A AÇÃO QUE TRANSFORMA
Última Parte
Que entendemos nós por aprender? Quando se vai para a escola ou para a
universidade aprende-se muita informação, não de grande importância,
talvez, mas aprende-se. Isso se torna conhecimento, e é a partir desse
conhecimento que atuamos, quer no campo tecnológico, quer em todo o
campo da consciência. Sendo assim, temos de compreender profundamente o
que essa palavra "aprender" realmente significa.
A palavra "aprender" representa obviamente um presente ativo. Está-se
sempre aprendendo. Mas, quando esse aprender se torna um meio de
acumulação de conhecimentos, ele é uma coisa totalmente diferente.
Ou seja, aprendi da experiência anterior que o fogo queima. Isso é
conhecimento. "Aprendi-o", portanto não me aproximo do fogo. Cessei de
aprender. E a maior parte de nós, "tendo aprendido", atua a partir daí. A
informação que acumulamos acerca de nós próprios - ou dos outros -
torna-se conhecimento; então, esse conhecimento torna-se quase estático,
e é a partir disso que atuamos. Por consequência, essa ação é sempre
velha. Aprender é, pois, algo inteiramente diferente.
Se esta tarde se tem estado a ouvir com atenção, tem-se estado a
aprender a natureza do medo e do prazer; tem-se estado a aprender, e é
daí que se atua. Espero que compreendam a diferença. Aprender implica
uma ação constante. Está-se sempre aprendendo. E o próprio ato de
aprender é agir. O agir não está separado do aprender. Para a maior
parte de nós, porém, a ação está separada do conhecimento. Ou seja, há a
ideologia ou o ideal, e de acordo com esse ideal agimos, só aproximando
a ação desse ideal. E assim, portanto, a ação é sempre velha.
Aprender, tal como ver, é uma grande arte. Que acontece quando vemos um
flor? Será que a vemos realmente, ou vemo-la através da imagem que temos
dessa flor? São duas coisas inteiramente diferentes. Quando olhamos
para uma flor, para uma cor, sem a nomear, sem o gostar ou o não gostar,
sem nenhuma cortina entre nós e aquilo que se vê como flor, sem a
palavra, sem o pensamento, então a flor tem uma cor e uma beleza
extraordinárias. Mas quando se olha para a flor através de um
conhecimento botânico, quando se diz "isto é uma rosa", já se
condicionou o olhar.
Ver, assim como aprender, é de fato uma arte; mas não é preciso ir a
nenhuma escola para a aprender. Pode-se aprendê-la onde se está. Podemos
olhar uma flor, e descobrir como olhamos para ela, se somos sensíveis,
se estamos acordados, atentos, então vemos que o espaço entre nós e a
flor desaparece, e, quando esse espaço desaparece, vemos a flor de
maneira muito intensa e cheia de vitalidade. Do mesmo modo, quando nos
observamos a nós próprios sem esse espaço - e portanto sem ser como "o
observador" e "a coisa observada" - vemos então que não há contradição e
portanto não há conflito.
Quando se vê a estrutura do medo, vê-se também a estrutura e a natureza
do prazer. Ver é aprender sobre isso, e a mente portanto não fica
aprisionada na procura de prazer. A vida tem então um sentido
completamente diferente. Vive-se - mas não à procura de prazer.
Agora, esperem um pouco, antes de começarem a fazer perguntas. Gostaria
de lhes pôr uma questão: Que é que tiraram desta palestra? Não me
respondam, por favor. Reparem se ficaram com palavras, descrições, ideias, ou se captaram algo verdadeiro, inegável, indestrutível - porque
o vistes vós mesmos. Então, sois uma luz para vós próprios e, portanto,
não acendereis a vossa vela em qualquer outra luz; vós mesmos sois essa
luz. Se isso for um fato e não uma pretensão hipócrita, então terá
valido a pena uma reunião desta espécie. Querem agora fazer perguntas?
Como ontem dissemos, fazem-se perguntas para investigar, não para
mostrar que se é mais inteligente do que o outro. Uma pessoa que compara
não é inteligente - um homem inteligente nunca faz comparações.
