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segunda-feira, 16 de julho de 2018

MOMENTOS 
COM ROBERTO OTSU


A frase "Quando a água cai num fosso, ela se acumula até encontrar a borda mais baixa" pode ser reinterpretada da seguinte forma: "Quando uma pessoa sábia (água) depara-se com uma situação de dificuldade (fosso), ela se interioriza (acumula-se) até que naturalmente encontra a saída mais fácil (borda mais baixa)".

Numa situação complicada em que não existe solução imediata, o sábio também se acumula, isto é, volta-se para dentro de si em busca de recursos interiores. Faz da adversidade uma oportunidade para ficar quieto, para meditar, ver como está conduzindo seus ideais, quais são seus valores mais importantes e qual é o sentido da sua existência. O sábio "acumula" seus conteúdos interiores e isso faz com que aumente o nível de sua consciência, do mesmo modo que o nível da água se eleva quando ela se acumula no fosso. Nesse processo de interiorizar-se, de elevar-se, a água e o sábio encontram a borda mais baixa, encontram a saída natural, o caminho que permite continuar o fluxo, a vida.

Temos a tendência a considerar que o caminho mais fácil é o caminho mais curto. Pode ser verdade em alguns casos, mas não é regra. O caminho mais fácil é o caminho mais fácil. Ponto. Não significa necessariamente o caminho mais curto. São o ego e a ansiedade que criam o desejo de que os caminhos mais fáceis sejam também os mais curtos. A água não tem ego nem pressa e o caminho que ela faz em direção ao mar é o do menor esforço e não o mais curto. Ás vezes, ao contrário da vontade do ego, acontece do caminho de menor esforço ser o caminho mais longo.

A água não pensa na distância a ser vencida, ela apenas flui por onde é possível. O terreno e seus acidentes são suas circunstâncias e a água não se queixa de nada. Ela "sabe" que por aquele caminho tudo é mais fácil e sem desgastes. Não é esforço nenhum para a água descer um terreno em declive e pelos caminhos abertos.

A água vai pelo caminho mais fácil. Quando vemos um filete de água no quintal ou o curso do rio numa paisagem, é fácil "entender" essa frase. Mas quantos de nós paramos para pensar sobre essa realidade antes de ter lido ou ouvido essas palavras?

Vivemos numa sociedade que aprendeu a valorizar coisas complexas, teorias impenetráveis, palavras rebuscadas, pensamentos mirabolantes, rococós mentais, retóricas exageradas e caminhos complicados. Aprendemos a supervalorizar o trabalho árduo, a insistência, a dificuldade, o sofrimento para conquistar as coisas. Achamos que só é bom aquilo que for sofrido. Isso é masoquismo: "Bate que eu gosto!"
 
Sem dúvida alguma, o esforço é uma qualidade importante. O problema é a sua supervalorização e a crença que somente as coisas conseguidas com muito esforço e sofrimento é que tem valor. Para os sábios orientais, qualquer coisa que exija esforço demais não é natural. Ou as coisas acontecem naturalmente, sem desgastes, ou a pessoa está atrás de alguma coisa que não corresponde às realidades do momento. Se existe esforço excessivo, a pessoa pode estar tomada pelo desejo e pela obstinação. E, muitas vezes, para conquistar o objeto de desejo, ele acaba tendo atitudes insensatas como ir pelo caminho de maior atrito e dificuldade.

Para os antigos povos orientais, especialmente para os taoistas, a Natureza era um grande mistério, algo inexplicável. Mas não se angustiavam por isso. Ainda hoje, para as pessoas contemplativas, o mistério é a própria resposta. Elas não criam teorias nem explicações complicadas, apenas aceitam que as verdades essenciais são inalcançáveis à mente humana. Entendem que o fato em si é mais importante do que os conceitos. A realidade vale por si só. Desde a antiguidade, os sábios taoistas afirmam a realidade, afirmam o mistério. Dizem que é para isso que o mistério existe: para ser mistério.



Roberto Otsu, em "A Sabedoria da Natureza" 
https://obudaemmim.blogspot.com

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