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terça-feira, 4 de agosto de 2020

V I D A    E T E R N A


Como te amo, minha doce vida!

Apesar de todos os sofrimentos e desenganos, apesar de todas as agruras e amarguras, a despeito de todas as dores e dissabores, não obstante as desilusões de amigos e as perfídias de inimigos – eu te amo, eu te adoro, com todas as veras de minh’alma, ó minha doce vida humana!...

Como é bom viver!

E como seria triste não ser!...

O mais pobre do “ser” é sempre melhor que o “não ser”...

E como me horrorizava, outrora, o pensamento de que eu, algum dia, pudesse não ser...

Que milhares e milhões de sorridentes madrugadas primaveris e suaves tardes outonais pudessem rolar sobre a face da terra – sem mim!... Sem que eu fosse!... Sem que eu vivesse!...

Que alegres passarinhos pudessem cantar na verde ramagem, que paraísos de flores exalassem pelo ambiente os seus perfumes, que multicores arco-íris se arqueassem por sobre as nuvens – à minha revelia!...

Que homens e mulheres sem conta pudessem continuar a viver, a sorrir, a amar – sem que eu fosse um desses felizardos...

Como me horrorizava a perspectiva de que o derradeiro estertor do meu peito moribundo pudesse ser o ponto final da minha existência... Que o último suspiro dos meus lábios exangues fosse o definitivo adeus da minha vida... da minha doce vida humana... que as marteladas cavas sobre a tampa do meu ataúde, e o eco sinistro das últimas pazadas de terra sobre o meu caixão no fundo do túmulo aberto fossem o eterno amém desses trinta, cinquenta, oitenta anos de peregrinação terrestre...

Que depois viesse o grande silêncio... as trevas eternas... o misterioso abismo... o vácuo... o nada...

* * *

Invoquei todos os artifícios da lógica, todos os argumentos da filosofia, todas as luzes da ciência, todos os dogmas da religião, para afugentar o horripilante pesadelo, para me convencer da realidade ou, pelo menos, da possibilidade de uma vida eterna...

Pois que valor tinha a vida presente, se não havia vida futura?...

Que adiantava viver, se não havia um sempre-viver?...

Que sentido tinha essa dança macabra de poucos decênios, essa efêmera comédia terrestre, se, finalmente, tudo acabava num punhado de cinzas?...

Lancei mão de todos os argumentos tradicionais da ciência, da filosofia, da religião – mas não encontrei definitiva quietação para minha grande inquietude, minha soluçante inquietude metafísica... para a chaga viva do meu coração ávido de vida eterna...

* * *

Disse eu, então, à minha alma chagada e insatisfeita: Esquece-te dessas coisas incertas de amanhã e vive as coisas certas de hoje!

Como, bebe, goza as delícias da vida presente, de que tens plena certeza, e não penses numa problemática vida futura, de que nada se pode saber!

E lancei-me aos braços das coisas deleitáveis da vida de hoje, fechando os olhos para as possíveis ou impossíveis coisas de amanhã...

Por algum tempo cuidava eu ter afugentado o espectro macabro das cogitações de pós-morte... Por algum tempo consegui embriagar minha alma com o vinho capitoso da ignorância, do pouco caso, da indiferença, da abstração artificial, da cegueira voluntária... com uma violenta autossugestão, com uma acintosa alucinação sobre a não existência de uma vida pós-morte.

E minh’alma, temporariamente narcotizada, achou algum sossego diante de si mesma, graças a essa anestesia artificial... a esse suave clorofórmio da ignorância voluntária...

Prazeres, negócios, ambições, vaidades, sociedades, jogos, diversões, amores, ciências e artes – tantas outras brilhantes vacuidades –, tudo isso me serviu de cortina de fumaça para ocultar a meus olhos os horizontes do além... demasiadamente tristes, na sua desoladora vacuidade...

Consegui embalar, por algum tempo, a pobre criança soluçante de minh’alma insatisfeita...

Mas... quando ela acordou do violento letargo, foi imensa a sua revolta... irresistível a sua veemência... a veemência da sua natureza divina...

Como as águas de uma grande torrente, longamente represadas por muralhas graníticas, acabam, finalmente, por arrasar os diques, e se espraiam por vastas regiões em derredor – assim aconteceu com minh’alma narcotizada, quando acordou...

Em horas de profunda solidão, de silêncio, de introspecção, percebia eu, ao longe, como que um gotejar de lágrimas, como as nostalgias de um exilado, o clamor de minha alma, imagem e semelhança de Deus ...

* * *

Abandonei, então, todas as veredas antigas, todas as teorias da minha inteligência analítica, todos os sofismas do meu orgulho pessoal, todas as especulações especificamente humanas – e lancei-me, sem reserva, às águas profundas e misteriosas da Divindade... em humilde oração, em intensa meditação, em prolongada comunhão com Deus...

Numa completa e incondicional imolação do meu pequeno Eu individual na ara sagrada do Tu Universal... Numa radical emigração de mim mesmo, e numa irrevogável imigração para dentro de Deus...

E depois dessa longa odisseia de dores, depois desse lúgubre Getsêmani de agonias anônimas, depois dessa sanguinolenta via-sacra de renúncias, depois desse horroroso Gólgota de crucificações do “homem velho” – nasceu em mim o “homem novo”...

Despontou, enfim, o que eu tanto almejara, e jamais alcançara...

Despontou dentro de mim a suave aurora de uma certeza serena calma, absoluta, espontânea, da vida eterna... da imortalidade...

E veio-me essa certeza por caminhos diferentes daqueles em que eu andara.

Não como fruto de estudos e especulações teóricas, nem como a aceitação de  um dogma sectário, mas como resultado natural, como o fruto maduro de uma vida de compreensão e de amor sincero e universal para com todas as creaturas de Deus...

A certeza da imortalidade não é algo que se deva compreender – mas é algo que se deve viver, que se deve ser.

Quem não vive a vida eterna, agora e sempre, aqui e por toda parte, esse não tem certeza dessa vida gloriosa...

Quem não vive a imortalidade, vinte e quatro horas por dia, não sabe o que ela é.

A vida eterna, porém, é esta: o amor eterno e universal...

Onde ainda existe um resquício de egoísmo, de desamor, lá não impera ainda a vida eterna, a dulcíssima certeza da imortalidade...

A definitiva certeza que o verdadeiro iniciado tem da vida eterna não está em livros sacros, igrejas, dogmas, templos – por mais que essas coisas possam, por vezes, servir de meios para chegar a esse fim supremo.

A certeza da imortalidade é, para o iniciado, tão evidente, tão imediata, tão direta e tão espontânea como a própria existência terrestre.

Dúvida sobre Deus e sobre a vida eterna do homem é, para ele, tão impossível como seria a dúvida sobre si mesmo...

Sente-se imortal, sem nenhum argumento, pela certeza interna sabe que todo o universo coopera para a sua felicidade, agora e para sempre, desde que o homem fundiu a sua pequena vida individual com a grande Vida Universal da Divindade...

Quando a maior parte dos homens atingir esse grau de certeza imediata sobre a sua imortalidade, será proclamado o reino de Deus sobre a face da terra...

O reino do amor universal...

O reino da felicidade eterna...

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Colóquios com os homens - Solilóquios com Deus
UNIVERSALISMO

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