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segunda-feira, 13 de julho de 2020

O SACRIFÍCIO CÓSMICO DO NAZARENO
AOS TRINTA E TRÊS ANOS

O que dizer da entrada de Jesus em Jerusalém? - Semeando Vida

Aos 33 anos, estava Jesus no auge da sua individualidade humana, perfeito em sua evolução física, mental e emocional.

E, no “domingo de ramos”, encerrou ele a sua carreira individual, acrescentando-lhe ainda o elemento social e nacional. Montado num jumento, entrou em triunfo na capital do país e permitiu que todo o povo, até as crianças, o ovacionassem delirantemente, proclamando-o “filho de David”, “rei de Israel”, isto é, legítimo herdeiro do trono nacional de David e Salomão.

O entusiasmo nacionalista atingiu o seu zênite, nesse dia. A suspensão era geral. Os discípulos de Jesus e o povo em geral esperavam pelo momento dramático em que o Nazareno usasse do seu irresistível poder de taumaturgo e da sua imensa popularidade para sacudir o jugo dos dominadores romanos e aceitasse publicamente a realeza de Israel e se fizesse proclamar rei e soberano político de seu país. “Senhor, é agora que vais restabelecer o reino de Israel?” – esta pergunta, formulada por alguns, estava na alma de todos.

Bastava que o Nazareno lançasse a centelha viva do seu “sim” nessa grande massa inflamável – e acabaria tudo numa vasta conflagração político-nacional.

Que poderia fazer Pôncio Pilatos, com todos os seus soldados, contra essa avalanche do crescente entusiasmo nacionalista de Israel em peso? O governador romano deve ter estado sobre brasas, nesse dia.

Era chegado o momento decisivo. Jesus na grande encruzilhada da sua vida... Dois caminhos se abriam diante dele, agora, no fim da sua vida pública – os mesmos dois caminhos que ele enfrentara no início da sua vida pública: o caminho do ego humano, personal, separatista, que quer gozar e ser interesseiramente servido – e o caminho do divino EU universal, que quer sofrer e servir por amor desinteressado. Todas as vozes do ego personal, reforçadas pelos brados da multidão alvoroçada, convidam o Nazareno a tomar o partido do interesse individual e nacional, fazendo-se proclamar rei e soberano de um pedacinho de terra e de um grupo de homens, ato esse que, possivelmente, seria o ponto de partida para a conquista de “todos os reinos do mundo e sua glória”. Ele, porém, é surdo a essas vozes, porque percebe outra voz, que vem das profundezas de seu divino Eu, do seu eterno Cristo, voz que falava de um “reino que não era deste mundo”, reino feito todo da vontade de dar, de servir e de amar...

Nunca, no decurso da sua vida pública, aceitara Jesus uma homenagem de caráter político-nacionalista, embora por diversas vezes os seus discípulos tentassem proclamá-lo rei de Israel. Desta vez, porém, no fim da vida, aos 33 anos, ele a aceita plenamente. Não aceitou, de fato, o mandato, mas mostrou que poderia aceitá-lo. Judeus e galileus, os discípulos e o povo, e até as crianças se sentiram contagiados pelo entusiasmo universal. Quando os sacerdotes, invejosos, estranham essa participação infantil na apoteose nacionalista e exigem de Jesus que chame à ordem as crianças, ele replica: “Se estas se calarem, até as pedras clamarão.” Até a natureza mineral o reconheceria como sendo o rei de Israel, porque o prestígio do Nazareno atingia todos os setores da natureza, que votaria em peso pela realeza nacional de Jesus – se ele o quisesse.

Aceitar homenagens humanas, e até infra-humanas, não é contrário à espiritualidade – contanto que essas homenagens se integrem numa missão superior.

E Jesus as integrou. Depois de levar a sua vida individual, social e nacional ao fastígio do poder e da celebridade, destruiu tudo isto e o incorporou na sua missão redentora – assim como um alimento vigoroso e sadio é destruído para ser assimilado, em forma superior, pelo corpo humano.

