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sexta-feira, 12 de outubro de 2018

A TAREFA DO HOMEM
 É TORNAR-SE O TODO


A maioria das pessoas aqui reunida veio pelo fato de não estarem satisfeitas com as coisas que as cercam, descontentes consigo mesmas, com suas ideias e a sua vida; e de um descontentamento, do qual se afastaram, foram conduzidas a outro descontentamento; e assim, estágio por estágio, tornaram-se cada vez mais indiferentes. Ora, para mim, a indiferença de qualquer espécie que seja, em relação seja ao que for é o maior dos crimes, pois  a indiferença permite as acomodações e a partir do momento que haja indiferença, a qual não é a verdadeira tolerância, dá-se um amortecimento do pensamento e das emoções; não mais terá lugar a espera contenda, a luta violenta, o combate ativo. 
 
Enquanto não chegardes ao verdadeiro contentamento — e o contentamento verdadeiro mora somente onde houver absoluta serenidade da mente, absoluta certeza e segurança — deve haver descontentamento, deve haver eliminação contínua, contínuo questionar e dúvidas, de modo que pela vossa análise, chegareis cada vez mais a essa segurança do ser, a essa certeza em que não mais perguntareis se uma coisa qualquer é boa, se é segura, porque a todo o momento estareis atuando em virtude da espontaneidade do vosso próprio ser.

Indiferença é simplesmente negação, e desta não pode surgir sentimento ou ação forte. O descontentamento deveria levar a um forte sentimento, não à indiferença — ao forte sentimento que cria a ação dentro de vós, que produz a alteração de vosso ponto de vista — não acomodação, porém contínua eliminação, até que não mais sejais sub-humanos, porém sim, o Homem, completo, integralmente concentrado, desprendido e puramente acautelado.

Assim, alguns dentre vós aqui vieram por descontentamento, e pretendem examinar o que eu digo, criticar, analisar o que tenho estado a dizer durante estes últimos poucos dias. Ora, se olhardes em torno, haveis de verificar que a Natureza — a que é ainda instintiva, não autoconsciente — esconde a vida em si mesma. Posto que ela seja, potencialmente, a mesma no homem o mais civilizado e culto, é, no entanto, mais limitada do que no homem consciente de si mesmo, é mais instintiva. A função, o destino da Natureza é criar o indivíduo autoconsciente e a autoconsciência é criada pela limitação. Portanto, a tarefa do homem, a tarefa do indivíduo, é tornar-se o Todo, sem esse sentimento de limitação que nada mais é do que a autoconsciência. É contra esta limitação que ele tem de lutar, que combater, devendo tornar-se um anarquista contra a limitação que existe em si mesmo. Este é o verdadeiro anarquismo — não a destruição de algo de exterior — esta é a verdadeira revolução, pois que produz a criatividade do Ser.

À medida que vos tornardes cada vez mais autoconscientes, cada vez mais vos tornareis separatistas. Em vós existirá o objeto e o sujeito. Posto que saibais que no objeto — isto é, no todo — todas as coisas estão contidas, que toda a vida é, no entanto, dentro do indivíduo, nesta limitação da autoconsciência, o todo não está ainda realizado e daí, a tarefa do indivíduo, é tornar-se conscientemente esse todo, essa totalidade. É esta a tarefa da existência individual, a da perfeição inconsciente, instintiva, por meio da limitação da autoconsciência, da imperfeição, chegar à pura perfeição intuitiva. O indivíduo colhido pelo cativeiro da tristeza, que ainda luta contra esta limitação, achando-se ainda no está instintivo do sub-humano — tal indivíduo, para lutar contra esta limitação, tem que derrubar a parede que o separa desse ser puramente intuitivo.

Para mim, portanto, a autoconsciência é ainda sub-humana, enquanto que a liberdade de consciência, é chegar a ser o Homem Puro. Assim, pois, investiguemos o que é sub-humano, quais os instintos do sub-humano. A primeira das características do sub-humano é o medo. O medo cresce por intermédio do desejo de conforto, do bem-estar; e deste medo surge a hipocrisia, o desejo de acomodação, o seguir com a multidão, coisa que é, se bem examinardes, qualidade do sub-humano. Depois, do medo, vem o desejo de poder, o desejo de dominar a outrem, por meio das faculdades criativas, o que mais não é do que impor vosso próprio entendimento, o vosso próprio poder, a vossa própria percepção a outrem, de modo a dominá-lo e guia-lo. Assim, pois, do temor em todos os seus estágios provém o desejo de alcançar poder, domínio, para conforto.

