SOBRE O MEIO DE VIDA CORRETO
Senhores, que significa "meio de vida" ? É ganhar o
suficiente para as nossas necessidades, que são alimento, roupa e
morada, não é verdade? A dificuldade relativa ao meio de vida só surge
quando nos servimos das coisas essenciais à vida — alimento roupa e
morada — como meios de agressão psicológica. Isto é, quando me sirvo das
necessidades, das coisas indispensáveis, como meios de engrandecimento
pessoal, surge então problema relativo ao meio de vida; e a nossa
sociedade está essencialmente baseada, não no suprimento das coisas
essenciais, mas no engrandecimento psicológico, no uso das coisas
essenciais para expansão psicológica de nós mesmos. Senhores, tendes de
pensar nisso a fundo, por uns instantes. Sem dúvida o alimento, o
vestuário e o teto poderiam ser produzidos em abundância, pois para
tanto há suficientes recursos científicos; mas o clamor pela guerra é
maior, não apenas por parte dos mercadores de guerra, mas também por
parte de cada um de nós, cada um de nós é violento. Há suficientes
conhecimentos científicos para suprir todas as necessidades do homem;
isso já foi calculado, e tudo poderia ser produzido em tal escala, que
nenhum homem passaria necessidade. Mas porque não se realiza isso?
Porque ninguém se satisfaz apenas com alimento, roupa e morada; cada um
quer mais. E esse “mais” é o poder. Mas seria irracional ficarmos
satisfeitos apenas com as coisas necessárias à vida. Ficaremos
satisfeitos com as coisas necessárias, no seu sentido exato — que é
estar livre do desejo de poder — quando tivermos encontrado o
imperecível tesouro interior a que chamamos Deus, a verdade, ou como
quiserdes. Se puderdes encontrar essas riquezas imperecíveis dentro em
vós, vos sentireis satisfeito com poucas coisas, e essas poucas coisas
podem ser fornecidas.
Mas, somos por desventura levados pelos valores sensoriais. Os valores
dos sentidos se tornaram mais importantes do que os valores do real.
Afinal de contas, toda a nossa estrutura social, nossa civilização atual
está essencialmente baseada nos valores sensoriais. Os valores
sensoriais não são meros valores dos sentidos, mas valores do pensamento
porque o pensamento é também produto dos sentidos; e quando o mecanismo
do pensamento, que é intelecto, é cultivado, há então em nós um
predomínio do pensamento, que é também um valor sensorial. Assim,
enquanto vivermos em busca do valor sensorial — do tato, do paladar, do
olfato, da percepção, ou do pensamento — o exterior será sempre muito
mais importante do que o interior; e a simples rejeição do exterior não
nos dá acesso ao interior. Podeis repudiar o exterior e vos retirar para
uma floresta ou uma caverna, e lá pensar em Deus; mas essa própria
rejeição do exterior, esse próprio pensar em Deus, é ainda de natureza
sensorial, porque o pensamento está baseado nos sentidos, e todo o valor
baseado nos sentidos trás, infalivelmente, a confusão, — como está
acontecendo no mundo de hoje. O que é sensorial predomina, e enquanto a
estrutura social estiver edificada nessa base será sempre muito difícil a
escolha do meio de vida.
Qual é, então, o meio de vida correto? Esta pergunta só poderá ser
respondida quando houver completa revolução na atual estrutura social,
não uma revolução segundo a fórmula da direita ou a da esquerda, mas
completa revolução de valores não baseados nos sentidos. Agora, aqueles
que têm lazeres, como as pessoas mais idosas, aposentadas, que passaram
os anos de mocidade procurando Deus ou várias formas de distração, se
essas pessoas aplicassem realmente o seu tempo, as suas energias, em
descobrir a solução correta, poderiam agir como intermediários, como
instrumentos para a realização da revolução mundial. Mas isso não lhes
interessa. Interessa-lhes a segurança. Trabalharam tantos anos para
fazer jus às suas pensões que preferem passar confortavelmente o resto
da vida. Dispõem de tempo, mas são indiferentes; só lhes interessa uma
certa abstração chamada Deus e que nenhuma conexão apresenta com o real;
sua abstração, porém, não é Deus, é uma forma de fuga. E os que vivem
empenhados em incessantes atividades, esses estão no meio da torrente e
não dispõem de tempo para procurar as soluções dos vários problemas da
vida. Assim, aqueles que se interessam por essas coisas, pela realização
de uma transformação radical no mundo, resultante da compreensão de si
próprios, - só deles se pode esperar algo.
