O SERMÃO DA MONTANHA
por Huberto Rohden - Parte 08
por Huberto Rohden - Parte 08
“Bem-Aventurados os que Sofrem Perseguição
por Causa da Justiça”
“Justiça”
significa a atitude justa e reta do homem para com Deus. O homem
“justo”, nos livros sacros, é o homem santo, o homem crístico, o homem
que realizou em alto grau o seu Eu divino pela experiência mística
manifestada na ética. O homem “justo” é o homem que se guia,
invariavelmente, pelos dois grandes mandamentos, o amor de Deus e a
caridade do próximo.
“Mas, será possível que alguém sofra perseguição por causa dessa justiça, por causa da sua santidade?
“O
Evangelho de Jesus está repleto de afirmações dessa natureza, e a
experiência multissecular o confirma. “Por causa do meu nome sereis
odiados de todos, e chegará a hora em que todo aquele que vos matar
julgará prestar um serviço a Deus. “Arrastar-vos-ão perante reis e
governadores e sinagogas; mas não vos perturbeis! Porque o servo não
está acima de seu senhor; se a mim perseguiram também vos hão de
perseguir a vós. “Os inimigos do homem são os seus companheiros de
casa.”
“Estamos
habituados a pensar e a dizer que esses perseguidores dos justos são
homens maus, perversos, de má-fé; e, de fato, assim acontece muitas
vezes. Entretanto, as mais cruéis perseguições que a história humana
conhece foram perpetradas por homens sinceros e subjetivamente bons, em
nome da verdade e do bem, em nome de Deus e do Cristo. Sobretudo as
igrejas e sociedades religiosas organizadas têm empreendido, e
empreendem ainda, cruzadas e “guerras santas”, trucidando infiéis,
queimando hereges, torturando homens de elevada espiritualidade,
excomungando como apóstatas e perversos muitos dos homens mais puros e
santos que o mundo conhece. A maior parte desses perseguidores não tem
má intenção nem consciência pecadora; agem por um sentimento de dever.
“Há duas razões fundamentais pelas quais o homem justo é perseguido por outros homens individuais ou por sociedades humanas.
“1 — Um indivíduo persegue outro indivíduo, não só porque este seja mau, mas, também, pelo fato de ser bom.
“Por quê? “Porque
o homem justo aparece como elemento hostil a outro homem menos justo. A
simples presença de um homem mais santo do que eu é, para mim, uma
declaração de guerra, ou, pelo menos, uma permanente ofensa. O homem
espiritual, pelo simples fato de existir, diz silenciosamente a outros:
“Vós devíeis ser como eu, mas não sois, e isto é culpa vossa”. Nenhum
homem espiritual, é claro, diz isto; mas os profanos interpretam deste
modo a presença do homem justo, e atribuem a este a ingrata censura.
Ora, ninguém tolera, por largo tempo, a consciência da sua
inferioridade. Enquanto não aparece outro homem de elevada
espiritualidade, pode o homem menos espiritual viver tranqüilo na sua
inferioridade, porque esta não é nitidamente percebida senão quando
polarizada pelo contrário ou por uma espiritualidade superior. Quando o
homem pouco espiritual encontra outro ainda menos espiritual, sente-se
ele relativamente seguro do seu plano, e tem mesmo a tendência
instintiva de fechar os olhos para as virtudes do outro, a fim de poder
brilhar mais intensamente, ele só, como aquele fariseu, no templo em
face do publicano.
É que o homem profano mede o seu valor pelo relativo
desvalor dos outros. Quando então a sua luz é, ou parece ser, mais forte
que as luzes dos outros, o homem profano ou de escassa espiritualidade
experimenta um senso de segurança e tranquilidade; não tem remorsos da
sua pouca espiritualidade nem se julga obrigado a um esforço especial
para subir. Entre cegos, diz o provérbio, quem tem um olho é rei.
