O SERMÃO DA MONTANHA
por Huberto Rohden - Parte 06
por Huberto Rohden - Parte 06
“Bem-Aventurados os Pacificadores”
“A
palavra latina pacificare, da qual é derivada pacificus, é composta de
dois radicais (e o mesmo acontece em grego): pax e facere, isto é, “paz”
e “fazer”. Pacificador (em latim: pacificus) é, pois, aquele que faz a
paz, é um “fazedor de paz”, um homem que possui em si a força creadora
de estabelecer ou restabelecer um estado ou uma atitude permanente de
paz no meio de qualquer campo de batalha.
“A
tradução “pacíficos”, em vez de “pacificadores”, que se encontra em
muitas versões portuguesas, não corresponde ao sentido do original grego
eirenopoíí, nem ao latim pac-fici, porque ambos significam um processo
ativo e dinâmico, e não apenas um estado passivo de paz.
“Quem é, pois, verdadeiro pacificador?
“Não
é, em primeiro lugar, aquele que restabelece a paz entre pessoas ou
grupos litigantes, mas sim aquele que estabelece e estabiliza a paz
dentro de si mesmo. Aliás, ninguém pode ser verdadeiro pacificador de
outros se não for pacificador de si mesmo. Só um autopacificador é que
pode ser um alo-pacificador. A pior das discórdias, a mais trágica das
guerras é o conflito que o homem traz dentro de si mesmo o conflito
entre o ego físico-mental da sua humana personalidade e o Eu espiritual
da sua divina individualidade. Se não houvesse conflito interior, entre
o seu Lúcifer e o seu Lógos, não haveria conflitos exteriores na
família, na sociedade, nas nações, entre povos. Todos os conflitos
externos são filhos de algum conflito interno não devidamente
pacificado. Por isso, é absurdo querer abolir as guerras ou revoluções
de fora, as discórdias domésticas no lar ou no campo de batalha,
enquanto o homem não abolir primeiro o conflito dentro da sua própria
pessoa.
“O
grande tratado de paz tem de ser assinado no foro interno do Eu
individual antes de poder ser ratificado no foro externo das relações
sociais. Nunca haverá Nações Unidas, nunca haverá sociedade ou família
unida enquanto não houver indivíduo unido. Pode, quando muito, haver um
precário armistício (que quer dizer “repouso de armas”), mas não uma paz
sólida e duradoura enquanto o indivíduo estiver em guerra consigo
mesmo. Que é um armistício se não uma trégua, maior ou menor, entre duas
guerras? Paz social, segura e estável, supõe paz individual, firme e
sólida.”
“Quando
o homem é mau e desabrido com os outros é porque não tem paz interior e
sente a necessidade de descarregar o excesso da sua infelicidade —
“nervosismo”, na linguagem eufemística de cada dia — em alguém ou em
alguma coisa, e os objetos mais próximos servem de para-raios para essa
tensão do homem infeliz. Propriamente, deveria esse homem ser áspero
consigo mesmo, o principal culpado; mas, como o egoísmo não lhe permite
semelhante sinceridade, são os inocentes ou os menos culpados não raro,
até coisas e animais domésticos alvo dessa irritação do homem
intimamente desarmonizado consigo mesmo.
“Quando
o homem tolera a si mesmo, graças a uma profunda paz de consciência,
todas as coisas e pessoas do mundo são toleráveis; mas, quando o homem,
de consciência insatisfeita, não se tolera a si mesmo, nada lhe é
tolerável.
“O remédio não está em mudar os objetos, mas em corrigir o sujeito. Isto, porém, supõe uma sinceridade muito difícil e rara."
“A
paz é, pois, um atributo do ser, é algo qualitativo, algo que tem
afinidade com o EU SOU do homem. O homem que tem plena consciência do
seu divino EU SOU não tem motivo para brigar ou declarar guerra a alguém
por causa dos teres, que desunem os homens profanos. Mesmo que os
outros o tratem com injustiça por causa dos teres, o homem espiritual
sabe que todo esse mundo quantitativo do ter é pura ilusão: ninguém pode
ter algo que ele não é, só o nosso ser é realmente nosso.
“Por
isso, o homem que chegou ao conhecimento de si mesmo é invulnerável;
ninguém pode prejudicá-lo, ninguém pode ofendê-lo, ninguém pode
empobrecê-lo, ninguém lhe pode infligir perda de espécie alguma, uma
vez que ninguém pode obrigá-lo a perder o que ele é, e aquilo que ele
tem não o enriquece nem a sua perda o empobrece.
“A
paz nasce, portanto, de uma profunda sabedoria, do conhecimento da
verdade sobre si mesmo. Quem conhece essa verdade é livre de todo o
ódio, tristeza, rancor, senso de perda e frustração.”
“Uma
pessoa profundamente harmonizada em si mesma irradia harmonia ao redor
de si e satura dessa imponderável e benéfica radiação, todas as coisas.
“As
suas auras benéficas envolvem tudo em um halo de serenidade e
bem-estar, de fascinante leveza e luminosidade, que atuam,
imperceptível, porém, seguramente, sobre outras pessoas receptivas.
“O
homem que estabeleceu a paz de Deus em sua alma é um poderoso fator
para restabelecer a paz em outros indivíduos, e, através destes, na
sociedade. Não é necessário que fale muito em paz, que aduza eruditos
argumentos propace — basta que ele mesmo seja uma fonte abundante e um
veemente foco de paz.
“O
filósofo místico norte-americano Emerson disse, certa vez, a um homem
que falava muito em paz, mas não possuía paz dentro de si: “Não posso
ouvir o que dizes, porque aquilo que és troveja muito alto.”
“Quem não é pacificado dentro de si mesmo, não pode ser pacificador fora de si.”
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