A argúcia de espírito, a capacidade de julgar ou como queiram chamar os talentos do espírito, ou ainda a coragem valorosa, a decisão, a firmeza de propósito, como qualidades do temperamento, são, sem dúvida, em certos aspectos, qualidades boas e desejáveis; mas também podem se tornar extremamente más e perniciosas, se a vontade que deve usar estes dons naturais, e cuja constituição natural, por isso, se chama caráter, não for boa.
O mesmo acontece com os dons da fortuna. O poder, a riqueza, a honra, mesmo a saúde, e todo o bem-estar e contentamento com a sua sorte, conferem, sob o nome de felicidade, um ânimo que muitas vezes, por isso mesmo, desanda em orgulho, caso não exista também a boa vontade capaz de corrigir a sua influência sobre a alma e, ao mesmo tempo, o princípio complexo da ação.
Acrescente-se a isso que um espectador sensato ou imparcial, diante dos sinais de ininterrupta prosperidade de uma pessoa totalmente desprovida de qualquer traço de uma pura e boa vontade, jamais poderá sentir satisfação. A boa vontade parece assim constituir a condição indispensável do próprio fato de sermos dignos de felicidade. (….)
A boa vontade não é boa só pelo que promove ou realiza, pela aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta, mas é boa somente pelo querer, isto é, em si mesma. E considerada em si mesma, deve ser avaliada em grau muito mais elevado do que tudo o que por meio dela puder ser alcançado em proveito de qualquer inclinação ou, se quiser, da soma de todas as inclinações.
O amor é perigoso
Como pode o homem viver sem amor? Nós só podemos existir, e existência sem amor é controle, confusão e dor – e é isso que a maioria de nós está criando. Nós organizamos a existência e aceitamos o conflito como inevitável porque nossa existência é uma incessante demanda por poder. Certamente, quando amamos, a organização tem seu próprio lugar, seu lugar correto; mas sem amor, a organização se torna um pesadelo, meramente mecânica e eficiente, como o exército; mas como a sociedade moderna se baseia em mera eficiência, temos que ter exércitos e o propósito de um exército é criar guerra. Mesmo na chamada paz, quanto mais intelectualmente somos, mais cruéis, mais violentos, mais insensíveis nos tornamos. Por isso há confusão no mundo, por isso a burocracia é mais e mais poderosa, por isso mais e mais governos se tornam totalitários. Nós nos submetemos a tudo isto como sendo inevitável porque vivemos em nossos cérebros e não em nossos corações e, assim, o amor não existe. O amor é o elemento mais perigoso e incerto na vida; e porque não queremos ter incerteza, porque não queremos ficar em perigo, nós vivemos na mente. Um homem que ama é perigoso, e não queremos viver perigosamente; queremos viver eficientemente, queremos viver meramente na estrutura da organização porque pensamos que as organizações trarão ordem e paz para o mundo. Organizações nunca produziram ordem e paz no mundo. Só o amor, só a boa vontade, só a clemência pode produzir ordem e paz no final e, portanto, agora.
J. Krishnamurti, The Book of Life
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