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quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

REFLEXÕES DE THOMAS MERTON

Homens e Deuses | VEJA SÃO PAULO Há uma diferença entre amar os homens em Deus e amar a Deus nos homens. Os dois amores são a mesma coisa: São caridade, que tem Deus por objeto e que, nos dois atos, O atinge diretamente. Há, contudo, uma significativa diferença de ênfase, uma diferença de ‘foco’, que dá aos dois atos um caráter diverso. A vida em que nós amamos Deus nos homens é necessariamente uma vida ativa. Mas a contemplativa ama os homens em Deus.


Mesmo que sejamos cultos e tenhamos profundo conhecimento de muitos assuntos e muitas 'palavras', isso não tem nenhum valor, não tem um sentimento fundamental, ... se a Palavra Única, Amor, não for ouvida. Essa Palavra Única só é ouvida no silêncio e na solidão do coração vazio, no coração indiviso, altruísta, no coração que está em paz, desapegado, livre e sem preocupações. Na linguagem do cristianismo, essa liberdade é o reino da fé, da esperança, mas, acima de tudo, do Amor. 
 
Somente a intensão pura pode ser perspicaz e prudente. O homem de intenções impuras é cego e hesitante. Como ele está sempre apanhado entre duas vontades em conflito, não pode tomar decisões simples e claras. Ele tem que pensar duas vezes mais do que o homem que só busca a vontade de Deus, pois deve preocupar-se com a sua própria vontade e com a de Deus ao mesmo tempo. Não pode ser realmente feliz porque não há felicidade sem a liberdade interior, e nós não agimos sem angústia a não ser quando o cumprimento da vontade de Deus é a nossa única alegria.
 
O verdadeiro problema de nossos tempos é essencialmente espiritual. Um importante aspecto desse problema é o fato de que, em muitos cristãos, a consciência cristã só parece funcionar como uma faculdade rudimentar, vestigial, desprovida de todo o vigor e incapaz de alcançar seu verdadeiro propósito: uma vida completamente transformada em Cristo. A consciência moral madura é aquela que deriva sua força e sua luz não de diretrizes externas apenas, mas, acima de tudo, de uma naturalidade espiritual interior, equiparável à espontaneidade dos mais profundos valores da graça e da natureza.

 
A frutificação da nossa vida depende, em grande parte, da habilidade em duvidar das nossas próprias palavras e em desconfiar do valor do nosso trabalho. O homem que confia inteiramente no conceito que tem de si mesmo é condenado à esterilidade. Se só em parte cremos em nós mesmos, é possível que sejamos justos a nosso respeito. Se nos deixamos enganar inteiramente pela própria máscara, só podemos ser o contrário.

Nós presumimos, com demasiada facilidade, que somos o nosso eu real, e que as nossas escolhas são as que pretendemos fazer quando é por impulsos psicológicos emanados de ideias exageradas sobre a nossa própria importância que os nossos atos de livre escolha são largamente ditados pelo lado falso do nosso eu.

Cada homem se torna a imagem do Deus que ele adora. Quem adora uma coisa morta, converte-se em uma coisa morta. Que ama a corrupção fica pobre. Quem ama coisas perecíveis, vive no medo de sua perdição.
 
O silêncio que favorece à contemplação não é um absoluto, que exclui toda palavra. Pelo contrário, as conferências espirituais, as conversas, o estudo e a direção são ocasiões de luz e de graça para a alma que se consagrou à vida de solidão e de prece. A vida contemplativa é impregnada de caridade, e esta, absorvida no seu único objeto que é Deus, vai atingi-Lo tanto diretamente, como através dos outros homens. A nossa vida interior definhará sem um constante contato vital com Deus através dessas duas avenidas.

O amor é a chave que nos faz penetrar no sentido da vida. É, ao mesmo tempo, transformação em Cristo e descoberta de Cristo. À medida que crescemos no amor e na união com os que Cristo ama (isto é, todos os homens), nos tornamos cada vez mais aptos a compreender, apreendendo obscuramente algo da tremenda realidade da presença do Cristo no mundo, em nós e nos homens, nossos irmãos. 
 
A consciência é a alma da liberdade, os seus olhos, a sua energia, a sua vida. Sem consciência, a liberdade não sabe jamais o que fazer de si mesma. E um ente racional que não sabe o que fazer consigo, acha insuportável o tédio da vida. Ele está, literalmente, morrendo de fastio. Assim como o amor não encontra a sua plenitude simplesmente em amar às cegas, também a liberdade definha quando se reduz a 'agir às soltas', sem qualquer finalidade. Um ato sem intenção priva-se de alguma coisa da perfeição da liberdade, porque liberdade é mais do que uma questão de preferência indeterminada, ao acaso. Não basta, para afirmar a minha liberdade, escolher 'qualquer coisa'. Preciso usar e desenvolver a minha liberdade através da escolha de qualquer coisa de 'bom'.

