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sábado, 20 de outubro de 2018

DO INFINITO ATRAVÉS DE FINITOS


Para que o homem se possa libertar da escravidão em que vive habitualmente, deve ele conhecer a verdade sobre si mesmo, porque a verdade é libertadora. Deve ter plena clareza sobre os seguintes pontos cardeais da sua existência: Donde venho? Para onde vou? O que sou? Por que estou aqui? A solução cabal de um só desses quesitos dará resposta às outras perguntas, porque há uma coesão orgânica entre elas. Passaremos, por isto, a dar resposta à pergunta “Donde venho?”, para que saibamos para onde vamos, o que somos e porque estamos aqui na terra. Donde vem o homem, “esse desconhecido”? 
 
Até meados do século passado, quase toda a humanidade cristã do ocidente julgava ter plena certeza sobre esse “donde” do homem. Quase todos acreditavam piamente nas palavras do Gênesis e interpretavam infantilmente, ao pé da letra, essas palavras, sem suspeitarem do seu profundo simbolismo esotérico. O homem viera diretamente de Deus, ao passo que as outras creaturas tinham vindo de Deus apenas indiretamente. Para os crentes, o corpo humano fora formado pelas mãos de Deus sem passar por nenhum processo evolutivo; não fazia parte, como elo, da longa cadeia de organismos animais; possuía uma nobreza única, porque merecera a carinhosa atenção e solicitude de um Deus creador. Apareceu então o gênio iconoclasta de Charles Darwin, que, após meio século de estudos e pesquisas em diversos países do globo terráqueo, provou que também o corpo humano era resultado de um processo evolutivo multimilenar, iniciando a sua carreira ascensional com formas animais muito primitivas, passando pelos estágios inferiores de mamíferos, peixes, invertebrados, moluscos, vermes e até unicelulares. E antes de entrar na zona dos seres animais, não teria o nosso corpo passado também pelos reinos do mundo vegetal e mineral?...
   
Todos os achados geológicos e paleontológicos faziam crer que Darwin tinha razão. E, quando a biologia e a biogenética iniciaram a sua marcha triunfal, ficou provado que cada indivíduo humano, desde o momento da sua concepção no seio materno, até ao nascimento, percorre sumariamente, em nove meses, todos os estágios evolutivos que a raça humana percorreu em muitos milhares de anos, de séculos e milênios, desde a ameba unicelular até aos mamíferos superiores. Provou a ciência que existem no embrião humano rudimentos dessas etapas inferiores, de peixes, moluscos, vermes, etc. E lá se foi o conto poético de que o homem teria caído do céu, pronto e perfeito – e até mais perfeito do que hoje existe, após a sua “queda”!... A ciência, inexorável nos seus veredictos, fizera o homem filho da terra; não era nenhuma exceção da regra; não era nenhuma creação à margem do curso geral do processo evolutivo dos seres vivos... 
 
Séculos antes, já havia a vaidade humana recebido golpe doloroso, por parte da astronomia; Copérnico e Galileu haviam provado que o nosso planeta não é o centro do universo, nem sequer do nosso sistema solar, mas um simples planeta entre outros planetas, gravitando em torno do sol. Mas ainda se comprazia o homem em se considerar como o príncipe encantado deste planeta, como saído diretamente das mãos de um Creador onipotente e Pai carinhoso, que teria formado o homem à parte do resto da creação, e não simplesmente incluso como um número na longa série dos organismos. Mas, com as descobertas de Darwin, lá se foi também esse conto de fadas; o corpo humano não fora creado em sua forma atual, mas fluíra por inúmeros canais inferiores. De momento, a nossa humanidade planetária afaga ainda a complacente vaidade de ser pelo menos a única humanidade inteligente do universo – mas estamos em vésperas de sofrermos o mais rude de todos os golpes: cedo ou tarde teremos de admitir que não somos a única nem a melhor das humanidades do cosmos – possivelmente a pior e mais atrasada de todas... * * * Materialmente fluímos pelos mesmos canais por onde fluíram os outros seres do nosso planeta, como foi provado pela ciência. O que, todavia, a ciência não provou, nem jamais provará, é que as potencialidades supõem uma Potência, como os canais supõem uma Fonte; o homem veio da Potência Infinita e fluiu através de muitas potencialidades finitas.
 
