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domingo, 22 de janeiro de 2017

ORAÇÃO TRÁGICA
 



Outrora, quando eu não sabia orar,
Mas apenas rezar,
Eram as minhas preces algo cheio de paz e suavidade.
Eram uma linda poesia espiritual 
Tecida entre minha alma e Deus,
Um idílio devocional e inofensivo...
Eu era amigo de Deus – e Deus era meu amigo.
Minhas preces eram como madrugadas primaveris,
Eram como saudosos ocasos outonais. 
Hoje, tudo mudou...
Hoje, as minhas orações são tempestades,
Terremotos,
Arrasadores incêndios...
Orar é, hoje, para mim uma sangrenta operação,
Uma violenta hemorragia interior,
Da qual não sei se sairei convalescente –
Ou agonizante...
Sinto-me literalmente “contrito”,
Triturado, como um grão de trigo entre duas mós...
Sinto-me moído entre um par de moendas cruéis... Deus do céu! Como é terrível orar!
Enfrentar a Luz integral da tua suprema Realidade!
Esses relâmpagos e trovões da Eternidade!
Como enfrentar a tua tremenda Realidade –
Quando não se está devidamente realizado...
Nunca sei, no fim dessa operação cirúrgica,
Se saio da mesa da operação para a vida –
Ou para morte...
Se convalescente –
Se agonizante...
Deus parece ser, então, meu pior inimigo...
Algures, nas profundezas da alma, é verdade,
Adivinho a sua carinhosa crueldade.
O seu crudelíssimo amor.
Mas, a crueldade é manifesta
E o carinho é latente...
Após esses meus encontros com Deus,
Não desejo ver ninguém,
Falar com ninguém...
Quero ficar a sós comigo,
Com minha alma em chaga viva...
Qualquer contato com o ambiente me é doloroso,
O silêncio e a solidão me são benéficos...
Quando estou assim, sofrido de Deus...
E sofrido de mim mesmo... 

* * *
 
Senhor, meu carinhoso inimigo,
Faze com que esta agonia de hoje
Seja a minha convalescença de amanhã...
Que esta morte que sofro seja o início
Da vida por que anseio...
Que o sanguinolento ocaso do meu velho ego
Seja a luminosa alvorada do meu nove Eu em ti...
Redime-me, Senhor, de mim mesmo!...
Purifica-me de todas as minhas impurezas...
Retifica-me de todas as minhas tortuosidades...
Simplifica-me de todas as minhas complicações...
Ilumina-me em todas as minhas escuridões...
Lava-me nas lágrimas dos meus olhos
E no sangue do meu coração...
Não te peço que me poupe sofrimentos,
Rogo-te apenas que as dores não sejam prelúdio de morte,
Mas prenúncio de vida e saúde...
Que a minha oração,
Entre o Getsêmane e o Gólgota,
Seja para mim o caminho da redenção...
Amém... 



Huberto Rohden, em A Voz do Silêncio

 

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