“Mas
ai desse homem complacentemente satisfeito consigo mesmo, se lhe
aparecer alguém de maior espiritualidade! Logo começa ele a sentir-se
inseguro e inquieto. Em face dessa inquietação, duas atitudes seriam
possíveis: a) o vivo desejo de ser tão espiritual como o outro e o
esforço correspondente a esse desejo; b) uma atitude de despeito e
agressividade.
“A
primeira atitude é a dos homens humildes e sinceros; a segunda é a dos
homens orgulhosos e insinceros consigo mesmos. Os primeiros se tornam
discípulos do homem espiritual, os últimos se tornam seus adversários.
“É
doloroso para um pigmeu ver-se eclipsado por um gigante. É desagradável
para um impuro ter a seu lado um homem puro. Se o pigmeu não sente em
si a capacidade de crescer; se o impuro não dispõe da força de se tornar
puro, declarará guerra ao gigante e ao puro.”
“2
— No terreno social das organizações eclesiásticas acresce ao
primeiro, outro fator, aparentemente mais justificável: o homem
altamente espiritualizado é sempre uma espécie de exceção da regra, é um
pioneiro que abandonou as velhas estradas conhecidas e batidas pela
turbamulta dos crentes e rasga caminhos novos, “por mares nunca dantes
navegados”, por ignotas florestas, por ínvios desertos que poucos
conhecem. Esse homem ultrapassa, quase sempre, os caminhos tradicionais
do passado, e até do presente, e abre novas rotas para o futuro. Toda e
qualquer inovação, por mais verdadeira, é, no principio, considerada
como erro, e até como perigo social.
“De
maneira que o fator “massa” e o fator “tradição” nos dão uma espécie de
segurança e firmeza, no meio da insegurança e incerteza que,
naturalmente, experimentamos por entre as trevas ou penumbras da vida
espiritual. E isto nos faz bem.
“Por
isso , as sociedades religiosas organizadas, que contam sempre com o
fator massa e tradição, dão grito de alerta e de alarme, e previnem seus
filhos contra o perigoso inovador, o herege, o demolidor, o apóstata.
Quando as sociedades religiosas possuem suficiente poder físico,
eliminam do número dos vivos o perigoso demolidor das tradições, e isto
“pela maior glória de Deus e salvação das almas”. Quando não possuem
esse poder, procuram neutralizar a ação do herege matando-o moralmente,
isolando-o por meio de campanhas sistemáticas de difamação e calúnia. E
como, segundo eles, o fim justifica os meios, e como o fim é (ou parece
ser) bom, todos os meios são considerados lícitos e bons, mesmo os
maiores atentados à verdade, à justiça, à caridade.
“Donde
se segue que o homem espiritual vive em uma relativa solidão. A massa
não simpatiza com ele se não lhe é positivamente antipático, mantém pelo
menos uma atitude de apatia e desconfiança em face dele.
“Para
o homem espiritual, porém, o fator “massa” é sobejamente compensado
pelo fator “elite” ou mesmo pelo simples testemunho da sua consciência
em plena solidão.
“Existe,
aqui na terra, e por toda a parte, a “comunhão dos santos”, isto é, a
misteriosa união de todos os que conhecem e amam a Deus, a fraternidade
branca dos irmãos anônimos formada pelos solitários pioneiros do
Infinito. E eles sabem que é profundamente verdadeiro o que o grande
Mestre disse: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali
estou eu no meio deles”. Dois ou três — porque nunca serão muitos no
mesmo lugar e tempo, os homens cristificados. E mesmo que sejam mais,
nunca deixará de imperar a misteriosa lei da polaridade ou da trindade;
dentro de um grupo maior haverá sempre essa constelação interna de dois
ou três. A grande experiência crística circulará sempre entre dois ou
três, e só mediante essa pequena constelação é que ela se comunicará ao
resto do céu estrelado e às galáxias do universo espiritual.”
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