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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A AÇÃO QUE TRANSFORMA


Primeira Parte

Quando vemos o caos e a desordem no mundo, não só exterior como interiormente, quando nos apercebemos de toda esta desgraça - a fome, a guerra, o ódio, a desumanidade - muitos de nós perguntam o que é que uma pessoa pode fazer. Como ser humano confrontado com toda esta confusão, o que é que cada um de nós pode fazer?

Quando pomos esta questão, vem-nos o sentimento de que devemos comprometer-nos com alguma espécie de ação política ou social, ou com uma busca e uma descoberta religiosas. A pessoa sente que deve comprometer-se e, por todo o mundo, esse desejo de comprometimento tornou-se muito importante. Muitos se tornam ativistas, outros afastam-se deste caos social e vão atrás de uma visão.

Penso que muito mais importante do que nos comprometer-nos é estarmos inteiramente implicados na estrutura total e na natureza da vida. Quando a pessoa se compromete, compromete-se apenas com uma parte e, portanto, é a parte que se torna importante, o que cria divisão. Mas quando se está completamente, totalmente, implicado em todo o problema do viver, a ação é inteiramente diferente. Ela é, então, não só interior, mas também exterior: está em relação com o problema da vida no seu todo. 
 
Estar implicado significa um completo relacionamento com os problemas, pensamentos e sentimentos da mente humana. E quando se está assim completamente implicado na vida, e não apenas empenhado numa das suas partes ou fragmentos, tem de se ver então o que cada um, como ser humano, pode realmente fazer. Estar implicado significa um completo relacionamento com os problemas,

Para a maior parte de nós, a ação deriva de uma ideologia. Primeiro temos uma ideia, um conceito, uma fórmula a respeito do que deveríamos fazer. Depois de termos formulado o que deveríamos fazer, atuamos a partir dessa ideologia. Assim, há sempre uma divisão, e daí um conflito entre a ação e o que se estabeleceu que ela "deveria ser". E, dado que a maior parte da vida das pessoas é uma série de conflitos, de lutas, não podemos deixar de perguntar a nós mesmos se será possível viver neste mundo em total relacionamento com ele e não em algum mosteiro isolado.

Isto traz consigo inevitavelmente uma outra questão: Que é o relacionamento? Por que é nisso que estamos implicados - no relacionamento entre os seres humanos - a vida toda é isso.

Se não existisse relação alguma, se vivêssemos em completo isolamento, a vida acabaria. A vida é um movimento de relação. Compreender essa relação e pôr termo ao conflito nela existente é todo o nosso problema: ver se o homem poderá viver em paz, não só dentro de si mesmo, mas também exteriormente. Porque então haverá retidão na conduta, e esta é para nós extremamente importante: conduta é ação.

Podereis perguntar: "Que pode um indivíduo, um ser humano, fazer em face a este problema imenso da vida, com a sua confusão, as guerras, o ódio, a angústia, o sofrimento?" Que é que ele pode fazer para provocar uma mudança, uma revolução radical, uma nova maneira de ver e de viver?

Penso que perguntar "que posso eu fazer que vá afetar esta confusão e desordem totais?" é uma pergunta errada. Se perguntarmos "que posso fazer em face desta desordem?", então já damos a resposta: "não posso fazer nada". Portanto, a questão está mal colocada. Mas se estivermos interessados, não no que poderemos fazer em face desta enorme desgraça, mas em como poderemos viver uma vida totalmente diferente, então veremos que a nossa relação com o homem, com toda a comunidade, com o mundo, sofre uma transformação. Porque afinal, vós e eu, como seres humanos, somos o mundo inteiro - não estou dizendo isto retoricamente, mas como uma realidade: eu e vós somos o mundo inteiro. Aquilo que uma pessoa pensa, o que sente, a angústia, o sofrimento, a ambição, o ciúme, a extrema confusão em que está, isso é o mundo.

Tem de haver uma transformação no mundo, uma revolução radical: não se pode viver como se está vivendo - uma vida "burguesa", superficial, uma existência falsa, dia após dia, indiferente ao que está acontecendo.

