Assim, para compreender o
sofrimento, você precisa, por certo, amá-lo, não é verdade? Isto é, precisa
estar em comunhão direta com ele. Se deseja compreender alguma coisa — seu
vizinho, sua esposa, ou qualquer relação — se deseja compreender qualquer coisa
de maneira completa, precisa estar perto dela. Precisa se chegar a ela sem
objeção alguma, sem preconceito, condenação ou repulsa; precisa amá-la,
não é
verdade? Se desejo lhe compreender, não devo ter preconceitos a seu respeito,
preciso ser capaz de lhe olhar, não através de barreiras, não através de
cortinas formadas pelos meus preconceitos e meus condicionamentos.
Preciso estar em comunhão com
você, o que significa que preciso lhe amar. De modo idêntico, se desejo
compreender o sofrimento, preciso amá-lo, preciso estar em comunhão com ele.
Isso me é impossível, porque estou fugindo dele, por meio de explicações, por
meio de teorias, de experiências, de adiamentos, constituindo tudo isso o
processo de verbalização. Por conseguinte, as palavras me impedem a comunhão
com o sofrimento. As palavras — palavras explicativas, racionalizações, que são
sempre palavras, que representam o processo mental — as palavras me impedem de
estar diretamente em comunhão com o sofrimento. É só quando me acho em comunhão
com o sofrimento, que o compreendo.
O segundo passo é este: Eu, que
sou o observador do sofrimento, sou diferente do sofrimento? Eu, que sou o
"pensador", o "experimentador", sou diferente do
sofrimento? Exteriorizo-o, a fim de evitá-lo, dominá-lo, repeli-lo. Sou
diferente daquilo a que chamo sofrimento? Não sou. Portanto, eu sou o
sofrimento; não é verdade que existe o sofrimento
e que eu sou diferente dele.
Eu é que sou o "sofrimento".
Enquanto sou o observador do
sofrimento, não há terminar do sofrimento. Mas assim que se dá o percebimento
de que o sofrimento sou eu, de que o próprio observador é o sofrimento — o que
é muitíssimo difícil de experimentar, de perceber, porque há séculos que
dividimos essa coisa — quando a mente percebe que ela própria é o sofrimento —
não quando está sentindo o sofrimento — que ela própria é a criadora do
sofrimento, que ela é o própria sofrimento, ocorre então o terminar do
sofrimento.
Isso não requer nem tradição nem
pensar, mas sim um percebimento muito atento, muito vigilante e inteligente.
Esse estado inteligente, esse estado "integrado", é que é "estar
só". Quando o observador é a coisa observada, ele é então o estado
"integrado". E nesse "estar só", nesse estado de se achar
completamente só, completo, em que a mente não está em busca de coisa alguma,
nem visando recompensa, nem fugindo à punição, em que a mente está de fato
tranquila, não está procurando, não está tateando, só então vem à existência
aquilo que não é mensurável pela mente.
Krishnamurti - Quando o pensamento cessa
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