EXISTE OU NÃO EXISTE DEUS ?
Senhor, porque o quereis saber? Que
diferença faz, se eu o disser com clareza ou sem clareza? Ou
confirmarei a vossa crença, ou abalarei a vossa crença. Se confirmo a
vossa crença, ficareis satisfeito, e continuareis com as práticas
absurdas, que tanto vos agradam. Se vos perturbo direis: "Ora, isso não
tem importância" e infelizmente continuareis como sois.
Mas, porque
desejais saber? Francamente, isso é mais importante do que descobrir se
não há Deus ou não há. Para conhecerdes a Deus, para conhecerdes a
verdade, vós não o deveis buscar. Se o buscais, estais fugindo do que
é, e esta é a razão por que perguntais se há ou não há Deus. Quereis
escapar do vosso sofrimento, refugiar-vos numa ilusão.
Vossos livros
estão cheios de Deus, vosso templo está cheio de imagens feitas pela
mão; mas Deus não está nessas coisas, porque todas elas são fugas do
vosso sofrimento real. Para encontrarmos a realidade, ou, melhor, para
que a realidade se nos manifeste, deve cessar o sofrimento; e a mera
busca de Deus, da imortalidade, é uma fuga do sofrimento. Mas, é mais
agradável discutir se há Deus ou não, do que dissolver as causas do
sofrimento, e é por isso que tendes inúmeros livros que tratam da
natureza de Deus.
O homem que discute sobre a natureza de Deus, não
conhece Deus; porque aquela realidade não é mensurável, não pode ser
colhida numa rede de belas palavras. Não podeis prender o vento na mão;
não podeis capturar a realidade num templo, nem no "puja", nem em
vossas inumeráveis cerimônias. São tudo maneiras de fugir, - a mesma
coisa que beber. Um homem bebe e se embriaga, porque deseja fugir; do
mesmo modo, vós entrais no templo, praticais o puja, celebrais ritos,
ou fazeis o que quer que seja - e tudo isso são fugas ao que é.
E o que
é - é sofrimento, é batalha constante com nós mesmos e portanto com
outros; e enquanto não compreenderdes e transcenderdes esse sofrimento,
não poderá manifestar-se a realidade. Assim, vossa pergunta sobre se
há ou não Deus, é uma pergunta vã, sem significação e que só pode
conduzir a ilusão. Como pode uma mente, presa ao tumulto da aflição e
do sofrimento de cada dia, presa a ignorância e a limitação, como
pode conhecer o que é ilimitado, inefável? Como pode o que é produto do
tempo, conhecer o atemporal? Não pode.
Por conseguinte, não pode
sequer pensar a seu respeito. Pensar na verdade, pensar em Deus, é
outra maneira de fugir; porque Deus, a verdade, não pode ser apanhado
pelo pensamento. O pensamento é resultado do tempo, de ontem, do
passado, e, sendo resultado do tempo, do passado, sendo produto da
memória, como pode o pensamento encontrar o que é eterno, atemporal,
imensurável?
Não o pode, o mais que podemos fazer é libertar a
mente do processo do pensamento; e para libertar a mente do processo do
pensamento, precisamos compreender o sofrimento, e não fugir dele -
sofrimento não apenas no nível físico, mas em todos os diferentes
níveis da consciência. Significa isso estar aberto, ser vulnerável ao
sofrimento, não se defender do sofrimento, mas viver com ele,
abraçando-o, olhando-o bem. Porque, vós sofreis agora. Sofreis da manhã
à noite, e só ocasionalmente vos vem um raio de sol ou surge uma
claridade no céu nublado.
Uma vez que sofreis, por que não considerais o
vosso sofrimento, por que não o examinais em toda a sua plenitude, de
maneira profunda, completa, dissolvendo-o assim? Isso não é difícil. A
busca de Deus é muito mais difícil, porque ele é o desconhecido, e não
se pode procurar o desconhecido. Podemos, no entanto, indagar as causas
do sofrimento, e desarraigá-las pela compreensão do mesmo, pelo
percebimento do mesmo, sem fugir a ele.
Uma vez que costumais fugir do
sofrimento por todos os meios, considerai bem essas fugas, abandonai-as
e ponde-vos face a face ao sofrimento. Na compreensão do sofrimento há
libertação. A mente se torna então livre de todo pensamento, não é mais
o produto do passado. Está então tranquila, sem problema algum; não
foi posta tranquila, mas está tranquila, porque não tem problemas,
porque já não está criando pensamentos.
O pensamento cessou - o
pensamento que é memória, acumulação de experiências, de cicatrizes do
passado; e quando a mente está de todo em todo tranquila - sem ter sido
posta tranquila - a realidade se manifesta. Essa experiência é a
experiência da realidade, e não da ilusão, e tais experiências
proporcionam bênçãos ao homem.
A verdade, o amor é o desconhecido e o
desconhecido não pode ser capturado pelo conhecido. O conhecido
precisa cessar para o desconhecido ser; e quando o desconhecido surge
na existência, derrama-se uma benção.
Krishnamurti
Nenhum comentário:
Postar um comentário