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domingo, 22 de outubro de 2017

NÃO ADIANTA FALAR SOBRE LIBERDADE A UM PRISIONEIRO



Última Parte 

Pergunta: Acredita no Comunismo, conforme compreendido pelas massas?

Krishnamurti: Não sei o que as massas compreendem, portanto não o posso explicar. Então o que é isso, afinal? Vamos olhar para isso, não do ponto de vista de qualquer “ismo”, mas do ponto de vista da condição humana comum. Como pode existir verdadeira compreensão dos povos quando se consideram Novo Zelandeses, e eu me considero um Hindu? Como podemos contactar uns com os outros? Como pode haver uma relação vital entre nós, uma compreensão humana entre nós? Ou, se nos dividirmos por rótulos, vocês denominando-se Cristãos e eu Hindu, com determinados preconceitos, dogmas, credos, como poderá haver verdadeira fraternidade? Podemos falar de tolerância, que é uma invenção intelectual para os manter onde estão e para me manter onde estou, e tentarmos ser amistosos. Isto não significa que eu esteja a falar de uniformidade; agora há uniformidade. Vocês são todos de uma crença, de um ideal, de um dogma, embora possam variar nessa prisão, pintando cada barra diferentemente; mas é uma prisão, e vocês querem preservar a vossa prisão com as suas decorações, e os Hindus querem conservar as suas prisões com as suas decorações, e tentam ser fraternos, e a esta fraternidade chama-se tolerância. Ao passo que, para mim, toda esta ideia é a própria negação da verdadeira compreensão, da unidade humana. Portanto através do processo do tempo, podem ser levados, como tantos escravos, a aceitar o Comunismo, conforme aceitam agora o Capitalismo; e nessa força de serem conduzidos, não pode haver ação voluntária, tal como agora não pode haver ação voluntária. Portanto, se aceitarem meramente qualquer um dos dois, e viverem em qualquer um dos dois, certamente que não estão a ser criativamente individuais. São apenas como cordeiros, sejam cordeiros capitalistas ou cordeiros comunistas, conduzidos pelo meio, pela situação, forçados a aceitar. Com certeza que uma coisa assim não é moral; uma coisa assim não é rica ou espiritual, verdadeira. E eu afirmo que a verdadeira condição humana só pode acontecer quando vocês, como indivíduos, fizerem estas coisas voluntariamente, porque veem nisto a necessidade, a imensa profundidade – não apenas a excitação superficial. Então haverá a possibilidade de os indivíduos viverem criativamente, completamente; não quando são conduzidos.


Pergunta: Qual considera ser a causa do desemprego?

Krishnamurti: Vocês sabem que construímos durante muitos séculos, durante muitas gerações, uma estrutura baseada na competitividade individual, na auto-segurança implacável, onde os mais espertos, os mais astuciosos, chegam ao topo, e têm todos os meios diretivos nas mãos. É óbvio. Vemos isto em todo o lado, e naturalmente, estando o mundo dividido em nacionalidades, que são a culminação dessa possessividade e da ganância dos indivíduos, naturalmente tem que haver uma distribuição desigual, e por isso, naturalmente, desemprego. Sabem, para mim, é muito simples ver isto. Talvez para vocês seja muito complicado, embora possam ser mais instruídos que eu, embora possam ter lido muito. A causa, para mim, é muito simples. Portanto o que vamos fazer? Isto é, vocês dir-me-ão: “Porque não fala das condições comuns de trabalho, porque não trabalha para a mudança das condições econômicas, então tudo estaria bem; portanto porque não concentrar toda a sua mente neste assunto específico, e depois alterá-lo?” Como posso alterar a totalidade da sociedade da qual vocês e eu fazemos parte? Como podemos alterá-la? Em primeiro lugar tendo uma atitude inteligente, e em consequência uma ação, para com a totalidade da vida. Isto é, não podem pegar no problema econômico em si e dizer, “Resolva isso, e todo o resto estará resolvido.” O problema econômico é apenas um sintoma de todo o problema humano, portanto se pudermos criar uma opinião inteligente e por isso uma ação inteligente como um todo, relativamente a todos os seres humanos, então agiremos definitivamente com respeito às condições econômicas.

