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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A AÇÃO QUE TRANSFORMA


Segunda Parte

Vamos examinar a questão do que fazer em relação ao medo. Se não resolvermos esse medo, viveremos na escuridão, viveremos em violência. Uma pessoa que não tem medo não é agressiva, um ser humano que não tem nenhum sentimento de medo, de qualquer espécie, é verdadeiramente livre e pacífico.

Como seres humanos, precisamos resolver este problema, porque se não formos capazes de  fazê-lo, não nos será possível viver com retidão. A não ser que compreendamos o nosso comportamento, a não ser que haja uma conduta relacionada com a virtude - embora se possa não gostar dessa palavra - e, a não ser que se esteja totalmente livre do medo, a mente nunca será capaz de descobrir o que é a verdade, o que é realmente a felicidade, e se de fato existe um estado intemporal.

Quando há medo, a pessoa deseja evadir-se, mas essa evasão é completamente absurda e imatura. Temos portanto de encarar este problema do medo. Poderá a mente estar inteiramente livre dele, não só a nível consciente, mas também a níveis mais profundos, a nível do chamado inconsciente? É o que vamos examinar porque, sem compreender e resolver o problema do medo, a mente nunca poderá ser livre. E só em liberdade se pode explorar e descobrir. É pois essencial que a mente se liberte do medo. Vamos então aprofundar isto?

Antes de mais, lembrem-se, por favor, de que a descrição não é aquilo que é descrito, e não fiquem, portanto, presos na descrição, nas palavras. A palavra, a descrição é só um meio para comunicar. Mas se permanecermos agarrados à palavra, não se pode ir muito longe. Temos de perceber não apenas o sentido das palavras, mas também de compreender que a palavra não é realmente a coisa.

Que é então o medo? Espero que investiguemos juntos. Peço-lhes que não se limitem a ouvir, sem dar completa atenção; apliquem-se nisto, vivam-no inteiramente. Porque é o vosso medo, não o meu. Vamos fazer uma viagem juntos neste complexíssimo problema. Se a pessoa não o compreender e não se libertar do medo, o relacionamento não é possível: continuará a ser penoso, cheio de conflito e sofrimento.

Que é o medo? Tem-se medo do passado, do presente, ou de alguma coisa que possa acontecer amanhã. O medo envolve tempo. Tem-se medo da morte, que reside no futuro; ou de algo que aconteceu, ou da dor que se sentiu quando se esteve doente. Reparemos bem nisto. Medo implica tempo: receia-se, por exemplo, uma dor que já se teve e que pode acontecer outra vez. Receia-se algo que possa ter lugar amanhã, no futuro. Ou tem-se medo do presente. Tudo isto envolve tempo.

Psicologicamente falando, se não houvesse ontem, hoje e amanhã, não haveria medo. O medo é não só do tempo, mas é também produto do pensamento. Ou seja, ao pensarmos no que aconteceu ontem - e que foi doloroso - pensamos que isso poderá acontecer outra vez amanhã. É o pensamento que produz esse medo. O pensamento gera o medo: pensar na dor, pensar na morte, pensar nos fracassos ou nas realizações, no que poderá acontecer, no que deveria ser... etc. O pensamento produz medo e dá vitalidade à continuação do medo. E o pensamento, ao pensar no que ontem nos deu prazer, sustenta esse prazer, dá-lhe continuidade. Assim, o pensamento produz, sustenta, alimenta não só o medo, mas também o prazer. Observai bem isto, em vós mesmos, vede o que realmente se passa convosco.

Tivestes uma experiência agradável, aquilo que geralmente se chama uma experiência feliz, e pensais nela. Quereis repeti-la, quer se trate de uma experiência sexual ou de outra qualquer. Ao pensardes nisso que vos deu um momento agradável, desejais que esse prazer se repita, que ele continue. Assim, o pensamento é responsável não só pelo medo, como também pelo prazer. Pode-se ver a verdade disto, o fato real de que o pensamento sustenta o prazer e alimenta o medo. É ele que dá origem tanto ao prazer como ao medo; os dois não estão separados. Quando há procura de prazer, há necessariamente medo também; os dois tornam-se inevitáveis, porque ambos são produzidos pelo pensamento.

Reparai, por favor, que não estou persuadindo-vos de coisa alguma. Não estou fazendo propaganda. Nada disso. Porque fazer propaganda é mentir; se alguém estiver tentando convencer-vos de alguma coisa, não vos deixeis convencer. Aquilo de que estamos tratando é algo muito mais sério do que convencer ou apresentar opiniões e juízos de valor. Estamos tratando de realidade, de fatos. E os fatos - que se podem observar - não necessitam de opinião alguma. Não precisamos que nos digam o que o fato é, ele aí está, se formos capazes de o observar.

Vê-se pois que o pensamento sustenta e alimenta tanto o medo como o prazer. Queremos que o prazer continue, queremos tê-lo cada vez mais. O prazer máximo para o homem é saber se existe um estado permanente no céu, ou seja, Deus; Deus é para ele a mais alta forma de prazer. E, se se observar, toda a moralidade social - que é realmente imoral - está baseada no prazer e no medo, no prêmio e no castigo.

Quando se vê este fato real - não a descrição, não a palavra, mas a coisa descrita - a realidade de como o pensamento dá origem a tudo isto, então pergunta-se: "Será possível o pensamento terminar?" Parece uma pergunta disparatada, mas não é. Ontem vimos o pôr do Sol - os montes imensamente iluminados pelo sol da tarde - e foi uma maravilha, uma beleza que nos deu uma grande alegria. Poder-se-á apreciá-lo tão completamente que isso fique terminado, para que o pensamento o não transporte para amanhã? E poder-se-á encarar o medo, se o medo existir? Isso só é possível quando se compreende toda a estrutura e natureza do pensamento. E assim pergunta-se: "Que é pensar?"

