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quinta-feira, 29 de outubro de 2020

ALGUMAS TÉCNICAS PARA FAVORECER 
A COMUNHÃO COM DEUS

Última Parte  -  Criação de um ambiente ético-espiritual

Qualquer agricultor sabe que a melhor das sementes não brota se não tiver ambiente propício. Colocada sobre a mesa, a mais vigorosa das sementes continua inerte; mas, quando colocada no fundo da terra, com suficiente umidade e exposta ao calor solar, não tardará a brotar. Solo e sol são os requisitos indispensáveis para que a vida potencial da semente possa transformar-se na vida atual da planta. Umidade sem calor faz apodrecer, calor sem umidade faz ressecar a semente. Mas a síntese dos dois fatores cria ambiente favorável para a germinação.
 
O mesmo acontece no campo da “agricultura” espiritual. Nenhum homem chega a ter verdadeira experiência de Deus sem a criação de um ambiente favorável. As técnicas, por mais perfeitas, não surtem resultado, se Ihes faltar a atmosfera ético-espiritual. As técnicas rituais, mentais ou materiais, são como o lubrificante do motor; mas nenhum motor trabalha só com lubrificantes, sem combustível; o lubrificante serve para amaciar os movimentos e reduzir o desgaste, mas não pode substituir o combustível.
 
No Sermão da Montanha encontramos um método completo para criar um ambiente ético-espiritual.
 
A filosofia espiritual do Oriente reduziu a poucos itens os requisitos principais para a criação dessa atmosfera propícia à iniciação espiritual. Passaremos a expor, com ligeiros comentários elucidativos e algumas modificações, esses itens. 
 
 
1. “Antes que os teus olhos possam ver as glórias divinas, devem eles ser incapazes de chorar”.
 
Por que chora ou se entristece o homem profano?
 
Porque perdeu certa quantidade de matéria-morta; porque seu ego físico sofre dores; porque seu ego mental foi humilhado; porque seu ego emocional foi ofendido; porque ele foi preterido, tratado com ingratidão; porque ninguém lhe aplaudiu os trabalhos; porque alguém o vaiou ou zombou dele; porque, em vez de sucesso, lhe veio insucesso – por todas essas razões o homem profano chora e se lamenta e se sente frustrado.
 
Nesse ambiente de egoísmo, ambição, cobiça e orgulho não germina a semente divina, o “tesouro oculto do reino de Deus”, que está nele, mas não pode brotar. Para que o homem possa ver as glórias divinas dentro de si mesmo e levá-las à plena magnificência de flores e frutos, deve ele aprender a não chorar por nenhum desses ídolos pueris do seu velho ego.
 
 
2. “Antes que os teus ouvidos possam ouvir as sinfonias do mundo superior, devem eles ter perdido toda a sensibilidade”.
 
O homem profano gosta de ouvir louvores, elogios, aplausos, reconhecimento; e detesta ouvir qualquer censura ou repreensão. Acredita piamente na verdade de todos os elogios dos amigos – mas acha que são pura mentira e malquerença todos os vitupérios de seus inimigos, e planeja vingança contra eles. É essa a voz do velho ego, que torna o homem surdo às melodias da verdade. Só depois de se tornar surdo e insensível a louvores falazes, sem se sentir frustrado com censuras, é que ele começa a escutar a voz divina da sua consciência, e sabe que não é melhor porque o louvam nem é pior porque o censuram, mas é de fato o que é aos olhos de Deus e da sua consciência honesta.
 
 
3. “Antes que o homem possa falar na presença dos Mestres, deve ele ter perdido a possibilidade de ferir”.
 
O homem profano está sempre disposto a ferir, não apenas fisicamente, matando seres vivos para sua satisfação pessoal, mas é também um canibal no plano ético, ferindo reputações alheias com o veneno das suas maledicências, denegrindo outros para que ele mesmo possa brilhar.
 
Toda maledicência é atestado de raquitismo espiritual.
 
Toda maledicência é prova de fraqueza moral.
 
Quem possui dentro da sua consciência o testemunho da luz da verdade e do amor não necessita de apagar luzes alheias para fazer brilhar a sua luz. Só o vaga-lume necessita das trevas para luzir, porque muito fraca é a sua luz.
 
Difícil é suportar derrotas próprias – mais difícil ainda é, para o homem profano, suportar vitórias alheias.
 
Para que o homem possa falar na assembleia dos grandes Mestres espirituais, deve ele mesmo ser mestre em benevolência e beneficência, amparando o que Deus ampara, amando o que Deus ama, ele, “que não quebra a cana fendida, nem apaga a mecha ainda fumegante”.
 
 
4. “Antes que o homem possa receber os tesouros dos céus, deve ele estar disposto a perder todos os tesouros da terra”.
 
O apego interno aos bens materiais é, talvez, o maior obstáculo no caminho da iluminação interior. O pequeno “eu” é tão fraco que se cerca de muitos “meus”; é tão inseguro que ergue vastas trincheiras de “seguros de vida”, para se sentir menos inseguro.
 
“Se alguém não renunciar a tudo que tem, não pode ser meu discípulo.”
 
O “ter” é o maior inimigo do “ser”.
 
Quem tem algo dificilmente pode ser alguém.
 
É tão difícil para o rico adquirir sabedoria como para o sábio é difícil adquirir riquezas.
 
