O SERMÃO DA MONTANHA
por Huberto Rohden - Parte 07
por Huberto Rohden - Parte 07
“Bem-Aventurados os Tristes”
“...
pode haver uma tristeza-atitude e uma alegria-atitude — como também
pode haver uma tristeza-ato e uma alegria-ato. Pode alguém ser triste e
estar alegre — como também pode ser alegre e estar triste, o que é
decisivo é a atitude interna, permanente, negativa ou positiva. E essa
atitude radica, em última análise, em um profundo substrato metafísico, a
VERDADE, ou então o seu contrário. Quem tem a consciência reta e
sincera de estar na Verdade é profundamente alegre, calmo, feliz, embora
externamente lhe aconteçam coisas que o entristeçam — e quem, no
íntimo da sua consciência, sabe que não está na Verdade é profundamente
triste, ainda que externamente se distraia com toda a espécie de
alegrias.
“Quanto
mais triste o homem é internamente, pela ausência de harmonia
espiritual, tanto mais necessita ele de alegrias externas, geralmente
ruidosas e violentas. Esse homem não tolera a solidão, que lhe traz
consciência mais nítida da sua vacuidade ou desarmonia interior; por
isso, evita quanto possível estar a sós consigo; procura companhia por
toda a parte, e, quando não a pode ter em forma de pessoas, canaliza
para dentro da sua insuportável solidão parte dos ruídos da rua, por
meio do jornal, do rádio, da televisão. Alguns vão mais longe e recorrem
a entorpecentes — maconha, cocaína, morfina, etc., para camuflarem, por
algum tempo, a sensação da sua triste solidão.
“Quem
teme a concentração necessita de toda a espécie de distrações para
poder suportar a si mesmo. E, como essas distrações e prazeres, pouco a
pouco, calejam a sensibilidade, necessita esse homem de intensificar
progressivamente os seus estimulantes artificiais para que ainda
produzam efeito sobre seus nervos cada vez mais embotados. Por fim, nem
já os mais violentos estimulantes lhe causam mossa e então esse homem
chega, não raro, a tal grau de tristeza, no meio de suas “alegrias” que
põe termo à sua tragédia por meio do suicídio. Outros acabam no
manicômio. É que nenhum homem pode viver sem uma certa dose de alegria.
“Enquanto
o homem não descobrir a bela tristeza da vida espiritual, tem de iludir
a sua fome e sede de felicidade com essas horrorosas alegrias da vida
material. Essas alegrias externas, porém, têm sobre ele o efeito da água
do mar, que tanto maior sede dá quanto mais dela se bebe.”
“O
homem cuja felicidade nasceu da verdade é calmo e sereno em todas as
vicissitudes da vida, porque sabe que não precisaria mudar de direção
fundamental se a morte o surpreendesse nesse instante. Perguntaram ao
jovem estudante João Berchmans, que estava jogando bola, o que faria se
soubesse que, daí a cinco minutos, tivesse de morrer; respondeu
calmamente: “Continuaria a jogar.” Assim só pode falar quem tem plena
certeza de que está no caminho certo, em linha reta ao seu destino,
embora distante da meta final.
“Ora,
esse caminho não pode deixar de ser estreito e árduo, uma espécie de
tristeza, como é toda a disciplina; mas no fundo dessa tristeza externa
dormita uma grande alegria interior. É, todavia, uma alegria anônima,
silenciosa, imponderável, como costumam ser os grandes abismos e as
grandes alturas. Aos olhos dos profanos, leva o homem espiritual uma
vida tristonha e descolorida; o seu ambiente parece monótono e cor de
cinza como um vasto deserto. E talvez não seja possível dar ao profano
uma ideia da profunda alegria e felicidade que o homem espiritual goza,
porque esta felicidade jaz numa outra dimensão totalmente ignorada pelo
profano.
O homem habituado a certo grau de espiritualidade tem uma
imensa vantagem sobre o homem não-espiritual; não necessita de estímulos
violentos para sentir alegria, porque a sua alegria não vem de fora, e
sim de dentro. Basta-lhe uma florzinha à beira da estrada; basta o
sorriso de uma criança caminho à escola; basta o tanger de um sino ao
longe; basta o cintilar de uma estrela através da escuridão — tudo enche
de alegria, suave e pura, a alma desse homem, porque ela está afinada
pelas vibrações delicadas que vêm das luminosas alturas de Deus.
E as
fontes da sua alegria brotam por toda a parte; nem é necessário que saia
de casa para encontrar motivos de alegria, porque a sua alegria é de
qualidade, que não está sujeita às categorias de tempo e espaço, como as
alegrias ruidosas e grosseiras dos profanos. Um único grau de
alegria-qualidade dá maior felicidade do que cem graus de
alegria-quantidade.
“Por
isso a vida do homem espiritual é uma bela tristeza, ao passo que a
vida do homem profano é uma pavorosa alegria. Mas o homem espiritual
prefere a sua bela tristeza à pavorosa alegria do profano, que ele
compreende perfeitamente, porque também ele já passou por esse estágio
infeliz — ao passo que o profano não compreende a felicidade anônima do
iniciado, porque nunca passou por essa experiência.”
“Geralmente,
os homens mais felizes são ignorados pela humanidade que escreve e lê
livros e jornais, que fala do alto dos púlpitos e das tribunas, que
perde tempo com rádio e televisão ou procura salvar o gênero humano pela
política, Os milionários da felicidade são, quase sempre, os grandes
anônimos da história, os “não-existentes”. Os poucos homens que aparecem
em público são raras exceções da regra. O grande exército dos
“bem-aventurados” não aparece em catálogos e cadastros estatísticos. São
os irmãos anônimos da “fraternidade branca” que estão presentes em toda
a parte onde haja serviços a prestar, mas ninguém lhes percebe a
presença, porque sempre desaparecem por detrás das suas obras. Os muitos
e os ruidosos que se servem das suas obras como de fogo de artifício e
deslumbramento pirotécnico para iluminar a sua personalidade não fazem
parte da “fraternidade branca”, porque não se eclipsaram no anonimato da
benevolência universal.
“Os
verdadeiros redentores da humanidade são tão felizes no cumprimento da
sua missão que nunca esperam pelos aplausos de plateias, mas desaparecem
por detrás dos bastidores do esquecimento, no mesmo tempo em que
terminam a sua tarefa. São igualmente indiferentes a vivas como a vaias,
a aplausos como a apupos, a louvores como a vitupérios, porque eles
vivem no mundo da silenciosa e profunda verticalidade invisível,
incompreendidos pelos habitantes da ruidosa horizontalidade visível.
“Bem-aventurados os que estão tristes — porque eles serão consolados.”
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