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quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A AÇÃO QUE TRANSFORMA
 
 
 Última Parte
  
Que entendemos nós por aprender? Quando se vai para a escola ou para a universidade aprende-se muita informação, não de grande importância, talvez, mas aprende-se. Isso se torna conhecimento, e é a partir desse conhecimento que atuamos, quer no campo tecnológico, quer em todo o campo da consciência. Sendo assim, temos de compreender profundamente o que essa palavra "aprender" realmente significa.

A palavra "aprender" representa obviamente um presente ativo. Está-se sempre aprendendo. Mas, quando esse aprender se torna um meio de acumulação de conhecimentos, ele é uma coisa totalmente diferente. Ou seja, aprendi da experiência anterior que o fogo queima. Isso é conhecimento. "Aprendi-o", portanto não me aproximo do fogo. Cessei de aprender. E a maior parte de nós, "tendo aprendido", atua a partir daí. A informação que acumulamos acerca de nós próprios - ou dos outros - torna-se conhecimento; então, esse conhecimento torna-se quase estático, e é a partir disso que atuamos. Por consequência, essa ação é sempre velha. Aprender é, pois, algo inteiramente diferente.

Se esta tarde se tem estado a ouvir com atenção, tem-se estado a aprender a natureza do medo e do prazer; tem-se estado a aprender, e é daí que se atua. Espero que compreendam a diferença. Aprender implica uma ação constante. Está-se sempre aprendendo. E o próprio ato de aprender é agir. O agir não está separado do aprender. Para a maior parte de nós, porém, a ação está separada do conhecimento. Ou seja, há a ideologia ou o ideal, e de acordo com esse ideal agimos, só aproximando a ação desse ideal. E assim, portanto, a ação é sempre velha.

Aprender, tal como ver, é uma grande arte. Que acontece quando vemos um flor? Será que a vemos realmente, ou vemo-la através da imagem que temos dessa flor? São duas coisas inteiramente diferentes. Quando olhamos para uma flor, para uma cor, sem a nomear, sem o gostar ou o não gostar, sem nenhuma cortina entre nós e aquilo que se vê como flor, sem a palavra, sem o pensamento, então a flor tem uma cor e uma beleza extraordinárias. Mas quando se olha para a flor através de um conhecimento botânico, quando se diz "isto é uma rosa", já se condicionou o olhar.

Ver, assim como aprender, é de fato uma arte; mas não é preciso ir a nenhuma escola para a aprender. Pode-se aprendê-la onde se está. Podemos olhar uma flor, e descobrir como olhamos para ela, se somos sensíveis, se estamos acordados, atentos, então vemos que o espaço entre nós e a flor desaparece, e, quando esse espaço desaparece, vemos a flor de maneira muito intensa e cheia de vitalidade. Do mesmo modo, quando nos observamos a nós próprios sem esse espaço - e portanto sem ser como "o observador" e "a coisa observada" - vemos então que não há contradição e portanto não há conflito.

Quando se vê a estrutura do medo, vê-se também a estrutura e a natureza do prazer. Ver é aprender sobre isso, e a mente portanto não fica aprisionada na procura de prazer. A vida tem então um sentido completamente diferente. Vive-se - mas não à procura de prazer.

Agora, esperem um pouco, antes de começarem a fazer perguntas. Gostaria de lhes pôr uma questão: Que é que tiraram desta palestra? Não me respondam, por favor. Reparem se ficaram com palavras, descrições, ideias, ou se captaram algo verdadeiro, inegável, indestrutível - porque o vistes vós mesmos. Então, sois uma luz para vós próprios e, portanto, não acendereis a vossa vela em qualquer outra luz; vós mesmos sois essa luz. Se isso for um fato e não uma pretensão hipócrita, então terá valido a pena uma reunião desta espécie. Querem agora fazer perguntas?