Faz-se uma pergunta ou porque, pelo perguntar, a pessoa deseja
descobrir-se, revelar-se a si mesma, e desse modo aprender, ou então, às
vezes, para "atrapalhar" o conferente - o que não levamos a mal. Também
se põem questões para ter uma visão mais ampla, para abrir a porta.
Assim, a espécie e a qualidade da pergunta que ides fazer dependerá de
vós. Mas, por favor, isso não significa que o orador não quer que se
façam perguntas.
Pergunta: Que é que se há de fazer quando se repara no pôr do Sol e ao mesmo tempo o pensamento interfere?
Krishnamurti - Que é que se há de fazer? Vamos compreender o significado
da pergunta. Olha-se o pôr do Sol, o pensamento interfere e então se
diz "que é que se há de fazer?" Quem é que faz a pergunta? Não será o
pensamento que diz "que hei de fazer?" Compreende a questão? Vou pô-la
de outra maneira. Há um pôr do Sol com toda a sua beleza, a sua cor
extraordinária, há o sentir, o gostar disso; então, vem o pensamento e
digo para mim: "Cá está ele, que hei de fazer?" Escute isto com muita
atenção, aprofunde-o bem. Não será também o pensamento que diz "que hei
de fazer?" O "eu" que pergunta "que hei de fazer?" é resultado do
pensamento. Portanto, vendo o que está interferindo com aquela beleza, o
pensamento diz: "Que hei de fazer?"
Não faça nada! Se fizer alguma coisa, criará um conflito. Mas, quando
olhar o pôr do Sol e o pensamento interferir, repare nisso. Dê atenção
ao pôr do Sol e ao pensamento que se intromete. Não expulse o
pensamento. Aperceba-se de tudo isso, sem qualquer escolha: dê atenção
ao pôr do Sol e ao pensamento intrometendo-se. Se assim estiver atento,
sem qualquer desejo de reprimir o pensamento, de lutar contra a
interferência, se não fizer nenhuma destas coisas, descobrirá então que o
pensamento fica silencioso. Porque é o próprio pensamento que está
dizendo: "Que hei de fazer?" Essa é uma das artimanhas do pensamento.
Não caia na armadilha; observe toda a estrutura do que está acontecendo.
Pergunta: Estamos condicionados em relação ao modo como olhamos para o pôr do
Sol, estamos condicionados relativamente ao modo como escutamos o
conferente. Assim, é através do nosso condicionamento que olhamos para
tudo, que ouvimos todas as coisas. Como é que uma pessoa pode se
libertar desse condicionamento?
Krishnamurti: Quando é que se tem consciência desse condicionamento, de qualquer
condicionamento? Repare um pouco nisto, por favor. Quando é que temos
consciência de que estamos condicionados? Teremos consciência de que
estamos condicionados como Americanos, como Hindus, com católicos,
protestantes, comunistas, isto e aquilo? Apercebemo-nos realmente de que
temos esse condicionamento, ou apercebemo-nos dele porque alguém nos
disse? Se uma pessoa o percebe porque alguém lhe mostrou que está
condicionada, então isso é uma espécie de percebimento, mas se, sem que
lho digam, toma consciência de que está condicionada, então isso tem uma
qualidade diferente. Se lhe disserem que tem fome, é uma coisa; mas se
tiver realmente fome, é outra. Ora, a pessoa, terá de descobrir qual
delas é: se foi por lhe dizerem que está condicionada que o percebe; ou
se, por estar atenta, por estar implicada em todo este processo de
viver, por ter essa atenção, compreende por si, sem que alguém lho diga,
que está condicionada. Então isso ganha vitalidade, então se torna um
problema que tem de compreender muito profundamente. Vê que está
condicionada, mas não porque lho disseram. E é óbvio que a sua reação
será deitar fora esse condicionamento, se for inteligente. Ao
aperceber-se de um determinado condicionamento, a pessoa revolta-se
contra ele, como a geração presente se está revoltando - o que é
meramente uma reação. A revolta contra um condicionamento forma outra
espécie de condicionamento.
