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terça-feira, 24 de agosto de 2021

SIBIPIRUNA, GUARDIÃ DO CAMINHO

“Histórias que as árvores nos contaram”

 
No canteiro central de um caminho de terra, que dá acesso a um centro espiritual, existe uma singela árvore, chamada sibipiruna. Foi plantada ali, há algum tempo, por alguém que talvez não tivesse total consciência do real papel daquela árvore naquele local. Todavia, a consciência dévica que o inspirou, o sabia. Seu papel era tornar-se guardiã do lugar sagrado, que só mais tarde iria se revelar ali.
 
Certa vez, um peregrino colocou-se a caminho desse centro espiritual. distraído, passou sob a frondosa copa da sibipiruna, que já estava atenta à sua vinda, muito antes dele ali chegar. de repente, ele ouviu uma voz suave e firme, que não sabe de onde vinha. 
 
– Ó peregrino, à tua frente vais cruzar um pequeno rio de águas turvas, lamacentas. Lança nele teus desejos, tuas paixões e emoções humanas. Dá à lama o que a ela corresponde em vibração. Não deves prosseguir, carregando em tua bagagem cargas tão densas e pesadas. Alivia-te, e prossegue!
 
O peregrino, um tanto desconcertado, adianta-se no caminho e novamente ouve:
 
– Ó peregrino, à tua frente vais atravessar os trilhos de uma linha férrea. Uma encruzilhada. Deixa para trás teus pensamentos, ideias, conceitos e preconceitos. Eles criam conflitos de energia dentro de ti, desnecessários à tua jornada. Se não te purificas, corres perigo em uma encruzilhada.– Aquieta-te. Acalma tua mente. Alinha-te com a vontade superior em ti. Assim, não vais te perder em uma encruzilhada, e vais ser capaz de reconhecer o caminho correto que deves seguir. o peregrino começa a perceber que algo está se transformando dentro dele. e a voz prossegue:– Ó peregrino, à tua frente vais atravessar uma alameda de árvores irmãs: aroeiras, paineiras, coqueiros, eucaliptos e alecrins. Juntas, vão completar tua purificação e teu alinhamento. Sê grato! 

O peregrino já não é mais o mesmo distraído que havia entrado ali e escuta agora a voz com atenção:

– Ó peregrino, à tua frente vais encontrar um último sinal, antes que possas adentrar o lugar sagrado que almejas alcançar. O riacho de águas cristalinas, que ainda vais cruzar, oculta um portal. Deixa antes para trás tuas boas intenções humanas, teus desejos de cresceres e de te curares.
 
– Dependura tuas velhas vestes e descalça os pés de teus sapatos suados e gastos, antes de atravessar o portal e prosseguir. Depois, segue em silêncio. Vais entrar agora em um lugar sagrado, onde o Espírito vive, tudo vê, e jamais descansa. Só Ele conhece tuas necessidades reais, que nem mesmo tu conheces. Conhece tua origem, teu destino, teus dons e qualidades; também tuas falhas, imperfeições e dificuldades. Se te entregas a Ele, tudo em ti será suprido, no tempo que só Ele sabe. Segue os novos sinais que vais encontrar pelo caminho.
 
O peregrino não sabe ainda o que realmente aconteceu. Sabe apenas que tudo se deu no momento em que internamente se encontrou com a consciência dévica daquela guardiã do caminho, a sibipiruna. Ao deixar agora aquele lugar sagrado, percebe-se mais atento e alinhado. Sente-se maduro para irradiar o que vivenciou, no mais profundo do seu ser. Ao passar novamente pela sibipi-runa, escutou ainda uma outra vez, sua voz:
 
– Ó peregrino, agora estás deixando um lugar sagrado. Cuida-te. Não voltes a colocar sobre ti as vestes antigas que deixaste para trás. Não te demores em encruzilhadas, mais do que o necessário, para que o perigo não paire sobre ti. Deixa para trás o rio lamacento que acabaste de cruzar, e não voltes a sujar de lama teus pés – Mantém acesa em ti a chama que acabaste de vivificar. Tem cuidado com caminhos largos, fáceis, cheios de atrativos e tentações, que vais encontrar pela frente. Não te distraias pelo caminho. Tem cuidado com o mundo lá fora que te quer de volta, aprisionado e entorpecido, para dele nunca mais te deixar sair. Segue em frente. Tens a minha paz. Minha aura te acompanha e te protege. Dou-te a bênção, pois a recebo continuamente do Espírito, e só assim posso abençoar. Abençoa também teus irmãos ao longo do caminho que agora tens pela frente.
 
Sibipiruna, fogo na matéria Siwe’pyra’una, do tupi-guarani, pode assim ser traduzido: “madeira forte que sustenta potente fogo purificador”, ou ainda “vaso em que arde um fogo purificador”. Pyra, do latim, pode significar: “altar do sacrifício”. Os fogos do espírito queimam sem arder. Assim, podem queimar e purificar cada partícula do ser. A sibipiruna revela externamente também esse potente fogo purificador. Basta estar atento e observar, ao amanhecer de cada dia, as vestes puras que usa: sua folhagem verdejante, sua sombra acolhedora; seu porte amoroso e firme, e por que não, elegante; sua floração irradiante e encantadora. Sibipiruna, os fogos das entranhas da Terra e os fogos dos confins do espaço se unem em tua essência!

Por Frei Ameino (Clemente) - Este texto integra a coletânea “Histórias que as árvores nos contaram”, em preparação. 
http://www.comunidadefigueira.org.br.

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