Para concretizar esta verdade, sirvamo-nos do gráfico seguinte: Na base de toda esta árvore evolutiva – mineral – vegetal – animal – intelectual – espiritual – está o “∞” que significa “Infinito”, ou seja, a Realidade Universal, o Todo, a Causa-Prima. Deste Infinito causante partem todos os finitos causados, como que de um único ponto universal e indimensional, que marcamos com o sinal “0” (zero); quer dizer, esse zero dos “finitos” é a primeira manifestação do Todo do “Infinito”, a sua irradiação creadora. Mas, como o Universo é uma Hierarquia Cósmica, na qual nada se repete ou copia, na qual tudo é “um” em “diversos” (uni-verso), recebe cada “finito” uma determinada herança do “Infinito”, uma carga energética ou uma determinada voltagem de potencialidade evolutiva. No diagrama, demos 5 graus de potencialidade ao mundo mineral, 10 ao vegetal, 20 ao animal, 50 ao intelectual e 100 ao espiritual. Esses números são arbitrários, mas servem para concretizar o fato da diversidade da potencialidade evolutiva dos respectivos seres. O vegetal radica 5 graus no mineral, que lhe serve de veículo, canal ou condição, e radica totalmente no Infinito, que é sua causa.  O animal radica 10 graus no vegetal e 5 no mineral como em suas condições ou substratos inferiores, e radica totalmente em sua causa, que é o Infinito. O intelectual e o espiritual, por sua vez, radicam parcialmente no mundo animal, vegetal e mineral como em seus substratos condicionais, mas radicam totalmente na causa do Infinito, como todo o resto. 
 
As condições finitas são causas causadas (derivadas), mas só o Infinito é Causa não-causada (original). Das profundezas da Potência Infinita recebe cada ser o seu cabedal de potencialidades, que lhe facultam uma evolução até ao limite do seu patrimônio recebido da Fonte comum; esgotado esse cabedal de energias evolutivas, o indivíduo tem de parar fatalmente, como um relógio para infalivelmente depois de exaurir a última parcela de energia existente na mola retesada. Movimento supõe diferença de nível, ou “voltagem”; uma vez equilibrado o nível do ativo com o nível do passivo, cessa todo o movimento; há completa “quitação”, que significa “quietação” total. Ninguém pode mover uma turbina com as águas de um lago que estejam ao nível da turbina; mas pode produzir movimento com essa água, ou até com menos, se ela se achar em nível superior ao da turbina e de lá descer em forma de torrente vertical. 
 
É rigorosamente lógico e matematicamente claro admitir que todos os seres tenham vindo de uma Fonte ou Causa única, infinita, e que todos eles tenham fluído através de canais finitos; a duração e força desse fluxo depende da potencialidade ou voltagem que cada indivíduo recebeu da Potência e veiculou em seu curso evolutivo. * * * Ora, é inegável que, dentre todos os seres da natureza terrestre, o homem tenha recebido maior cabedal de energias evolutivas, porque, além das potências do mineral, vegetal e animal, recebeu também a potência do intelectual e do espiritual (racional), sendo que esta última se acha ainda em estado muito embrionário, na maior parte dos seres humanos. Mas o fato de ter o homem recebido esse cabedal intelectual e espiritual não o separa e isola do resto da natureza, porque também essas faculdades superiores são condicionadas e veiculadas pelos mesmos canais inferiores do mundo mineral, vegetal e animal. O corpo humano não representa uma creação autônoma, separada do resto da vasta cadeia evolutiva dos organismos; ele não é um novo início, mas uma continuação de algo anterior; é um dos muitos elos da cadeia orgânica, como a ciência provou irrefragavelmente. Entretanto, seria ilógico afirmar que o homem tenha vindo do animal, porque esse do indica a causa, que não é o animal, e sim o Infinito; o homem veio do Infinito, como todos os outros seres, através de canais finitos, animais, vegetais e minerais. 
 
A diferença essencial entre o homem e os outros seres terrestres está no fato de ele ter recebido, de início, maior potencialidade evolutiva; e essa potencialidade já existia, em estado latente, em todos os estágios inferiores do seu corpo; no estado mineral, vegetal e animal, era ele potencialmente o que hoje é atualmente. Uma semente é potencialmente a planta que dela vai nascer, embora não seja ainda atualmente essa planta. O estado potencial é real; de maneira que uma semente é realmente a planta que dela vai nascer. Advertimos o leitor que não confunda a potência com miniatura. A palmeira não existe em miniatura na semente que a vai produzir; a ave não existe em miniatura no germe do ovo fecundado. O mais poderoso microscópio não descobriria a planta na semente, nem a ave no ovo. A existência potencial é uma força ou virtude, e não uma maquette material que depois cresça, aumente e produza o organismo definitivo. No mineral, vegetal ou animal pré-históricos não existia nenhuma miniatura do homem atual, mas pre-existia a potência, força, virtude, para produzir esse homem. A verdadeira natureza, ou natura, de um ser é a coisa na (sci) tura, aquilo que vai nascer e já existe potencialmente. 
 
