O DEVER DE AGIR COM ALTRUÍSMO
Cada Um é Livre Para Decidir
Como e Quando Pode Fazer o Bem
Os deveres de beneficência não podem ser outros que os que temos para conosco, a saber: amar e estimar os outros como a nós e, em consequência, socorrer, ajudar, cooperar para que sejam virtuosos e felizes.
Tudo
quanto pode injustamente contristar ou molestar os outros, é contra o
amor que lhes devemos. Será injustamente quando a necessidade ou
utilidade não puser em colisão os direitos do inocente com os daquele a
quem se pretende molestar ou contristar [1], ou se não o fizermos em benefício do mesmo a quem parece ofendermos.
O
benefício é a ação feita no desígnio de fazer bem a outro, sem
pretender por isso retribuição. Esta é a ideia que formamos do
benefício: é necessário que seja efeito de amor, por isso pronto e
acompanhado de afabilidade para nos obrigar.
Toda omissão, seja ao não embaraçar o mal ou ao não socorrer [2], como e quando a caridade obriga, é uma violação da ordem que ligou o gênero humano por propensões que deu a cada indivíduo.
Sendo o homem destinado para a sociedade, quando deverá ele fazer sacrifício e por quem?
Sacrificar-se
por um só, por outro homem, é um sacrifício que atrai a admiração; mas
sacrificar-se por muitos é o destino do homem criado para conservar sua
espécie; porém, quais serão estes sentimentos que merecem o sacrifício
de um só? É o gênero humano, é a sociedade civil, é, enfim, o pequeno
círculo onde se achar um chefe e súditos, e então cada indivíduo é
obrigado a concorrer para a salvação do todo, porque este é o fim de
semelhantes associações.
Muitas
vezes o homem será obrigado a sacrificar-se por outro homem, quando
seus talentos, seu emprego ou alguma outra circunstância façam sua
pessoa importante e considerável ao bem da sociedade.
Todas
as vezes, pois, que o sacrifício da vida de um homem é necessário para a
salvação de muitos, que concorrem para o bem ser da sociedade, é uma
obrigação o sacrifício; porém dos bens, do conforto [3], etc., [o sacrifício]
deve ser feito em benefício de qualquer contanto que seja maior o mal
que se pretende evitar, não resultando de semelhante benefício prejuízo
igual a terceiro inocente.
Do
que temos dito se conclui que o direito de segurança, defesa e reparo
deve ser julgado pela beneficência que manda sofrermos pelos outros; e
pelo direito que tem a sociedade sobre todos. Pelo qual direito eu não
posso privá-lo de um indivíduo que lhe pode servir para conservar seus
bens ou outra qualquer coisa de que a mesma sociedade se dispensa [4]
com menos incômodo, excetuando o caso em que o ofensor, se julga, se
tornará cada vez mais ousado pelo sofrimento de um inocente.
Tendo todo homem direito à beneficência de outro, não o tem, contudo, de forçá-lo [5] a que lhe faça bem.
Cada um é livre para reconhecer suas circunstâncias e só ele sabe, completamente, como e quando pode fazer o bem. [6]
Contudo,
quando os casos são extremos, em que não se pode esperar pela decisão
ou beneficência alheia, sendo evidente e irremediável o mal, cada homem
tem o direito de se utilizar dos bens da sociedade que são os bens das
partes.
Por bem da ordem deve sofrer-se o mal; mas a mesma ordem não quer que o homem pereça pela desumanidade de seu semelhante.
Todas as vezes, porém, que tácita ou expressamente alguém se obriga a fazer o bem por este contrato, pode ser forçado [7] a fazer o bem que convencionou.
Se
não podemos nos servir dos bens alheios além dos casos extremos e
irreparáveis, sem dúvida nos grandes males, cujo remédio não admite
demora, podemos, ainda contra a vontade do dono, nos utilizar
momentaneamente do que for necessário para prevenir os referidos males,
sendo estes maiores do que aqueles que vai experimentar o dono, e
indenizando o mais pronto possível e satisfazendo a todos os prejuízos
resultados desta ação.
Este
ato é recomendado pela humanidade; nem ataca a propriedade, por ser
momentâneo somente o uso dela; e a resistência da parte do proprietário é
injusta a todos os respeitos e, por isso, inatendível, para deixar de
ser forçada. [8]
NOTAS:
[1] Isto é, se nossa ação não estiver defendendo o que é correto e inocente.
[2]
Atualizamos ligeiramente a construção da frase para que seja
compreensível. No original temos: “seja em embaraçar o mal ou em não
socorrer…”.
[3] No original, “do cômodo”.
[4] Se dispensa: obtém.
[5] No original, “violentá-lo”.
[6]
Este é um axioma central em filosofia esotérica ou teosofia. Cada ser
humano deve seguir a voz da sua consciência íntima, sendo, portanto,
autorresponsável e não um seguidor cego de autoridade externa.
[7]
No original, “violentado”. A frase significa que, sempre que se tem ou
se assume perante a lei o compromisso de fazer o bem, o compromisso deve
ser cumprido.
[8] No original, “violentada”.
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