Senhores, é fácil reconhecer a profissão errada. Ser soldado, policial,
ou advogado, é obviamente uma profissão injusta — porque esses vivem do
conflito, da dissensão. E o grande negociante, o capitalista, vive da
exploração. O grande negociante pode ser um indivíduo, ou pode ser o
Estado; se o Estado se incumbe de grandes negócios, não cessa de
explorar a vós e a mim. E como a sociedade está baseada no exército, na
polícia, na lei, no grande negociante, isto é, no princípio da
dissensão, da exploração e da violência, como podemos sobreviver, vós e
eu, que desejamos exercer uma profissão decente, justa? Temos crescente
desemprego, exércitos cada vez maiores, forças policiais mais numerosas,
com seus serviços secretos, os grandes negócios se hipertrofiam,
formando vastas empresas que com o tempo passam às mãos do Estado, pois o
Estado se tornou uma grande, empresa, em certos países. Dada essa
situação de exploração, essa sociedade edificada sobre a dissensão, como
ireis encontrar um meio de vida correta? É quase impossível, não é
verdade? Ou tendes de retirar-vos a formar com uns poucos uma comunidade
autárquica, cooperativa, ou sucumbis essa máquina formidável. Mas, como
sabeis, a maioria de nós não têm verdadeiro empenho em encontrar o meio
de vida, correto. Cada um está interessado em obter um emprego e nele
se manter, na esperança de promoções e de salários cada vez mais altos.
Porque o que desejamos é segurança, garantia, uma posição permanente, e
não a revolução, radical. Não são os que estão satisfeitos consigo
mesmos, os que estão contentes, mas só os aventureiros, que fazem
experiência com a própria vida, com a própria existência, que descobrem
as coisas reais, uma nova maneira de viver.
Assim, antes que possa haver um meio de vida correto, é necessário que
se reconheçam os meios de vida evidentemente falsos: o exército, a
advocacia, a polícia, as grandes empresas que aliciam as pessoas e as
exploram, em nome do Estado, do capital, ou da religião. Quando
percebeis o falso e o desarraigais, há transformação, há revolução, e
essa revolução pode criar uma nova sociedade. Procurar, como indivíduo,
um meio de vida justo, é bom, é excelente, mas não resolve o vasto
problema. O vasto problema só é resolvido quando vós e eu não estamos, à
procura de segurança. Não há coisa tal como a segurança. Que acontece
quando procurais a segurança? Que está acontecendo no mundo, no
presente? Toda a Europa quer segurança, clama por segurança, e que
sucede? Todos querem segurança por meio do seu nacionalismo. Afinal de
contas, vós sois nacionalistas porque desejais a segurança, e pensais
que por meio do nacionalismo a tereis. Já se têm provado repetidas vezes
que não se pode ter segurança por meio do nacionalismo, pois o
nacionalismo é um processo de isolamento, provocador de guerras,
sofrimentos e destruição. Assim o meio de vida justo, em vasta escala,
deve começar com aqueles que compreendem o que é falso. Quando batalhais
contra o falso estais criando o meio de vida justo. Quando batalhais
contra toda a estrutura da dissensão, da exploração por parte da
esquerda ou da direita, ou contra a autoridade da religião e dos
sacerdotes — essa é a profissão correta, no momento atual. Porque os que
assim procedem criarão uma nova sociedade, uma nova civilização. Mas,
para batalhar, precisais ver como toda a clareza e precisão o que é
falso, a fim de que o falso desapareça. Para descobrirdes o que é falso
cumpre percebê-lo lucidamente, observar todas as coisas que estais
fazendo, pensando e sentindo; e, como resultado disso, não apenas
descobrireis o que é falso, mas virá também uma nova vitalidade, uma
nova energia, e essa energia determinará que espécie de trabalho deveis
ou não deveis fazer.
Krishnamurti – Do livro: Novo Acesso a Vida
Fonte: pensarcompulsivo
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