Em seguida, em segundo lugar, há a paixão, a sensação, a satisfação, a antecipação, e o lamento. Em terceiro lugar, o ódio, no qual se acham implícitos gostos e desgostos, — gosto e desgosto para o uno e rejeição para o todo; exclusividade; o repelir os outros em virtude do afeto por um.

Depois, há a avareza, a cobiça pelas posses, o depender das posses para a felicidade, para o bem-estar. Das posses provem o ardor de guardar o que possuís e invejar aqueles que têm, e destas coisas vem o entorpecimento, a ira, a cólera.

Finalmente, existe a tendência a serdes muito pessoais em vossa visão, sempre encarando o mundo, as outras pessoas, a partir do ponto de vista de vós próprios; todos os atos, sentimentos e conduta brotam de desejos pessoais e ambições.

Todas estas coisas são apenas qualidades sub-humanas, instintos; e o homem, autoconsciente, que seja ainda sub-humano, por meio de sua experiência destas coisas pelo seu contender com elas, por meio da reação que elas provocam, cresce. Pelo amoldar o instinto e a razão, por meio da experiência, torna-se o homem puro; torna-se desprendido, liberto de todo o apego. Daí segue o comportamento, a excelência de conduta, o puro apercebimento sem limitação do “Ego”, essa pura percepção que é intuição. Então, estareis vivendo nisto a todo o instante e sendo isto a todo o instante.

Ora, o desapego, se for meramente a resultante da tristeza, da dor, torna-se indiferença, a qual é apenas negação; ao passo que o verdadeiro desapego é alegria, beatitude, pelo fato de haverdes terminado com as equações pessoais, com os pontos de vista pessoais. Um tal desapego é mente plácida, serenidade, e daí surge a excelência da conduta, sendo a conduta a ação, a ação espontânea do vosso ser, tratando a todos do mesmo modo, evidenciando a mesma qualidade de afeto para todos.
 
Este apercebimento é diligente, recolhido, concentrado, não a partir do ponto de vista do “Eu”, do ego, o qual é reação, porém do ponto de vista do conjunto; sem limitações, não impedido. Então, dá-se a percepção pura da intuição que é inteiramente impessoal, desprovida de apegos, de todo o medo — sem objeto, que chega a conhecer independentemente de objetos, ser, também, pois que a intuição não é mais que a experiência da vida — não esta vida individual, porém a vida de todas as coisas. Ela é a totalidade do ser, do qual todas as qualidades pessoais, as ambições pessoais, as pessoais aspirações foram desprendidas. Ela é. Esta é a mais alta realidade, o ser mais alto. É a própria vida, a qual é a verdade, a qual é a felicidade.
 
Quando perceberdes isto, coisa que só podereis efetuar quando estiverdes apercebidos de vossas limitações, plenamente cognoscentes da causa dessa limitação que é o desejo, isto vos propelirá a lutar para atingir esse ser ilimitado, a vos tornardes tão concentrados a todo o momento do dia, que sobrepujais, por meio do entendimento, as qualidades sub-humanas do medo, da avareza, da cobiça, da inveja, do desejo pelas posses, pelo poder, pelo bem estar pessoal e a pessoal resistência. Tornai-vos desapegados com grade alegria e felicidade; e por meio desse desapego nasce a excelência de conduta, do comportamento, e por intermédio deste, mais uma vez nasce o puro apercebimento, sem limitações. Então, sereis uno com a vida, a qual é infinito ser, e esta se evidenciará a si mesma na ação — não em discussões metafísicas e disputas, porém na ação referente à conduta de todos os dias. O estado de vosso ser não é senão o deleite, o perfume da existência. Este estado de ser é eterna felicidade, na qual existe tanto o positivo como o negativo, que é a consumação de toda a vida. Alguém que haja alcançado isto, é Homem; ter-se-á tornado um ser em quem instintos sub-humanos não mais existem.
 
 
Krishnamurti 
http://pensarcompulsivo.blogspot.com

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