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quarta-feira, 28 de outubro de 2020

ALGUMAS TÉCNICAS PARA FAVORECER 
A COMUNHÃO COM DEUS


 
Parte II - Ambiente mental

Quando orares, retira-te para o teu cubículo, fecha a porta atrás de ti e ora a sós com teu Pai dos céus” – essa recomendação de Jesus não se refere, evidentemente, a um “cubículo” material, nem a um “fechar de portas” no sentido físico, tanto mais que ele mesmo costumava orar nas alturas dos montes e na solidão dos desertos, onde não havia cubículo nem portas reais. Refere-se o Mestre à retirada do homem para o interior do seu cubículo espiritual, sua alma, seu Eu divino. Para que o homem possa estar nesse cubículo a sós com Deus, é necessário que feche as portas que, habitualmente, o põem em contato com o mundo externo dos sentidos e da inteligência, ou melhor, as atividades decorrentes dessas faculdades: as sensações e os pensamentos. Por via de regra, as sensações físicas e os pensamentos intelectuais dominam a vida do homem comum. Em cada minuto o seu corpo e sua mente são invadidos de grande número de sensações e ideias várias numa ininterrupta sucessão, consciente ou semiconsciente, à guisa do tropel de transeuntes na praça pública de uma das nossas modernas metrópoles. Quem se põe à beira da Times Square de Nova York, ou da rua do Ouvidor do Rio de Janeiro, ou da Praça da Sé de São Paulo, poderá facilmente ver passar diversas centenas de pessoas em menos de um minuto. É bem assim o interior de um homem profano não disciplinado: sua alma é uma praça pública prostituída pelo desordenado tropel de todas as sensações e pensamentos imagináveis. Ele é apenas o cenário público desses hóspedes em incessante vaivém. Esse homem é antes o objeto e a vítima desse processo do que o sujeito e senhor dele, porque está inteiramente à mercê desses sentimentos do corpo e desses pensamentos do intelecto – e tanto pior é essa escravidão quanto menos ele se dá conta de que é vítima passiva ou semi passiva desses intrusos.
 
Quando então esse homem profano e profanado resolve pôr ordem em sua casa e fazer da praça pública de sua alma um canteiro de flores ou um santuário de Deus – verá o que acontece! Logo os sentidos e a mente erguem enorme protesto e universal clamor contra semelhante “inovação”; pois esses servos, habituados a dar ordens à alma e agir com absoluta independência e indisciplina, não querem compreender por que, subitamente, seja colocada à entrada da praça pública a ominosa legenda “trânsito impedido”.
 
Quer dizer que a alma, se quiser estar a sós com seu Deus e Senhor, tem de fechar a porta a esses servos insubmissos; deve mesmo trancar a porta de dentro e não atender a nenhuma reclamação da parte dos insubmissos.
 
Levará muito tempo até que os sentidos e o intelecto se habituem a esse novo regime de obediência e disciplina; como crianças travessas, farão enorme barulho do outro lado da porta – até que, aos poucos, muito aos poucos, talvez só depois de meses ou anos, os rebeldes resolvam entregar as armas, porque se cansaram da sua rebeldia infrutífera – se é que o Espírito dispõe da necessária energia para fazer valer a sua autoridade.
 
Dia virá, porém, em que os sentidos e a mente se submeterão plenamente à divina autonomia da alma - e nesse dia alvissareiro poderá a alma abrir a porta do santuário e convidar os "convertidos" a ajoelhar com ela ao pé do altar e tomar parte, em grande silêncio, no culto divino. E é só então que esse culto, presidido pela alma, se torna um culto completo e integral. Já não é apenas a alma que ora. é o homem total que está em íntima comunhão com Deus.
 
E então começará o homem a saber que Deus não somente cura a alma, mas também a mente e o corpo – que Jesus Cristo veio para salvar o homem total, e não apenas a alma humana.
 
Quando o homem medita, deve, ao menos no princípio, impor silêncio tanto às sensações do corpo como aos pensamentos do intelecto. Meditação não é leitura espiritual; não é estudo ou análise de textos sacros; meditar é focalizar a nossa consciência espiritual em Deus, pôr a alma bem dentro da luz divina e deixá-la imóvel no meio dessa irradiação, como uma planta colocada em plena luz solar, com as mãozinhas das verdes folhas erguidas ao céu, em silenciosa prece ao astro benéfico, que tudo opera na planta – vida, beleza, alegria –, contanto que esta seja devidamente receptiva e heliotrópica. De fato, a alma do orante é antes objeto que sujeito, pois não é ela propriamente que faz aquilo que está acontecendo, é Deus que o faz nela, para ela; basta que a alma do orante seja receptiva para as maravilhas divinas que nela são produzidas durante essa intensa e silenciosa diatermia celeste, essa gloriosa “passividade dinâmica” que é a oração...
 
O gênio, quando está sendo “inspirado”, é vastamente receptivo, e quanto maior for a sua receptividade, tanto maior será a abundância de dons que vai receber. O homem espiritual pertence à raça dos gênios, e sua grandeza consiste essencialmente na finura e perfeição da sua receptividade espiritual. Deus não conhece acepção de pessoas nem favoritismo; está sempre ao redor e dentro de cada homem, sempre disposto a enriquecê-lo com a abundância dos seus dons; mas nem todos os homens oferecem ao impacto da graça divina o mesmo grau de receptividade, e por isso nem todos recebem medida igual de dons divinos.
 
Com efeito, nenhum homem pode fazer coisas grandes – mas grandes coisas podem ser feitas por intermédio do homem que dentro de si criar o ambiente propício para esses grandes feitos de Deus.
 
Nenhum homem pode achar a Deus – mas Deus pode achar o homem, contanto que o homem seja achável, isto é, prepare o caminho por onde Deus possa transitar até achar o homem. Quanto mais a alma se nutre de Deus, mais fome tem de Deus. Quanto mais luz absorve, mais heliotrópica (sedenta de luz) se vai tornando.
 
O misterioso teotropismo (sede de Deus) inato em cada alma, uma vez atualizado, aumenta a potência teotrópica da alma, numa progressão indefinida.
 
Quanto mais a alma saboreia a Deus, tanto mais veemente se torna nela o anseio de o saborear e possuir cada vez mais.
 
No terreno da manducação física, pode a fome converter-se em fastio – mas, nas regiões do mundo espiritual, a alma faminta de Deus, quanto mais goza e saboreia a Deus, maior fome sente de Deus. Mas essa fome é uma deliciosa tortura, sem a qual a alma experiente já não pode viver feliz, porquanto ela sabe que incomparavelmente mais desejável é o tormento dos que conhecem e amam a Deus do que todos os prazeres dos que o ignoram e desamam.
 
Quanto mais prolongada e, sobretudo, quanto mais intensa e profunda for essa divina diatermia, esse silêncio fecundo da oração, esse banho de luz que a alma toma durante a meditação – tanto mais forte, sadia e feliz sairá a alma desse ambiente divino para os trabalhos de cada dia. E todos esses trabalhos serão aureolados de um como que halo dessa luz divina, de maneira que o homem achará leves os trabalhos mais pesados, porque ele mesmo se tornou leve, etéreo, espiritual – e não há nada no mundo que o homem não possa suportar, contanto que seja capaz de suportar a si mesmo... A imensa maioria dos homens que condenam os outros homens e o mundo ignoram, ou procuram ignorar, que a verdadeira razão dessa intolerabilidade de tudo e de todos está dentro deles. A verdadeira meditação elimina essa intolerabilidade própria; o homem espiritual aprende a grande arte de se tolerar a si mesmo, e por isso acha toleráveis os outros homens e o mundo em derredor.

HUBERTO ROHDEN - Em comunhão com Deus - Colóquios com os homens - Solilóquios com Deus

UNIVERSALISMO

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