Como ontem dissemos, fazem-se perguntas para investigar, não para mostrar que se é mais inteligente do que o outro. Uma pessoa que compara não é inteligente - um homem inteligente nunca faz  comparações. Faz-se uma pergunta ou porque, pelo perguntar, a pessoa deseja descobrir-se, revelar-se a si mesma, e desse modo aprender, ou então, às vezes, para "atrapalhar" o conferente - o que não levamos a mal. Também se põem questões para ter uma visão mais ampla, para abrir a porta. Assim, a espécie e a qualidade da pergunta que ides fazer dependerá de vós. Mas, por favor, isso não significa que o orador não quer que se façam perguntas.

Pergunta: Que é que se há de fazer quando se repara no pôr do Sol e ao mesmo tempo o pensamento interfere?

Krishnamurti - Que é que se há de fazer? Vamos compreender o significado da pergunta. Olha-se o pôr do Sol, o pensamento interfere e então se diz "que é que se há de fazer?" Quem é que faz a pergunta? Não será o pensamento que diz "que hei de fazer?" Compreende a questão? Vou pô-la de outra maneira. Há um pôr do Sol com toda a sua beleza, a sua cor extraordinária, há o sentir, o gostar disso; então, vem o pensamento e digo para mim: "Cá está ele, que hei de fazer?" Escute isto com muita atenção, aprofunde-o bem. Não será também o pensamento que diz "que hei de fazer?" O "eu" que pergunta "que hei de fazer?" é resultado do pensamento. Portanto, vendo o que está interferindo com aquela beleza, o pensamento diz: "Que hei de fazer?"

Não faça nada! Se fizer alguma coisa, criará um conflito. Mas, quando olhar o pôr do Sol e o pensamento interferir, repare nisso. Dê atenção ao pôr do Sol e ao pensamento que se intromete. Não expulse o pensamento. Aperceba-se de tudo isso, sem qualquer escolha: dê atenção ao pôr do Sol e ao pensamento intrometendo-se. Se assim estiver atento, sem qualquer desejo de reprimir o pensamento, de lutar contra a interferência, se não fizer nenhuma destas coisas, descobrirá então que o pensamento fica silencioso. Porque é o próprio pensamento que está dizendo: "Que hei de fazer?" Essa é uma das artimanhas do pensamento. Não caia na armadilha; observe toda a estrutura do que está acontecendo.

Pergunta: Estamos condicionados em relação ao modo como olhamos para o pôr do Sol, estamos condicionados relativamente ao modo como escutamos o conferente. Assim, é através do nosso condicionamento que olhamos para tudo, que ouvimos todas as coisas. Como é que uma pessoa pode se libertar desse condicionamento?

Krishnamurti: Quando é que se tem consciência desse condicionamento, de qualquer condicionamento? Repare um pouco nisto, por favor. Quando é que temos consciência de que estamos condicionados? Teremos consciência de que estamos condicionados como Americanos, como Hindus, com católicos, protestantes, comunistas, isto e aquilo? Apercebemo-nos realmente de que temos esse condicionamento, ou apercebemo-nos dele porque alguém nos disse? Se uma pessoa o percebe porque alguém lhe mostrou que está condicionada, então isso é uma espécie de percebimento, mas se, sem que lho digam, toma consciência de que está condicionada, então isso tem uma qualidade diferente. Se lhe disserem que tem fome, é uma coisa; mas se tiver realmente fome, é outra. Ora, a pessoa, terá de descobrir qual delas é: se foi por lhe dizerem que está condicionada que o percebe; ou se, por estar atenta, por estar implicada em todo este processo de viver, por ter essa atenção, compreende por si, sem que alguém lho diga, que está condicionada. Então isso ganha vitalidade, então se torna um problema que tem de compreender muito profundamente. Vê que está condicionada, mas não porque lho disseram. E é óbvio que a sua reação será deitar fora esse condicionamento, se for inteligente. Ao aperceber-se de um determinado condicionamento, a pessoa revolta-se contra ele, como a geração presente se está revoltando - o que é meramente uma reação. A revolta contra um condicionamento forma outra espécie de condicionamento.