Para a maior parte de nós, pensar tornou-se extraordinariamente importante. Nunca nos damos conta de que o pensamento é sempre velho. O pensamento nunca é novo, nem nunca pode ser livre. Falar em liberdade de pensamento é completamente sem sentido, a não ser que isso signifique podermos expressar o que queremos, dizer o que nos apetece; em si mesmo o pensamento nunca é livre, porque é a resposta da memória. Podemos observar isso por nós. O pensamento é a resposta da memória, da experiência, do conhecimento. O conhecimento, a experiência, a memória são sempre velhos e assim o pensamento é sempre velho; nunca pode, portanto, ver nada verdadeiramente novo.

Poderá a mente olhar para o problema do medo sem a interferência do pensamento? Compreendem?

Uma pessoa tem medo. Tem medo do que fez. Esteja pois completamente atenta a ele, sem a interferência do pensamento - e haverá medo então? Como dissemos, o medo é originado por meio do tempo; tempo é pensamento. Isto não é filosofia, nem é nenhuma experiência mística; observai-o simplesmente em vós próprios e vereis.

Percebe-se que o pensamento tem de funcionar objetivamente, com eficiência, de maneira lógica e sã. Quando se vai para o emprego, ou quando se faz seja o que for, o pensamento tem de operar, de outro modo não se pode fazer nada. Mas, no momento em que o pensamento dá origem ou sustenta o prazer e o medo, então deixa de ser eficiente. Então gera desajustamento na relação e causa conflito.

Assim, pergunta-se se poderá haver um findar do pensamento numa direção e, no entanto, com o pensamento funcionando na sua mais alta capacidade. Estamos empenhados em saber se o pensamento pode estar ausente quando, por exemplo, a mente vê o por do Sol em toda a sua beleza. Só então se vê essa beleza, e não quando a mente está cheia de pensamentos, de problemas, de violência. Ou seja, se o observarmos no momento de vermos o pôr do Sol, o pensamento está ausente. Olhamos aquela luz extraordinária sobre os montes, com grande encantamento, e, nesse momento, o pensamento não tem nisso lugar nenhum.

No instante seguinte, porém, o pensamento diz: "Que maravilhoso, que belo foi, quem me dera pintá-lo, escrever um poema sobre ele, gostaria de contar aos meus amigos esta coisa bonita." Ou ainda: "Gostaria de ver um pôr do Sol assim, outra vez, amanhã." E nessa altura, o pensamento começa a criar problemas. Porque então diz: "Amanhã hei de ter esse prazer outra vez"; e, quando isso não acontece, há dor. É muito simples, e é exatamente por causa da sua simplicidade que isso passa despercebido. Todos desejamos ser terrivelmente "inteligentes" - somos muito sofisticados, muito intelectuais, lemos muito... Mas toda a história psicológica da espécie humana - não quem foram os reis, ou que guerras houve, nem todo esse absurdo das nacionalidades - está dentro de cada um. Quando somos capazes de ler isso em nós mesmos, compreendemos. Então somos uma luz para nós próprios, então não há autoridade, então somos realmente livres.

A nossa pergunta portanto é: Poderá o pensamento deixar de interferir? É esta interferência que produz tempo. Compreendem? Reparemos na morte. Há grande beleza no que está envolvido na morte, e não é possível compreender essa beleza se houver qualquer forma de medo. Estamos apenas mostrando que receamos a morte por ela poder acontecer no futuro, sendo inevitável. Assim, o pensamento pensa nisso, e fecha-lhe a porta. Ou então pensa em algum medo que se teve - o sofrimento, a ansiedade - e que isso poderá repetir-se... Estamos prisioneiros do mal que o pensamento cria.

Contudo, podemos ver também a extraordinária importância do pensamento. Quando se vai para o emprego, por exemplo, ou quando se faz alguma coisa de caráter técnico, tem de se usar o pensamento e o conhecimento.

Percebendo todo este processo, desde o início desta conversa até agora - vendo tudo isto - pergunta-se: "Será o pensamento capaz de estar silencioso? Poder-se-á, por exemplo, ver a beleza do pôr do Sol e ficar completamente envolvido na beleza desse poente sem que o pensamento introduza aí a questão do prazer?" Reparem nisto, por favor. Se assim for, a conduta é cheia de retidão. Só quando o pensamento não cultiva o que acha que é virtude é que a conduta é de fato virtuosa, de contrário torna-se deformada e sem integridade. A virtude não é do tempo ou do pensamento; o que significa que ela não é produto do prazer ou do medo.

Assim, agora o problema é: Como é possível, por exemplo, olhar o pôr do Sol sem que o pensamento teça prazer ou dor à volta disso? Será possível olhá-lo com tal atenção, com um envolvimento nessa beleza de tal modo completo que, uma vez visto o pôr do Sol, isso fique terminado, para que o pensamento não o transporte, como prazer, para "amanhã"?

Estamos comunicando? Estamos realmente? (Participantes - Sim). Bem, sinto-me satisfeito, mas não sejam tão rápidos dizendo "sim". Porque se trata de um problema muito difícil. Observar, por exemplo, o pôr do Sol sem a interferência do pensamento exige uma disciplina tremenda; mas não a disciplina do conformismo, não a da repressão ou do controle. A palavra "disciplina" significa aprender - não conformar-se ou obedecer - aprender acerca de todo o processo de pensar e do lugar que lhe pertence.
 
A negação do pensamento necessita de grande observação. E, para observar, tem de haver liberdade. Nesta liberdade conhece-se o movimento do pensamento e há então aprendizagem ativa.
 
 
 
Jiddu Krishnamurti

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