Portanto sinto que o que tenho que fazer é criar uma opinião, não apenas uma opinião intelectual, mas uma opinião nascida da ação; e então, quando houver tal opinião, então, sendo inteligentes, usarão qualquer sistema, qualquer sistema inteligente para provocar uma mudança completa no sistema econômico.


Pergunta: Não acredita nem na posse nem na exploração; mas sem uma ou sem outra como poderia viajar e dar conferência ao mundo?

Krishnamurti: Dir-lhes-ei muito simplesmente: Para viver no mundo sem exploração, têm que se retirar para uma ilha deserta. Tal como é o sistema – como é agora – para viver, se viverem nesse sistema, têm que o explorar.

Compreendamos o que quero dizer com exploração. Ora, para mim, se não descobrirem por vocês próprios inteligentemente quais são as vossas necessidades, então tornam-se exploradores. Se descobrirem por vocês próprios, inteligentemente, quais são as vossas necessidades, então não são exploradores; mas isso requer muita inteligência. Em primeiro lugar, nós temos muitas coisas porque pensamos que pela posse de muitas coisas, seremos felizes. Portanto para possuir essas muitas coisas temos que explorar; ao passo que, se tiverem realmente considerado quais são as vossas necessidades essenciais, nisso não há exploração, de facto, se chegarem a pensar nisso. E eu descobri por mim quais são as minhas necessidades. No que respeita às minhas viagens, os amigos pedem-me para ir a diferentes lugares, e eu vou. Se não mo pedirem, não viajo; e mesmo que não fale ou ensine, posso perfeitamente fazer qualquer outra coisa. Agora, se eu quisesse convertê-los a todos a uma forma específica de pensamento, e se os forçasse, e recebesse fundos para o alterar – a isso chamar-se-ia exploração. Aquilo de que falo é o inevitável, quer gostem ou não, e o homem inteligente aceita inteligentemente o inevitável. Portanto não sinto que estou a explorar, e sei que não estou, nem sou possessivo.

Mais uma vez esse sentido de possessividade – para se estar realmente livre de tudo isso, tem que se estar tão alerta, tão consciente, para não se enganar a si próprio, porque no pensamento de que se está livre da possessividade pode residir muita auto-ilusão. Pensa-se tantas vezes que se é livre, mas vive-se realmente no manto da auto-ilusão. No momento em que a vossa necessidade está satisfeita, não se apegam a ela; não sentem direitos de propriedade sobre ela.


Pergunta: Ficaria surpreendido se o Cristo dos Evangelhos aparecesse de repente, para que todos o vissem?

Krishnamurti: Sabem, a mente quer milagres, ideias românticas, fenômenos sobrenaturais extraordinários. Não que não haja milagres, não que não haja fenômenos sobrenaturais; mas nós procuramo-los porque as nossas mentes e corações são tão pobres, tão vazios, tão miseráveis, tão feios, que pensamos que podemos dominar essa pobreza de espírito e de coração procurando esses milagres, correndo atrás de fenômenos, perseguindo-os. E quanto mais procurarem fenômenos e milagres, menos ricos serão, menos plenitude de mente terão, menos afeto. Quando existe plenitude de mente e coração, então haja ou não milagres ou fenômenos suprafísicos, isso terá muito pouca importância. Ora nós criamos tais divisões, tais distinções entre o físico e o suprafísico, porque o físico é tão intolerável, tão feio. Queremos fugir, e vocês seguem qualquer pessoa que os possa conduzir ao suprafísico, e chamam a isso espiritual; mas nada mais é que outra forma de autêntico materialismo grosseiro. Ao passo que a verdadeira espiritualidade consiste em viver harmoniosamente, com perfeita harmonia no vosso coração e na vossa mente, porque há compreensão, e nessa compreensão há o prazer de viver.



A Arte de Escutar - Jiddu Krishnamurti
Fonte:pensarcompulsivo

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