Toma-se consciência de que se está condicionado como Protestante,
Comunista, adepto do Partido Democrático ou Republicano etc. Que
acontece quando não há reação, mas apenas o percebimento do que esse
condicionamento realmente é? Que acontece quando se está consciente, sem
escolha, desse condicionamento que a pessoa descobre por si mesma? Não
há reação e assim está-se aprendendo sobre esse condicionamento, por que
é que ele surge. Dois mil anos de propaganda fazem que as pessoas
acreditem numa determinada forma de dogma religioso. Sabeis como a
Igreja, através dos séculos, por meio da tradição, da repetição, por
meio de várias festividades e rituais, tem condicionado as nossas
mentes. Há repetição, dia, após dia, mês após mês, desde a infância;
somos batizados e tudo o mais. E outras formas da mesma coisa têm lugar
noutros países - como na Índia, na China etc.
Quando se toma consciência disso, que acontece então? Vemos com que
rapidez a mente é influenciada. Quando jovem, flexível, inocente, é
condicionada como Comunista, Católica, Protestante etc. Por que é que a
mente é condicionada? Por que é que fica tão moldada pela propaganda?
Compreendem? Porque é que se é persuadido pela propaganda a comprar
certas coisas, a acreditar em certas coisas, por quê? Existe não só essa
constante pressão do exterior, mas também o desejo de pertencer a um
grupo, porque isso dá segurança. Deseja-se ser uma entidade tribal. E,
por detrás disso, há medo, medo de estar só, de ser posto à parte não só
psicologicamente, mas também de modo a poder não conseguir emprego;
tudo isso está implicado. E então pergunta-se se a mente poderá ficar
liberta do condicionamento.
Quando se vê o perigo do condicionamento como se vê o perigo de um
precipício ou de um animal feroz, então ele desaparece sem esforço
nenhum. Mas não vemos o perigo de se estar condicionado. Não vemos o
perigo do nacionalismo como ele separa os homens. Se víssemos o seu
perigo, intensamente, com grande vitalidade, abandoná-lo-íamos
instantaneamente.
O problema portanto é: Será possível tomar consciência do
condicionamento de maneira tão intensa que se veja a sua realidade? Não se gosta ou se gosta dele, mas o fato de que se está
condicionado e que, portanto, a mente está incapaz de liberdade. Porque
só a mente livre sabe o que é o amor.
Pergunta: É verdade que o passado devia ser consumido pelo fogo de um envolvimento total no presente?
Krishnamurti: E que é o presente? Sabemos o que ele é? Diz-se "vive-se no
presente", como muitos intelectuais defendem - porque para eles o futuro
é árido, sem sentido, e, portanto, dizem "viva no presente, tire dele o
máximo partido, esteja completamente com ele". Mas temos de saber o que
é o presente. Saberemos o que é o agora, o que é o presente? O presente
existirá? Não, por favor, não especulem sobre isso, observem-no.
Já alguma vez repararam no que é o agora? Seremos capazes de estar
atentos ao agora, de saber o que ele é? Ou só conhecemos o passado, o
passado que opera no presente, e que cria o futuro? Compreendem? Quando
se diz "vive no presente" tem de investigar o que é realmente esse
presente. Ele existirá?
Para se perceber se existe um verdadeiro presente, tem de se compreender
o passado. E quando se observa o que se é como ser humano, vê-se que se
é completamente resultado do passado. Nada há de novo em nós; somos em
segunda mão, somos o passado olhando para o presente, traduzindo o
presente. E esse presente é desafio, sofrimento, ansiedade, uma dúzia de
coisas resultantes do passado, e, ao olharmos para tudo isso, ficamos
muito assustados e pensamos no amanhã, no que nos dá prazer de novo -
somos tudo isso.
Compreender o agora é um imenso problema de meditação - isso é
meditação. Compreender plenamente o passado, ver onde reside a sua
importância e ver também a sua não importância total, perceber a
natureza do tempo - tudo isso faz parte da meditação. Talvez nos seja
possível aprofundar isso numa outra tarde. Mas, antes de se ser capaz de
meditar, tem de haver uma base de retidão, o que significa não ter
medo. Se existir alguma espécie de medo, secreto ou evidente, a
"meditação" é então perigosíssima, porque oferece uma fuga
"maravilhosa". Saber o que é a mente meditativa é da maior
importância.
Jiddu Krishnamurti - Conferência na Universidade da Califórnia, em Berkeley in You Are The World, 1972 Núcleo cultural Krishnamurti, Boletim nº 30
Fonte: Pensarcompulsivo
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