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quarta-feira, 11 de julho de 2018

É O AMOR 
QUE PENSAMOS SER AMOR ?


 
Pergunta: Podeis falar-nos um pouco mais sobre o que é o amor?
 
Krishnamurti: Isto supõe duas coisas, não? — A definição verbal, de acordo com o dicionário, a qual, evidentemente, não é o amor. Essa é a primeira coisa, que envolve todos os símbolos, palavras, ideias, concernentes ao amor. A outra coisa é que só se pode encontrar o amor por meio da negação; ele só pode ser descoberto pela negação. E, para descobrir, a mente deve primeiramente libertar-se da escravidão das palavras, ideias e símbolos. Isto é, para descobrir o amor, a mente precisa varrer tudo o que já sabe a respeito do amor. Não é necessário “varrer” tudo o que é conhecido para se poder descobrir “o desconhecido”? Não é necessário varrermos todas as nossas ideias, por mais que nos deleitem, todas as nossas tradições, por mais nobres que sejam, para descobrir o que é Deus, descobrir se existe Deus? Deus, aquela imensidão, deve ser incognoscível, não mensurável pela mente. Assim, precisamos cortar completamente o mecanismo de medição, de comparação, e o mecanismo de reconhecimento, para podermos descobrir.

Do mesmo modo, para saber, experimentar, sentir o que é o amor, a mente deve estar livre para descobri-lo; estar livre para sen­ti-lo, para “viver com ele”, sem a divisão entre observador e coisa observada. Precisa ultrapassar as limitações da palavra; perceber tudo o que a palavra sugere: amor pecaminoso e amor divino; amor nobre e amor ignóbil — todos os preceitos e sanções e tabus sociais com que temos cercado esta palavra. E isso representa empreendimento dificílimo, não? — amar um comunista, amar a morte. E o amor não é o oposto do ódio, porque todo oposto é parte do outro oposto. Amar, compreender a brutalidade que impera no mundo, a brutalidade dos ricos e dos poderosos; ver o sorriso no rosto do pobre por quem passais na estrada e participar da felicidade dessa pessoa — experimentai isso uma vez, para verdes o que sucede. Amar requer uma mente que esteja sempre a purificar-se das coisas que conhece, que experimentou, recolheu, acumulou, e às quais se apegou. Sendo assim, não há possibilidade de descrever esta palavra; só podemos senti-la em sua totalidade.

 
 
Pergunta: Por outras palavras, nesse momento o indivíduo é amor.

Kishnamurti: Infelizmente, acho que não, meu senhor, porque não há um momento reconhecível como “esse momento”. Não há “mecanismo” de reconhecerdes que sois amor. Já não sentistes raiva, já não odiastes alguém? Dizeis então “Eu sou isso” (a raiva, o ódio etc.)? Não há “um momento” reconhecível, há? Vós sois a coisa, completamente. Só então a mente é capaz de descobrir o que é verdadeiro, porquanto a mente livre pode seguir o fato. Para seguirdes o fato de que odiais, não necessitais de autoridade alguma; necessitais de uma mente livre de medo, livre de opiniões, e que não condena. Tudo isso exige muito trabalho. Para se “viver” com uma coisa bela ou com uma coisa feia, requer-se intensa energia. Já notastes que o aldeão, o montanhês que “vive” com uma majestosa montanha, nem sequer a vê, pois se acostumou com ela? Mas para “viver com uma coisa” e nunca se acostumar com ela, necessita-se de muita intensidade, daquela extraordinária energia. E essa energia se manifesta quando a mente é livre, quando não há medo, quando não há autoridade.


 
Pergunta: O processo de purificar a mente é mecanismo de pensamento?

