente, profundamente, num estado de transformação,
num estado de revolução, deve livrar-se do "conhecido". Ela então se
torna sobremodo tranquila, e só nesse estado poderá experimentar a
transformação radical indispensável.
Krishnamurti
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