Aquilo que os homens levam a sério é muitas vezes trivial aos olhos de Deus. O que em Deus poderia parecer-nos uma 'brincadeira' é talvez aquilo que ele considera mais sério. Seja como for, o Senhor brinca e se alegra no jardim de sua criação e, se conseguíssemos livrar-nos da obsessão que temos em querer dar um sentido a tudo, talvez pudéssemos ouvir sua voz chamando-nos, e segui-lo, então, em seu misterioso bailado cósmico. Pois o mundo e o tempo são o bailado do Senhor no vácuo. O silêncio dos planetas é a música dum banquete de núpcias. Contudo, a verdade é que somos convidados a nos esquecer a nós mesmos, deliberadamente, a lançar aos ventos nossa terrível solenidade e a entrar no bailado geral.

Mas interferimos com o trabalho de Deus ao falarmos demais sobre nós mesmos - chegando mesmo a dizer-Lhe o que nós devemos fazer - aconselhando-O sobre como nos tornar perfeitos e à espera de que Sua voz nos responda com aprovação. Logo nos impacientamos e nos desviamos do silêncio que nos perturba (o silêncio no qual Sua obra pode ser mais bem-feita) e inventamos a resposta e a aprovação, que jamais virão. ​O silêncio é pois a adoração de Sua verdade. O trabalho é a expressão de nossa humildade. O sofrimento nasce do amor que busca tão somente uma coisa: que a vontade de Deus seja cumprida.

Nos dois primeiros capítulos da primeira epístola aos Coríntios, São Paulo faz a distinção entre duas espécies de sabedoria: a que consiste no conhecimento de palavras e declarações, é sabedoria racional, dialética. E outra que é ao mesmo tempo paradoxo e experiência e vai além do alcance da razão. Para alcançar tal sabedoria espiritual, é preciso antes libertar-se da dependência servil em relação 'à sabedoria da linguagem' (I Coríntios 1,17). Essa libertação se efetua pela 'Palavra da Cruz', que não tem sentido para aqueles que se agarram ao seu próprio modo de ver e a seus hábitos de pensar, e é um meio pelo qual Deus 'destrói a sabedoria dos sábios' (I Coríntios 1,18-23). A Palavra da Cruz é, de fato, completamente desconcertante tanto para os gregos, com sua filosofia, como para os judeus, com sua bem interpretada lei. Porém, quando formos libertados da dependência às fórmulas verbais e estruturas conceituais, a cruz tornar-se-á uma 'força'. Aquele que é capaz de aceitar essa 'estultice' paradoxal experimenta em si uma força secreta e misteriosa que é a força do Cristo que vive nele, como fundamento de uma vida inteiramente nova e um ser novo (I Coríntios 2,1-4 cf. Efésios 1,18-23, Gálatas 6,14-16).
O primeiro passo na vida interior, hoje em dia, não é, como imaginam alguns, aprender a não ver, a não provar, não ouvir, nem sentir as coisas. Muito ao contrário, o que devemos fazer é começar a desaprender os nossos modos errados de ver, de provar, de sentir para adquirir uns tantos modos corretos. (...) A minha alma não se descobre senão quando age. Ela deve, pois, agir. A estagnação e a inatividade trazem a morte espiritual. Mas a minha alma não deve projetar-se inteiramente nos efeitos externos da sua atividade. Não preciso ver-me a mim mesmo, eu só preciso ser quem sou.

Não existem fórmulas simples e eficazes a não ser no Evangelho, onde as palavras não são do homem mas de Deus. E, apesar de toda a sua simplicidade, as palavras do Cristo, em sua transparência, as palavras de salvação, permanecem profundamente misteriosas, como tudo que procede de Deus. Assim, conquanto esteja bem claro que somos chamados à 'perfeição' - e sabemos consistir a perfeição em 'observar os mandamentos (de Cristo), acima de tudo o 'mandamento novo' de nos amarmos uns aos outros como ele nos amou - cada um tem de se esforçar para alcançar a própria salvação, com temor e tremor, no mistério e, muitas vezes, atônito, na confusão da situação particular de sua vida. Realizando isso, cada um de nós aparece como um novo 'caminho', uma nova 'santidade' inteiramente individual e própria, porque cada um de nós tem sua vocação peculiar e deve reproduzir a semelhança ao Cristo de um modo que difere um tanto dos outros, desde que não existem duas pessoas iguais. 

Temos fome das palavras transformadoras que nos vem de Deus, palavras ditas em segredo ao nosso espírito e portadoras de nosso inteiro destino. Acabamos por não viver de nada mais senão dessa voz. A nossa contemplação enraíza-se no mistério da Providência divina e na sua atualidade. A Providência não pode mais ser para nós uma abstração filosófica. Ela não é uma agência sobrenatural a prover-nos de roupa e mesa no devido tempo. É ela mesma que se torna alimento e vestuário nosso. A nossa vida são as próprias decisões misteriosas de Deus."

