DO SÓ PARA O SÓ
Nunca estamos sozinhos; vivemos sempre rodeados de pessoas
e de nossos próprios pensamentos.
Mesmo quando as
pessoas estão longe, vemos as coisas através
do filtro de
nossos pensamentos. São muito raros,
ou mesmo inexistentes, os momentos
em que o pensamento não exista.
Não sabemos o que é estar sozinho,
estar livre de todas as associações, de toda a continuidade,
de todas as palavras e imagens.
Somos solitários, mas não sabemos o que é estar sozinhos.
Fisicamente, podemos estar só, mas na verdade não estamos sozinhos, porque estamos acompanhados de todas as lembranças, todos os nossos conflitos, todas as nossas preocupações;
porque somos o passado. Só estamos só quando
o
passado desapareceu de todo, quando não há família,
quando não há deuses
feitos pelo pensamento, quando não estamos sendo perseguido por
lembranças. Só então estamos só. E só essa solidão é capaz de ver.
Porque só ela é inocente.
Só os inocentes podem ver a plena beleza da vida.
A dor da solidão
enche nossos corações, e a mente a encobre com medo. A solidão, aquele
isolamento profundo, é a sombra negra de nossa vida. Fazemos o possível
para escapar dela, mergulhamos em todas as rotas de fuga que conhecemos,
mas ela nos persegue, e jamais estamos fora dela.
O espaço e o silêncio são necessários, porque é quando
a mente está só,
livre de influências, de conhecimentos,
de seus milhares de
experiências, e já não está funcionando no limitado e insignificante
campo de sua monótona existência de cada dia — é apenas quando a mente
está livre de tudo isso,
só, em silêncio, que ela é capaz de descobrir ou
de encontrar uma coisa totalmente nova.
O isolamento é o modo de nossa vida; raramente nos fundimos com outra pessoa, pois em nosso íntimo estamos quebrados, despedaçados e incurados. Em nós mesmos não estamos inteiros, completos e a fusão com outro só é possível
quando há integração interior.
Temos medo de estar
sozinhos, pois isso abre a porta
para nossa insuficiência, para a
pobreza
de nossa própria existência; mas é o estar sozinho
que cura o
intenso ferimento da solidão.
Caminhar sozinho, sem o
estorvo do pensamento,
do rastro de nossos desejos, é ir além do alcance
da mente.
É a mente que isola, separa e interrompe a comunhão.
A mente não pode ser
tornada inteira; ela não pode tornar-se completa, pois esse próprio
esforço é um processo de isolamento, é parte da solidão que nada
consegue encobrir.
A mente é o produto dos muitos e o que é criado
em conjunto jamais pode estar só.
O estar só não é resultado do pensamento.
Somente quando o pensamento está totalmente quieto
há a fuga do só para o só.
Estar só, sem se retirar da sociedade, sem se tornar eremita,
é um
estado extraordinário. A pessoa está só porque compreendeu a influência,
a autoridade. Compreendeu inteiramente a questão da memória, do
condicionamento e torna-se existente uma solidão inatingível pela
influência.
E você não tem ideia de quanta beleza há nessa solidão,
e
que extraordinário sentimento de virtude, que é vitalidade, virilidade,
força. Mas isso requer imensa compreensão
de todo o nosso
condicionamento.
“Estar só” tem significação inteiramente diferente; tem beleza. Quando o
homem se liberta da estrutura social - de avidez, inveja, ambição,
arrogância, sucesso, posição - quando de tudo isso se liberta, está
então completamente só. Há então grande beleza, sentimento de grande
energia.
Julgo essencial que você entre, de vez em quando,
em recolhimento,
deixando tudo o que está fazendo,
detendo por completo as suas crenças e
experiências,
olhando-as de maneira nova, em vez de ficar a repetir,
como máquinas, o que crê ou o que não crê.
Você deixaria, assim, entrar
ar fresco em sua mente.
Isso significa que você tem de estar
inseguro.
Se vocês forem capazes de tanto, estarão abertos aos mistérios da
natureza e para as coisas que sussurram ao redor de nós, encontrarão
o Deus que aguarda o momento de vir,
a verdade que não pode ser
chamada, mas vem por si mesma. Não estamos abertos ao amor e a outros
processos mais delicados que se verificam dentro de nós, porque vivemos
fechados em nossas ambições, realizações, desejos.
Krishnamurti
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