Era chegado o momento em que Jesus ia dar o último passo para a realização do misterioso “sacrifício cósmico” da sua grande missão. O primeiro passo já fora dado, 33 anos atrás, quando o eterno Lógos se despojara dos esplendores da Divindade e se revestira de carne humana. Grande fora essa humilhação ditada pelo amor, a descida do reino universal da luz para dentro do abismo individual das trevas; mas essa sua vida terrestre revelava ainda um tênue reflexo de glória, como se a luz divina transparecesse ligeiramente dos invólucros humanos – agora vão ser apagados também esses últimos reflexos de glória, e a escuridão vai ser total... O “sacrifício cósmico” vai ser plenamente consumado, no mais profundo e tenebroso nadir do auto-aniquilamento.

Para que esse sacrifício atingisse a sua plenitude era necessário que se desenvolvesse até ao máximo a humana individualidade de Jesus, e, depois, essa magnífica individualidade, no auge do seu poder e deslumbramento, se afogasse voluntariamente no oceano imenso da Divindade Universal. No auge da sua invulnerabilidade permitiria Jesus ser vulnerado, de maneira que, aos olhos dos homens, aparecesse como sendo extremamente vulnerável; porquanto, ninguém acredita que um homem, podendo evitar o sofrimento, o desprezo e a morte, aceite espontaneamente esses humilhantes negativos.

No zênite do seu poder e da sua popularidade individual, aos 33 anos, resolve Jesus descer ao nadir do contrário de tudo que lembra poder, grandeza, prosperidade, simpatia, entusiasmo e amor. No auge da plenitude desnuda-se de tudo e cai na ínfima vacuidade da existência. Sofrimento, ludíbrio, deserção dos amigos, desconfiança da sua lealdade, negação, traição, morte ignominiosa – não representa isto a extinção da vida humana?

Quem pouco tem pouco pode dar – mas quem muito tem muito pode abandonar. E nunca uma creatura(criatura) humana teve mais, aqui na terra, do que o Nazareno, e, quando esse “muito” e esse “mais” atingiu ao “máximo”, então julgou ele chegado o momento propício para abrir mão de tudo, completando o misterioso sacrifício cósmico do amor.

Vai nessa atitude do Nazareno, talvez, o mais incompreendido mistério da sua vida, a mais esotérica das suas atitudes, a mais solene sacralidade da sua missão redentora... Elevar ao máximo a sua perfeição humana – e depois imolar todas essas grandezas na ara do amor divino...

O máximo da força revela-se no máximo duma aparente fraqueza – assim como o máximo da sabedoria se revela no fato de o sapiente aparecer como insipiente. Quem é fraco ou insipiente deve solicitamente evitar todas as aparências de fraqueza e insipiência – mas quem se sabe soberanamente forte e sábio pode desencadear sobre si todas as tempestades de fraqueza e insipiência, na gloriosa certeza de que nenhuma dessas aparentes fraquezas e insipiências pode amesquinhar de leve sequer a grandeza do seu valor interno.

Quem se sabe indestrutivelmente imortal não tem motivo para evitar a morte do corpo – mas quem não possui suficiente certeza da sua imortalidade não deve permitir a morte, nem seus aliados, os sofrimentos. De maneira que na espontânea permissão dos sofrimentos e da morte está o testemunho máximo da consciência da imortalidade.

A morte voluntária de Jesus é a suprema afirmação da sua imortalidade.

Integrar no Todo Universal algum indivíduo amorfo, não altamente diferenciado, pouco vale; é o que acontece em todos os reinos da natureza infra-humana, inconscientemente integrada em Deus.

Por outro lado, não integrar no Todo Universal uma individualidade altamente evolvida, como o homem consciente, é procedimento satânico de separatismo anti-divino, porque anti-cósmico.