Convém não esquecer que todo esse processo multimilenar do corpo humano, através do mundo mineral, vegetal e animal, era orientado constantemente por uma potência que o impelia rumo à intelectualidade e à espiritualidade, que são os atributos especificamente humanos e representam a sua verdadeira natura ou natureza. Todo ser é realmente aquilo que é potencialmente; logo, o homem de hoje era realmente homem em épocas pré-históricas, e não se tornou homem. O ser implícita ou potencialmente humano se tornou um ser explícita ou atualmente humano. Ninguém se torna o que não é desde o princípio; ninguém se torna explicitamente o que não é implicitamente, porque a atualização não é outra coisa senão a potência em forma manifesta. Quando fazemos passar a corrente elétrica por um fio metálico volumoso não se revela a eletricidade como luz e calor; mas, quando fazemos passar a corrente pelo filamento delgado de uma lâmpada, teremos luz, porque a eletricidade, forçando a sua passagem através desse estreito veículo, obriga o filamento a se tornar luminoso. E, se passarmos a mesma corrente por um fio de ferro cromado, este se torna rubro e quente, porque o cromo lhe opõe resistência.
 
Naqueles estados pré-históricos, não possuíam a nossa inteligência e razão (alma) veículos idôneos para se manifestarem; hoje em dia, a alma inteligente creou esse veículo refinado, e, algum dia, também a alma racional (espiritual) creará o seu veículo adequado, mais refinado ainda, os nervos receptores do corpo. Por ora, os nossos nervos captam apenas as ondas longas dos sentidos e as ondas médias da inteligência; algum dia, com o sucessivo refinamento das antenas receptoras (nervos), captaremos também as ondas curtas irradiadas pela invisível emissora do mundo espiritual. De vez em quando aparece sobre a face da terra um ser humano com as antenas espirituais altamente sensíveis, como aconteceu com o profeta de Nazaré, captando mensagens divinas que aos outros passam despercebidas. Essa captação de ondas de alta potência leva o homem à completa e definitiva libertação, porque lhe revela a Verdade libertadora. * * * Há quem encontre desdouro no fato de ter o corpo humano fluído através de organismos do mundo infra-humano. Entretanto, convém que nos libertemos desse sentimentalismo doentio e perguntemos a nós mesmos se é indigno do homem ter o seu corpo passado por esses canais, se o próprio Infinito não julgou indigno da sua grandeza crear organismos animais, vegetais e formas minerais. Em última análise, tudo veio da Infinita Grandeza e fluiu através de canais creados por esse Infinito. 
 
Donde venho? Vim do Infinito, como todas as outras creaturas. Sou filho do Infinito. E, como todas as coisas voltam para donde vieram, também eu voltarei ao Infinito. Há, todavia, uma grande diferença entre o regresso dos seres infra-humanos e o do homem. Este, devido ao potencial da sua consciência e liberdade, pode voltar ao Infinito como “finito consciente”, ao passo que os seres inferiores só podem voltar ao Infinito como “finitos inconscientes”. Estes dissolvem a sua existência finita e submergem na Essência Infinita, desaparecendo no nirvana absoluto; aquele, o homem, consolida a sua existência finita integrando-se na Essência Infinita, estabelecendo o seu nirvana relativo. O finito humano, demandando o Infinito Divino, progride indefinidamente. O finito em demanda do Infinito nunca se torna Infinito, não se dilui no Infinito – mas progride indefinidamente; não se funde com a Luz Branca do Todo (Brahman, Divindade), nem se dissolve na inexistência – mas encontra a luz verde da existência plena, numa estrada evolutiva sempre aberta, porque a “vida eterna” não é um estado estático e sim um processo dinâmico. “A vida eterna é esta: que os homens te conheçam, Ó Pai, como o único Deus verdadeiro, e o Cristo, teu enviado” (Jesus, o Cristo). Vida eterna é eterno conhecer, um indefinido processo de intuição cognoscitiva.
 
 
Huberto rohden - A Grande Libertação
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