Krishnamurti: O pensamento pode ser puro? Todo pensamento não é impuro? Porque o pensamento, nascendo da memória, já está contaminado. Por mais lógico, por mais racional que seja, está contaminado, é mecânico. Por conseguinte, não existe pensamento puro, ou pensamento “livre”. Ora, o percebimento desta verdade exige penetração de todo o mecanismo da memória, isto é, ver que a memória é mecânica, e se baseia em muitos dias passados. O pensamento nunca pode tornar a mente pura; e o percebimento deste fato é a purificação da mente. Por favor, não concordeis nem discordeis. Examinai, procurai, como quem procura dinheiro, posição, autoridade e poderio; daí nascerá uma mente maravilhosa, uma mente purificada, “inocente”, fresca, uma coisa nova e, portanto, num estado de criação, ou seja, em revolução.


 
Pergunta: No momento da percepção de o que é, podeis dizermos o que acontece?

Krishnamurti: Posso dar-vos uma descrição, mas de que servirá ela? Consideremos a questão. O fato é que amamos, que somos ciumentos, invejosos. E vós condenais o fato, dizendo “Não devo ser assim” ; portanto, há divisão. Ora, que é que cria a divisão? Primeiro que tudo, a palavra. A palavra “ciúme” é, em si, separativa, condenatória. A palavra é invenção da mente, cheia de conhecimentos acumulados através de séculos e, portanto, incapaz de considerar o fato sem a palavra. Mas, quando a mente considera o fato sem condenação, quer dizer, sem a palavra, então o sentimento não é o mesmo da descrição verbal, não é a palavra. Considerai a palavra “beleza”. Todos pareceis suspirar quando se pronuncia esta palavra! Para a maioria de nós, a beleza é coisa dos sentidos. Também descritiva: “Ele é um homem de agradável aparência” ou “Que edifício feio!”. Também comparação: “Isto é mais bonito do que aquilo”. Sempre a palavra é empregada para descrever algo que percebemos através dos sentidos, a coisa manifestada, o quadro, a árvore, o céu, a estrela, a pessoa.

Ora, há beleza sem a palavra, transcendente à palavra, aos sentidos? Se perguntais ao artista, ele responderá que, sem a expressão, a beleza é inexistente; mas é exato isto? Para se descobrir o que é a beleza, descobrir sua imensidade, sua totalidade, precisa-se de aguçar os sentidos, ultrapassar as coisas que rotulamos como “beleza” e “fealdade”. Não sei se me estais seguindo. De modo idêntico, para se seguir um fato como o ciúme, requer-se uma mente que lhe dê toda a atenção. Quando vemos o fato, no próprio percebimento dele, no próprio instante de vê-lo, o ciúme desapareceu, foi-se completamente. Mas nós não desejamos o desaparecimento total do ciúme. Fomos educados para gostar dele, para “viver com ele”, e pensamos que, se não há ciúme, não existe amor.

Assim, o seguir um fato requer atenção, vigilância. E, depois, que sucede? O que sucede ao estardes verdadeiramente vigilante imposta mais que o resultado final. Entendeis? A própria vigilância é mais significativa do que o estar livre do fato.


 
Pergunta: Pode haver pensamento sem a memória?

Krishnamurti: Por outras palavras: existe pensamento sem a palavra? Isto é muito interessante, se o examinamos. Este orador está-se servindo do pensamento? O pensamento, como palavra, é necessário para a comunicação, não? O orador tem de servir-se de palavras — palavras inglesas — para comunicar-se convosco, que entendeis o inglês. E as palavras, evidentemente, promanam da memória. Mas, qual é a fonte, o que existe atrás da palavra? Vou expressar-me de outra maneira.

Ali está um tambor; ele emite um certo som. Quando a pele está bem esticada, na tensão correta, vós o bateis e ele emite o tom correto, que podeis reconhecer. O tambor, que é vazio e foi posto na tensão correta, é como vossa mente pode ser. Quando há atenção correta e se faz a pergunta correta, então ela dá a resposta correta. A resposta pode ser em termos verbais — reconhecíveis; mas o que provém daquele vazio, isto, por certo, é criação. A coisa criada por meio do conhecimento é mecânica; porém, a coisa que provém do vazio do desconhecido, esta é o “estado de criação”.


 
Krishnamurti, O Passo Decisivo
http://pensarcompulsivo.blogspot.com

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