Translate

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

DIÁLOGO COM UM YOGUE


Yogue: A meditação é da máxima importância para mim; medito regularmente duas vezes ao dia, há mais de vinte e cinco anos. No começo era muito difícil, eu não tinha controle dos meus pensamentos e havia distrações demais; porém gradualmente consegui barrar-lhes o acesso, quase totalmente. Tenho estado com vários gurus e seguido diferentes sistemas de meditação, mas por alguma razão não me sinto satisfeito com nenhum deles. Todos eles levavam até um certo ponto, conforme o sistema, e verifiquei que estava me tornando um mero resultado do sistema. Mas graças a essas experiências, aprendi a dominar completamente meus pensamentos e minhas emoções. Pratiquei a respiração profunda, para aquietar o corpo e o espírito. Repeti a palavra sagrada e jejuei por longos períodos; moralmente procedo da maneira correta e as coisas mundanas não têm atração para mim. Mas após todos estes anos de lutas e esforços, de disciplina e renúncia, não encontrei a paz, a bem-aventurança de que nos falam as Grandes Entidades. Em raras ocasiões tenho encontrado momentos luminosos de profundo êxtase; entretanto pareço incapaz de transpassar a ilusão de minha própria mente, e nela me vejo aprisionado.

Estávamos sentados à margem de um vasto rio. A cidade era mais acima, uma curta distância dali. O sol descia atrás de nós e sombras caíam sobre a água. Era um belo e tranquilo entardecer, com massas de nuvens a leste, e o rio profundo mal parecia mover-se. A toda essa beleza ele parecia completamente alheio; estava inteiramente absorvido em seu problema.

Krishnamurti: Durante todos estes anos cessastes alguma vez de lutar pelo alvo final? Pode o processo do tempo levar ao Eterno?

Yogue: Nunca deixei de lutar por aquilo a que aspira meu coração. Não ouso parar, se parasse deterioraria. É da própria natureza das coisas subir cada vez mais, e sem a vontade, o esforço, haveria estagnação.

Krishnamurti: Pode o eu em algum tempo libertar-se da auto-escravização e suas ilusões? Não deve o eu deixar de existi, para que tenha existência o “Sem Nome”? E esse lutar constante pelo alvo final não tem apenas o efeito de dar mais força ao eu? Vós lutais pelo alvo final, outro anda atrás das coisas mundanas; vosso esforço pode ser mais nobilitante, mas é ainda um desejo de ganho, não?

Yogue: Dominei todas as paixões, todos os desejos, exceto esse, que é mais do que um desejo: é a única coisa para que vivo.

Krishnamurti: Deveis então morrer para ela também, como estais morto para outros desejos. Desejais experimentar o “Sem Nome”, mas o experimentador é sempre condicionado pela sua experiência. Se sabeis que estais experimentando Deus, então esse Deus é a projeção de vossas esperanças e ilusões.

Yogue: Quereis dizer que tudo o que construí com tanto fervor e esforço tem de ser destruído? E devo eu próprio ser o instrumento de sua destruição?

Krishnamurti: Qualquer que seja a atividade e por mais nobre que seja o alvo, todo esforço por parte do eu se conserva sempre na esfera de suas próprias lembranças e projeções, conscientes ou inconscientes. Qualquer que seja o movimento da mente, do eu, este nunca poderá libertar-se; poderá subir de um nível para outro nível, passar de uma escolha estúpida para uma escolha mais inteligente, mas seu movimento estará sempre dentro da esfera que ele próprio criou. Podeis, e deveis, estar tranquilo, sem esperança, sem aspiração, sem desejo.

Yogue: Mas no meu estado atual, que se deve fazer?

Krishnamurti: Tão grande é vossa ânsia de ir para diante, tão impaciente estais por terdes uma direção positiva, que na verdade não estais escutando.

Na manhã seguinte ele voltou. O sol começava a mostrar-se por cima das árvores. Tudo estava muito quieto, e as atividades humanas, ao longo do rio, ainda não haviam começado.

Yogue: Apesar de minha aparente impaciência e ansiedade, interiormente devo ter estado muito atento a tudo o que ontem dissestes; porque hoje de manhã despertei com um certo sentimento de liberdade e uma claridade que vêm da compreensão. Podemos continuar de onde ficamos?

Krishnamurti: Podemos considerar de maneira nova o problema. A mente está incessantemente ativa, recebendo impressões. Aprisionada que está em suas lembranças e reações, ela é um agregado de desejos e conflitos numerosos. Esta atividade psicológica do eu e do meu tem de cessar, pois tal atividade cria problemas e produz agitação e desordem. Mas qualquer esforço para cessar essa atividade resulta em maior atividade e agitação.

Yogue: Isto é verdade, já o notei. Quanto mais tentamos tornar tranquila nossa mente, tanto mais resistência se cria, e nosso esforço se consome no quebrar essa resistência.

Krishnamurti: Se estais cônscio do caráter vicioso desse círculo e reconheceis que não o podeis quebrar, então graças a esse percebimento o observador deixa de existir.

Yogue: Isso parece a coisa mais difícil do mundo – suprimir o observador. Já o tentei, mas até agora sem êxito nenhum. Como se faz isso?

Krishnamurti: Não estais ainda pensando em termos de eu e não-eu? Afinal, o pensador e seu pensamento não são dois processos diferentes, mas nós os fazemos tais, a fim de atingirmos um fim desejado. Nosso problema não é de como suprimir o observador, mas de compreender o desejo.

Yogue: Deve existir uma entidade capaz de compreender, um estado separado da ignorância.

Krishnamurti: Dizíamos que é essencial compreender o desejo. Um desejo se opõe ao outro, o desejo mais proveitoso entra em conflito com o menos proveitoso etc. Embora por muitas razões ele possa separar-se, o fato é que o desejo é um processo indivisível, não é?

Yogue: Agora que me chamais a atenção para isso, começo a sentir que de fato assim é.

Krishnamurti: O desejo pode fracionar-se em muitos impulsos opostos e em conflito entre si, mas tudo é sempre desejo. Esses impulsos concorrem para a formação do eu, com suas memórias e ansiedades, e a atividade total desse eu está limitada à esfera do desejo. Não é exato?

Yogue: Tende a bondade de continuar. Estou escutando com todo meu ser, procurando penetrar além das palavras, profundamente, e sem esforço.

Krishnamurti: Nosso problema, pois, é este: é possível a atividade do desejo cessar, sem nenhuma espécie de compulsão? Só quando isso acontece, a mente pode ficar tranquila. Se estais cônscio disso, como um fato, a atividade do desejo não cessa?

Yogue: Só por um período muito breve, depois a atividade habitual se reinicia. Como fazer cessar essa atividade? ... mas ao mesmo tempo que pergunto, vejo como é absurdo perguntar!

Krishnamurti: Sabeis como somos ávidos; queremos sempre mais e mais. A exigência da cessação do eu se torna a nova atividade do eu; porém ela é uma outra forma de desejo. Só quando a mente se acha espontaneamente tranquila, pode a “Outra Coisa”, aquilo que não é produto da mente, surgir na existência.
 
 
Fonte:http://yoga-ensinamentos.blogspot.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário