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quinta-feira, 7 de maio de 2020

O   J O I O   N O   M E I O   D O   T R I G O

 
 
(Mt 13, 24-30) 

Parábola do joio. Propôs-lhes ainda outra parábola: “O reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Mas, quando a gente dormia, veio seu inimigo e semeou joio no meio do trigo, e foi-se embora. Quando, pois, acresceu o trigo e começou a espigar, apareceu também o joio. Chegaram-se então os servos ao dono da casa e lhe perguntaram: Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? donde lhe vem, pois, o joio?
 
Foi o inimigo que fez isto – respondeu-lhes ele.
 
Perguntaram-lhe os servos: Queres que vamos e o colhamos?
 
Não – replicou ele –, para que, colhendo o joio, não arranqueis com ele também o trigo. Deixai crescer um e outro até à colheita; e no tempo da colheita direi aos ceifadores: Colhei primeiro o joio e atai-o em molhos para o queimar; o trigo, porém, recolhei-o no meu celeiro”.
 
Todo homem tem o direito a realizar-se 
até o fim do seu ciclo evolutivo

 
Como outras parábolas, é também esta flagrantemente paradoxal, se focalizarmos apenas o seu símbolo material. Imagine-se um fazendeiro que semeasse trigo, ou outra semente qualquer, em seu campo, e proibisse os trabalhadores de arrancarem o “mato”, as ervas daninhas que aparecessem no meio da plantação!
 
Mas, como o principal de uma parábola não é o símbolo material, e sim o simbolizado espiritual, a proibição de arrancar o joio do meio do trigo contém uma filosofia cósmica de grande profundeza e sublimidade.
 
O campo é o mundo da humanidade.
 
O trigo são os bons.
 
O joio são os maus.

Tanto estes como aqueles são o que são graças ao uso ou abuso do seu livre- arbítrio. Deus não fez nenhum homem moralmente bom nem mau; Deus dá a cada um a possibilidade de se fazer bom ou mau. Todo homem pode fazer-se melhor ou pior do que Deus o fez. O homem sai das mãos de Deus em estado neutro, apenas potencialmente bom e potencialmente mau. Um ser dotado de livre-arbítrio não pode ser creado atualmente bom nem atualmente mau, o que seria a negação do livre-arbítrio.
 
Esta neutralidade contém em si a semente, ou potencialidade, para uma creatividade boa ou má; a brotação, ou atualização, dessa dupla potencialidade corre por conta do homem. Onde há livre-arbítrio não há auto-inatismo compulsório.
 
No mundo infra-hominal não existe essa bipolaridade potencial; o mundo mineral, vegetal, animal, acha-se num permanente e imutável automatismo: nenhum ser infra-hominal pode tornar-se moralmente bom nem moralmente mau. O livre-arbítrio põe o homem numa bifurcação positiva-negativa; o livre- arbítrio é o maior privilégio do homem – e também o seu maior perigo. O livre- arbítrio entrega ao homem as chaves do céu e do inferno, da luz e das trevas, do ser-bom e do ser-mau.
 
Deus respeita incondicionalmente o livre-arbítrio do homem, tanto para o bem como para o mal. Deus não obriga ninguém a ser bom, e não impede ninguém de ser mau. Jesus não impossibilitou a Judas Iscariotes ser traidor e suicida – nem forçou Madalena a se converter.
 
Pelo livre-arbítrio possui o homem uma creatividade, positiva ou negativa. E é vontade de Deus que o homem desenvolva até o fim este seu poder creador; que tenha plena e permanente liberdade de evolução rumo às alturas, ou então rumo ao abismo.
 
Ora, se o próprio Deus não impede o homem em sua evolução positiva ou negativa nem extermina nenhum mau por ser mau, como poderia o homem fazer o que Deus não faz? Verdade é que o próprio homem livremente mau pode auto-exterminar-se, se não se tornar bom antes do termo final do seu ciclo evolutivo;mas esse extermínio não deve vir de fora dele.
 
Tamanha é a insipiência de certos homens que tentam arrancar o joio do meio do trigo para que morram todos os maus e sobrevivam tão-somente os bons – os bons matadores! Segundo essa filosofia, devia a terra ser habitáculo exclusivo dos bons matadores, livre e limpo dos maus matados.
 
Se é grande a boa vontade desses “bons”, nula é a sua sabedoria.
 
O Evangelho do Cristo, porém, é a apoteose da suprema sabedoria cósmica; quer um ser-bom por espontânea liberdade, e não um ser-bom por compulsória necessidade. O homem deve ser intrinsecamente bom em virtude de um querer próprio, e não apenas extrinsecamente bom por um querer alheio. O seu ser-bom deve ser o fruto de um voluntário querer, e não de um compulsório dever. O homem deve ter todas as possibilidades para ser mau – e, apesar disto, ser bom, livre, liberrimamente bom.
 
Mas, dirá alguém, neste caso o mau tem os mesmos direitos que o bom, e se há igualdade de direitos de parte a parte, que vantagem há em ser bom? Não equivale isto a matar todo estímulo para ser bom? Não é isto a morte de toda pedagogia e educação espiritual?
 
Esta falsa filosofia, através de séculos e milênios, tem tentado exterminar os maus e fazer sobreviver somente os bons; Cruzadas e Inquisições, guerras de religião, ódios sectários, violências de toda a espécie margeiam o caminho do nosso cristianismo de quase 2000 anos, isento da verdadeira sabedoria do Cristo.
 
Não é verdade que o destino dos bons e dos maus seja o mesmo, embora todos tenham os mesmos direitos de realizar livremente o seu destino.
 
O destino de uns e outros é diametralmente oposto: vida eterna – ou morte eterna; integração – ou desintegração; realização – ou desrealização. Os bons se auto-realizam – os maus se auto-desrealizam. Ninguém tem o direito de impedir que alguém se realize pelo bem – ou se desrealize pelo mal.
 
Mas, perguntará alguém, para que serve então a nossa pedagogia? Se eu não posso fazer o bem a ninguém, para que esse desperdício de esforços educativos e moralizadores?
 
Verdade é que ninguém pode obrigar alguém a ser bom – mas o educador pode facilitar a seu educando tornar-se bom. O educador não pode causar o ser-bom para seu educando – mas pode condicioná-lo a ser bom, pode mostrar-lhe o caminho, pode remover obstáculos que atravancam o caminho e assim facilitar a passagem a seu educando.
 
Mas nunca, em hipótese alguma, pode o educador, por melhor que seja, ter a certeza de que os seus esforços convertem o educando. Perante o livre-arbítrio alheio, nada é previsível; pode o melhor dos educadores ter zero resultado com o seu educando – assim como Jesus teve zero resultado com Judas.
 
Em face do livre-arbítrio alheio, tudo é possível, nada é impossível, nada é previsível. O livre-arbítrio não é uma cadeia de elos onde o elo precedente obrigue o elo subsequente a mover-se; o livre-arbítrio é um elo isolado e autônomo, independente de qualquer causador externo; não é alo-causado – é autocausante. A única coisa certa que o educador pode e deve fazer é auto- educar a sua própria substância a tal ponto que nenhuma circunstância alheia o tome vaidoso quando o resultado for positivo, nem o torne frustrado quando o resultado for negativo.

Se um educador, auto-educado, atingir essa libertação total de si mesmo, essa total desescravização de toda e qualquer vaidade complacente em face de sucessos externos, e essa total serenidade em face de insucessos externos – então é ele um poderoso fator para crear auras propícias que facilitem outros homens a serem bons. Um homem assim pleniliberto de qualquer tirania do ego, não derrotado pela vaidade do sucesso nem pela tristeza do insucesso – esse homem é um gigantesco acumulador de energia espiritual, quer o saiba quer não o saiba. E, como nenhuma energia se perde, e todas as energias se transformam, essas energias espirituais por ele acumuladas irradiam beneficamente e podem ser captadas por outros seres livres, conhecidos ou desconhecidos, próximos ou distantes, presentes ou futuros, no planeta terra ou em alguma longínqua galáxia cósmica – e então esse homem é um grande benfeitor da humanidade telúrica ou de outras humanidades. Esse homem atua por indução, como diríamos em física, atua por transferência de energias invisíveis.
 
Neste sentido dizia Mahatma Gandhi: “Quando um único homem atinge a plenitude do amor, neutraliza o ódio de muitos milhões”.
 
“O único modo de fazer bem aos outros é ser bom” (Ramana Maharishi).
 
A parábola não diz que Deus extermina o joio, os maus, mas estes se exterminam a si mesmos pela não integração na lei cósmica. Onde impera a onipotência do livre-arbítrio é possível tanto a integração do indivíduo no Universal como também a sua desintegração, que no Evangelho se chama “morte eterna”. É um dos mais funestos erros tradicionais da nossa teologia afirmar que a alma humana é imortal, quando ela é apenas imortalizável. Nenhuma creatura é imortal; imortal é somente o Creador; às creaturas ou são mortais ou imortalizáveis.
 
Os que ainda pensam em termos de um Deus pessoal, individual, não se conformarão com esta verdade. Mas o Evangelho do Cristo, como também as grandes filosofias da humanidade, sabem que Deus não é uma entidade individual; Deus é a lei cósmica universal. Os que voluntariamente se integram nessa lei se imortalizam – os que voluntariamente não se integram nela se desintegram, ou se auto-exterminam.

Huberto Rohden - Sabedoria Das Parábolas - Os ensinamentos de Jesus e a Mística das beatitudes
http://universalismoesoterico.blogspot.com
 

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