Se, como seres humanos, vós e eu pudermos transformar-nos totalmente, então o que quer que façamos será correto. Assim não criaremos conflito nem dentro de nós nem, por consequência, exteriormente. Este é pois o problema. É isto que o orador quer considerar convosco esta tarde. Porque, como dissemos, a maneira como levamos a nossa vida, o que fazemos na nossa existência diária - não em momentos de grande crise, mas na realidade de cada dia - é da maior importância. Relação é vida, e essa relação é um movimento constante, uma constante mudança.

Assim, o nosso problema é: Como é que eu, ou vós, poderemos mudar tão fundamentalmente que amanhã de manhã acordemos seres humanos diferentes, encarando e resolvendo de modo instantâneo qualquer problema que surja, em vez de continuarmos a carregá-lo como um fardo para que haja amor no nosso coração e sejamos capazes de ver a beleza dos montes e a luz que se reflete na água? É evidente que, para provocar esta transformação temos de compreender-nos a nós mesmos, porque sejamos nós o que formos, o autoconhecimento, não teórico, mas real, é extremamente importante.

Quando uma pessoa encara todos estes problemas fica profundamente tocada, mas não são as palavras que nos tocam, não é a descrição, porque a palavra não é a coisa, a descrição não é o que é descrito. Quando uma pessoa se observa tal como realmente é, ou fica desalentada porque se considera sem possibilidades, feia, desgraçada, ou então olha para si sem se julgar. Olhar para nós próprios sem qualquer juízo de valor é extremamente importante, porque é a única maneira de poder compreender-nos e conhecer-nos a nós mesmos. E nesse observar-se a si mesmo com objetividade - o que não é um processo egocêntrico ou de auto-isolamento, nem é pôr-se à parte de qualquer outro ser humano ou do resto da humanidade - a pessoa compreende como está terrivelmente condicionada: pelas pressões econômicas, pela cultura em que vive, pelo clima, por aquilo que come, pela propaganda das organizações chamadas "religiosas", comunistas etc. Esse condicionamento não é superficial, vai até muito fundo, e, desse modo, a pessoa interroga-se se alguma vez poderá libertar-se, porque se assim não for ficará escravizada, vivendo em conflito e luta incessantes - um modo de viver que as pessoas aceitam.

Espero que estejam ouvindo com atenção, não escutando apenas as palavras, mas usando-as como um espelho para observarem a si mesmos. A comunicação entre o orador e vós tornar-se-á então inteiramente diferente, estaremos assim tratando de fatos e não de suposições, de opiniões ou juízos de valor, e todos estaremos empenhados neste problema de saber como é que a mente poderá ser descondicionada, transformada, de maneira completa.

Como dissemos, esta compreensão de nós mesmos só é possível quando nos tornarmos atentos ao nosso relacionamento. Só no relacionamento a pessoa pode realmente observar-se; nele todas as reações, todos os condicionamentos se revelam. Na relação a pessoa apercebe-se do seu verdadeiro estado. E, ao observar-se, toma consciência desse imenso problema do medo.

Podemos aperceber-nos de que a mente está sempre em busca de certezas, de estar a salvo, de estar segura. A mente que está segura, que está a salvo, é uma mente "burguesa", sem qualidade. Todavia, todos desejamos estar completamente em segurança. Mas psicologicamente isso não existe. Vejam o que acontece: exteriormente - é muito interessante observá-lo - cada pessoa deseja estar a salvo, estar segura. Psicologicamente, porém, faz tudo para causar a sua própria destruição. Podemos constatá-lo observado que enquanto houver Estados com os seus governos soberanos, os seus exércitos e armadas etc., terá de haver guerras. Estamos psicologicamente condicionados para aceitar que somos uma nação, um grupo particular, pertencendo a uma determinada ideologia ou religião.
 
Não sei se já observaram o mal que as organizações religiosas têm trazido ao mundo, como elas têm dividido o homem. Tu és católico, eu sou protestante. Para nós, o rótulo é muito mais importante do que o verdadeiro estado de afeição, de amor, de bondade. As nacionalidades dividem-nos. Podemos observar esta divisão que nos condiciona e produz medo.
 
 
Jiddu Krishnamurti
 
 
 

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