“É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus.”
 
O “ter” é do velho ego humano – o “ser” é do novo Eu divino.
 
A maior dificuldade não está, propriamente, no fato de alguém possuir bens externos; o que mais o escraviza é a atitude interna de escravização e apego a esses bens – e essa escravidão pode obsedar até aquele que pouco ou nada possui, mas vive, dia e noite, a cobiçar bens materiais, embora não os consiga possuir externamente.
 
Pode o homem ser escravo daquilo que não possui – e pode ser também livre daquilo que possui. A pior das escravidões é o incessante desejo de possuir, a idolatria dos bens materiais.
 
A “pobreza pelo espírito” é o desapego interior de qualquer bem material, quer possuído quer não-possuído.
 
Quem, em virtude da sua profissão, deve possuir externamente bens materiais deve aprender a possuí-los sem ser por eles possuído; deve ser um possuidor não possuído. Difícil é a arte de ser pobre – mais difícil ainda é a arte de ser rico. Muitos são pobres, muitos são ricos – poucos sabem ser pobres, pouquíssimos sabem ser ricos.
 
O possuidor não possuído se considera não um proprietário e dono dos seus bens materiais, mas um simples administrador temporário de uma parte do patrimônio de Deus em prol da humanidade.
 
 
5. “Antes que o homem possa elevar-se à altura dos Mestres, é preciso que lave os seus pés no sangue do seu coração”.
 
O sofrimento, quando compreendido e aceito, é o último fator de iniciação espiritual. Nenhum ritualismo sacramental, nenhuma espécie de magia mental, nenhuma erudição intelectual, nenhuma técnica de ioga ou ocultismo – nada é capaz de levar o homem para além da fronteira do seu velho ego profano e introduzi-lo no reino do seu novo Eu sagrado. Podem todos os Virgílios levar o homem através do Inferno e do Purgatório – mas só o sofrimento regenerador conhece os mistérios de Beatriz que levam o homem ao Paraíso. Quando o candidato à iniciação divina tiver feito tudo aquilo que devia fazer, falta-lhe ainda o último elemento decisivo, para que possa dar o passo final, cruzando o limiar do santuário – o sofrimento redentor.
 
Não falamos, precipuamente, de um sofrimento material, nem mesmo moral ou emocional – referimo-nos ao mais acerbo e poderoso de todos os sofrimentos, o sofrimento meta-físico. E esse consiste na dolorosa experiência de que todas as grandezas do nosso ego humano, por mais necessárias que talvez sejam, são insuficientes para nos redimir das nossas irredenções; depois de fazermos tudo o que devíamos fazer, temos de confessar: somos servos inúteis!... E, então, náufragos do ego, de quilha quebrada e mastros desarvorados, mortos para todas as nossas grandezas humanas, podemos ser salvos pelo misterioso poder da graça divina a ser lançados a alguma ilha ignota, onde possamos ressuscitar para uma vida nova. Essa experiência trágica, de que tudo que fazemos é necessário, e nada é suficiente, é o mais atroz sofrimento para o nosso orgulhoso ego luciférico.
 
Esse sofrimento metafísico, quando compreendido e aceito, dá ao nosso velho ego profano o golpe de misericórdia. Antes desse voluntário egocídio, é inútil esperar a ressurreição do Eu divino em nós.
 
Nenhum viandante rumo às alturas atingirá o Everest da verdadeira experiência divina sem que seus pés sejam lavados no sangue do seu coração. O ingresso no reino de Deus supõe e exige uma dolorosa operação cirúrgica, sem anestesia. Não há parto espiritual sem dor. Quem não quiser passar por essa hemorragia interior não entrará no reino dos céus.
 
“Se o grão de trigo não morrer, ficará estéril, mas, se morrer, produzirá muito fruto.”
 
“Eu morro todos os dias, e é por isso mesmo que eu vivo, mas já não sou eu que vivo – o Cristo vive em mim.”
 
Todos os mestres espirituais são unânimes em exigir a morte do ego humano para que nascer possa o Eu divino.
 
Entretanto, essa “morte do ego” é, na realidade, uma vitalizacão e uma integração do pequeno ego profano no grande Eu sagrado. Se o “grão de trigo” (o ego humano) morresse de fato, não daria planta (o Eu divino); o que morre não é a vida da semente, mas é a estreiteza do invólucro que encerra essa vida potencial. Não morre a vida, morre aquilo que impede a vida de se expandir. A vida potencial da semente se expande na vida atual da planta – o pequeno ego ilusório passa a ser o grande Eu verdadeiro. O erro de que o homem seja uma persona (máscara) separada do grande Todo Cósmico (Deus) é suplantado pela verdade de que o homem é um ser indivíduo, indiviso, não separado, da Vida Universal e que ele pode eternizar a sua vida individual, se a integrar na Vida Universal,
 
“Eu e o Pai somos um... O Pai está em mim... O Pai também está em vós”...
 
Uma vez criado esse ambiente ético-espiritual, pode o homem ingressar no santuário da Verdade e da Vida. Pode “conhecer a Verdade – e a Verdade o libertará”...
 
HUBERTO ROHDEN - Em comunhão com Deus - Colóquios com os homens - Solilóquios com Deus

UNIVERSALISMO

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