Toma-se consciência de que se está condicionado como Protestante, Comunista, adepto do Partido Democrático ou Republicano etc. Que acontece quando não há reação, mas apenas o percebimento do que esse condicionamento realmente é? Que acontece quando se está consciente, sem escolha, desse condicionamento que a pessoa descobre por si mesma? Não há reação e assim está-se aprendendo sobre esse condicionamento, por que é que ele surge. Dois mil anos de propaganda fazem que as pessoas acreditem numa determinada forma de dogma religioso. Sabeis como a Igreja, através dos séculos, por meio da tradição, da repetição, por meio de várias festividades e rituais, tem condicionado as nossas mentes. Há repetição, dia, após dia, mês após mês, desde a infância; somos batizados e tudo o mais. E outras formas da mesma coisa têm lugar noutros países - como na Índia, na China etc.

Quando se toma consciência disso, que acontece então? Vemos com que rapidez a mente é influenciada. Quando jovem, flexível, inocente, é condicionada como Comunista, Católica, Protestante etc. Por que é que a mente é condicionada? Por que é que fica tão moldada pela propaganda? Compreendem? Porque é que se é persuadido pela propaganda a comprar certas coisas, a acreditar em certas coisas, por quê? Existe não só essa constante pressão do exterior, mas também o desejo de pertencer a um grupo, porque isso dá segurança. Deseja-se ser uma entidade tribal. E, por detrás disso, há medo, medo de estar só, de ser posto à parte não só psicologicamente, mas também de modo a poder não conseguir emprego; tudo isso está implicado. E então pergunta-se se a mente poderá ficar liberta do condicionamento.

Quando se vê o perigo do condicionamento como se vê o perigo de um precipício ou de um animal feroz, então ele desaparece sem esforço nenhum. Mas não vemos o perigo de se estar condicionado. Não vemos o perigo do nacionalismo como ele separa os homens. Se víssemos o seu perigo, intensamente, com grande vitalidade, abandoná-lo-íamos instantaneamente.

O problema portanto é: Será possível tomar consciência do condicionamento de maneira tão intensa que se veja a sua realidade? Não  se gosta ou  se gosta dele, mas o fato de que se está condicionado e que, portanto, a mente está incapaz de liberdade. Porque só a mente livre sabe o que é o amor.

Pergunta: É verdade que o passado devia ser consumido pelo fogo de um envolvimento total no presente?

Krishnamurti: E que é o presente? Sabemos o que ele é? Diz-se "vive-se no presente", como muitos intelectuais defendem - porque para eles o futuro é árido, sem sentido, e, portanto, dizem "viva no presente, tire dele o máximo partido, esteja completamente com ele". Mas temos de saber o que é o presente. Saberemos o que é o agora, o que é o presente? O presente existirá? Não, por favor, não especulem sobre isso, observem-no.

Já alguma vez repararam no que é o agora? Seremos capazes de estar atentos ao agora, de saber o que ele é? Ou só conhecemos o passado, o passado que opera no presente, e que cria o futuro? Compreendem? Quando se diz "vive no presente" tem de investigar o que é realmente esse presente. Ele existirá?

Para se perceber se existe um verdadeiro presente, tem de se compreender o passado. E quando se observa o que se é como ser humano, vê-se que se é completamente resultado do passado. Nada há de novo em nós; somos em segunda mão, somos o passado olhando para o presente, traduzindo o presente. E esse presente é desafio, sofrimento, ansiedade, uma dúzia de coisas resultantes do passado, e, ao olharmos para tudo isso, ficamos muito assustados e pensamos no amanhã, no que nos dá prazer de novo - somos tudo isso.

Compreender o agora é um imenso problema de meditação - isso é meditação. Compreender plenamente o passado, ver onde reside a sua importância e ver também a sua não importância total, perceber a natureza do tempo - tudo isso faz parte da meditação. Talvez nos seja possível aprofundar isso numa outra tarde. Mas, antes de se ser capaz de meditar, tem de haver uma base de retidão, o que significa não ter medo. Se existir alguma espécie de medo, secreto ou evidente, a "meditação" é então perigosíssima, porque oferece uma fuga "maravilhosa". Saber o que é a mente meditativa é  da maior importância.


 
Jiddu Krishnamurti - Conferência na Universidade da Califórnia, em Berkeley in You Are The World,  1972 Núcleo cultural Krishnamurti, Boletim nº 30
Fonte: Pensarcompulsivo
 

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