Mas, integrar voluntariamente no grande Todo Universal a sua individualidade, no apogeu da sua pujança – isto é ato de suprema Verdade e Beleza, isto é “entrar em sua glória”; com esse ato final tudo “está consumado”, como disse o único homem que realizou plenamente essa estupenda epopéia.

Quem promove o processo da evolução do indivíduo é Lúcifer, o Intelecto, o senso da personalidade do Ego.

Quem integra no grande Todo Universal esse Ego plenamente evolvido é o Lógos, a Razão crística, o Espírito, o senso do Eu universal. “Eu e o Pai somos um.”

Quando um Ego, depois de plenamente evolvido, tenta separar-se do Todo Universal, proclamando a sua autonomia separatista, frustra a sua integração cósmica e inicia a sua funesta jornada involutiva, que terminará fatalmente na “morte eterna”, na “perdição ao inferno”, isto é, na total desintegração.

O processo da evolução humana é admiravelmente simbolizado na história do “filho pródigo”. A primeira parte representa a epopéia da evolução da individualidade: o jovem reclama do pai a “parte da natureza que lhe compete”, como diz o texto grego, e o pai lhe entrega em silêncio essa primeira parte da sua natureza em evolução individual.

O processo da integração do indivíduo no grande Todo Universal é representado na segunda parte da parábola, onde o ego, chegado ao máximo da sua evolução, é convidado a satanizar-se pela afirmação unilateral da sua personalidade, resolve, finalmente, não obedecer a essa sugestão, e acaba por se integrar no Todo Cósmico da casa paterna. No filho pródigo houve um início de “perdição”, quando ele obedeceu ao convite do tirano para guardar os porcos (apascentar o seu ego); mas o jovem “entrou em si” e descobriu a sua verdadeira natureza, e assim sustou em tempo o processo rumo à “morte eterna”, escapou à desintegração pelo fato de se integrar definitivamente no grande Todo Universal, adquirindo assim a “vida eterna”.

Em Jesus não houve início de separatismo personal, que o tentador no deserto lhe sugere repetidas vezes; Jesus estava livre dessa ilusão do ego, firmemente consolidado na verdade do seu divino Eu, como faz ver ao tentador: “Só a Deus adorarás e só a ele servirás.”

A redenção do homem consiste essencialmente nessa plena evolução do seu Eu individual e na perfeita integração desse seu indivíduo na ordem universal do cosmos, que se revela praticamente pelo amor.

A sequência dos fatos da paixão e morte do Nazareno ia mostrar que o seu sacrifício cósmico era completo, absoluto, integral. E não estava em jogo apenas a sua vida física, era todo o seu prestígio de homem, de cidadão, de avatar, de Messias divino. Durante a sua vida pública aparecera ele como taumaturgo e como invulnerável. Agora, porém, vai renunciar a essas glórias: não fará nenhum milagre a seu favor – e todos o considerarão, daí por diante, como vulgar pseudo-taumaturgo, faquir e prestidigitador que iludiu as massas, mas falhou o teste no momento crítico. E a sua invulnerabilidade? Lá se foi ela! Ecce homo! Eis o homem reduzido a uma chaga viva! Os seus piores inimigos, os chefes da sinagoga, o desafiam arrogantemente: “Se tu és o filho de Deus, desce da cruz, e creremos em ti!” E ele não desce. Até os seus companheiros de suplício lhe põem à prova a messianidade, dizendo: “Se tu és o Cristo, o dileto de Deus, salva-te a ti e a nós também!” E ele não se salva da morte nem salva seus colegas...

Como é difícil recalcarmos no íntimo um poder imenso que possuímos e que, num instante, derrotaria todas as calúnias triunfantes! Quem o consegue, deve ser divinamente poderoso, para aceitar todas as derrotas e fraquezas da parte dos homens... Nunca o homem é tão integralmente glorioso como quando aceita espontaneamente ser ingloriamente inerme e aniquilado...

Foi este o sacrifício cósmico do Nazareno aos 33 anos.

Huberto Rohden - O Triunfo da Vida Sobre a Morte
UNIVERSALISMO

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