É necessário que encontremos o silêncio de Deus não só em nós mesmos, mas também em um outro. A menos que algum outro nos fale em palavras que brotam de Deus e se comunicam com o silêncio de Deus em nossas almas, permanecemos isolados em nosso próprio silêncio, do qual Deus tende a se retirar. Pois o silêncio interior depende de um contínuo procurar, um contínuo gritar na noite, um repetido dobrar-se sobre o abismo. Se nos apegamos a um silêncio que pensamos ter encontrado para sempre, deixamos de buscar Deus e o silêncio morre dentro de nós. Um silêncio no qual Ele não é mais procurado cessa de nos falar d’Ele. Um silêncio do qual Ele não parece estar ausente, perigosamente ameaça Sua presença contínua. Pois Ele é encontrado quando é procurado, e quando não é mais procurado, Ele nos escapa. Ele é ouvido somente quando nós esperamos ouvi-lo, e se, pensando estar nossa esperança realizada, deixamos de ouvir, cessa Ele de falar, Seu silêncio deixa de ser vívido e se torna morto, apesar de o recarregarmos com o eco de nosso próprio ruído emocional.

Meu Deus, tranca-me na Tua vontade, prende-me no Teu amor e na Tua Sabedoria, atrai-me para Ti mesmo. Nunca farei coisa alguma quando a razão mais forte para fazê-la for somente minha própria satisfação. Eu desejo Tua Vontade e Teu Amor. Eu me entrego cegamente a Ti. Confio em Ti. Tu realmente me queres na solidão? Então conduze-me para lá e purifica o caminho de toda a minha vontade própria e de meus próprios desejos. Confio cegamente em Ti, qualquer que seja a escuridão, quaisquer que sejam meus temores. Conduz-me para fazer todas as coisas no Teu próprio tempo e do Teu próprio modo.

Habitamos na vontade de Deus como em um santuário. A vontade de Deus é a nuvem de obscuridade que cerca a Sua presença imediata. É o mistério em que a Sua vida divina e a nossa vida criada se tornam 'um só espírito', pois, como diz São Paulo, 'aqueles que estão unidos ao Senhor são um só espírito' (1 Cor 6,17). Ela é a chama viva do próprio Espírito de Deus, no qual a chama da nossa alma pode mover-se, à vontade, como um anjo misterioso. É um poder criador, a trabalhar por toda a parte, a dar vida, ser e direção a todas as coisas e, sobretudo, a formar e a criar, no meio de uma velha criação, um mundo todo novo que se chama reino de Deus. Em todos os Seus atos, Deus ordena todas as coisas, sejam boas ou más, para o bem daqueles que O conhecem e procuram e se esforçam por curvar a sua liberdade em obediência à intenção divina."

A vida espiritual não é mera negação da matéria. Quando o Novo Testamento fala da "carne" como nossa inimiga, ele toma a carne num sentido especial. Quando Cristo dizia: "A carne não serve de nada" (Jo 6,63), Ele referia-se à carne sem o espírito, carne vivendo para os seus próprios fins, não só nas coisas sensuais, mas até nas espirituais. ​Uma coisa é viver na carne e, totalmente outra, viver segundo a carne. No segundo caso, adquire-se essa "prudência da carne que se opõe a Deus", porque faz da carne um fim em si mesma. Mas, quando estivermos na terra, a nossa vocação exige que vivamos espiritualmente embora ainda "na carne".

Dá-me a humildade - somente nela se encontra o repouso - e liberta-me do orgulho, o mais pesados dos fardos. (...) Nisso consiste, portanto, buscar a Deus com perfeição: afastar-se da ilusão e do prazer, das ansiedades e desejos mundanos, dos trabalhos que Deus não quer, da glória que é apenas exibicionismo humano; manter minha mente livre de confusão para que minha liberdade esteja sempre à disposição de sua vontade; manter silêncio no coração para ouvir a voz de Deus; cultivar a liberdade intelectual em relação às imagens de coisas criadas para receber o contato secreto de Deus em obscuro amor; amar todas as pessoas como a mim mesmo; repousar na humildade e encontrar paz afastando-me de todo conflito e concorrência com os outros...

O recolhimento é uma transposição de foco, que harmoniza toda nossa alma com o que está além e acima de nós. É uma 'conversão', uma 'volta' do nosso ser às coisas espirituais e a Deus. Como são simples as coisas espirituais, o recolhimento é também uma simplificação do nosso estado de espírito e da nossa atividade espiritual. Tal simplificação nos confere aquela paz e visão das coisas que Jesus proclama ao dizer: 'Se o teu olho é simples, todo o teu corpo será luminoso' (Mt 6,22).

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