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sábado, 21 de outubro de 2017

NÃO ADIANTA FALAR SOBRE LIBERDADE A UM PRISIONEIRO


  Primeira Parte

Amigos, a maior parte das pessoas que são, pelo menos, ponderadas desejam descobrir se há alguma coisa que seja mais duradoura, na qual a vida seja mais plena, completa, e descrevem essa realidade como Deus, a verdade, ou a própria vida. 

Ora, para mim, existe uma realidade assim; uma coisa que é duradoura, completa, eterna, mas como tenho estado a dizer nas minhas duas últimas palestras, a própria busca da verdade nega-a, porque essa realidade é para ser uma descoberta, não para ser seguida. Espero que vejam a diferença. Se forem atrás da verdade, dessa realidade, têm que saber o que é, têm que ter uma ideia preconcebida, mas se a começarem a descobrir, então essa descoberta é real e não a procura da verdade, portanto quero ajudá-los antes a descobri-la e não a segui-la.

Em primeiro lugar a verdade ou essa realidade não é para ser encontrada correndo atrás dela, porque quando procuramos alguma coisa isso indica que a nossa mente, todo o nosso ser está a tentar evadir-se desse conflito em que mente e o coração estão aprisionados. Ao passo que, se nos tornarmos conscientes, conscientes dos muitos obstáculos que criamos através do medo, e então, libertarmos a mente desse medo, desses obstáculos, descobriremos o que é a vida eterna. Isto é, em vez de tentar descobrir o que é a verdade, descubramos quais são os obstáculos que criamos através do medo, e compreendendo a causa do medo e os seus muitos obstáculos descobriremos então o que é essa coisa que é indescritível.

Não adianta falar sobre liberdade a um prisioneiro, a um homem que está preso; ele saberá o que é a liberdade no momento em que sair da prisão. Mas a maior parte de nós está desejosa de descobrir o que é a liberdade antes de estar consciente do que são as prisões; e enquanto estivermos apenas à procura de liberdade, da realidade, da riqueza da vida, não podemos compreender, ela tem que ser imaginativa, irreal, conformada a partir de uma mente limitada e intencional. Ao passo que, se pudermos descobrir quais são as paredes da prisão que encerram a mente e o coração, e depois libertar a mente dos seus obstáculos, com toda a certeza, então, seremos capazes de descobrir aquilo que é.

Portanto quais são os obstáculos que criamos? Não é em primeiro lugar a autoridade nascida do medo? A mente é aprisionada por qualquer autoridade; conduzida, conformada, moldada por qualquer autoridade externa, seja uma autoridade religiosa ou social, ou então vocês desenvolveram uma autoridade interna. Sabem, em primeiro lugar aceita-se a autoridade externa, a da religião, a de um professor, a de um sistema social; e depois pensamos que rejeitamos essa autoridade externa, e desenvolvemos uma autoridade interna, uma lei interna, que é somente a reação da externa. Isto é, em vez de descobrirmos qual é a autoridade externa que estabelecemos para ser nossa guia, rejeitamo-la e pensamos que temos que descobrir uma lei para nós próprios, individualmente, e assim viver de acordo com essa lei. Isso é o que a maior parte das pessoas faz. Há uma autoridade externa, objetiva, que rejeitam ou compreendem, e desenvolvem uma autoridade interna, uma autoridade subjetiva.

Ora, para mim, a autoridade seja objetiva ou subjetiva é a mesma coisa, porque autoridade implica uma conformação, uma imitação, um controle, um condicionamento, seja imposto externamente ou pelo esforço e exercício internos. Portanto, isso, para mim, é o primeiro obstáculo. Um homem que compreende não precisa de autoridade. Só existe a percepção, e essa percepção não requer a imitação da autoridade. Espero que entendam isto. Em primeiro lugar é-se escravo de uma autoridade social, de uma autoridade religiosa, e gradualmente vocês desenvolvem pelo conflito, pelo dissabor, aquilo a que chamam uma autoridade subjetiva, e dizem, “É a minha compreensão. Tenho que obedecer a essa lei que descobri por mim mesmo.” Enquanto a mente for apenas o instrumento de obediência, certamente, uma mente assim não pode compreender. A compreensão é percepção não uma imposição, seja externamente ou internamente.

Mais uma vez, repetindo a mesma coisa de forma diferente, nós temos ideais externos que nos são impostos através da educação, através da política, através da influência social, do meio. Depois sentimos que nos confinam, que são limitativos, controladores, dominadores, que usurpam o nosso pensamento individual, portanto desenvolvemos os nossos próprios ideais – pensamos que desenvolvemos os nossos próprios ideais, crenças, aos quais tentamos conformar-nos. Foi isso que fizemos; rejeitamos o externo e estamos a obedecer a um ideal interno que estabelecemos para nós próprios, e pensamos que fizemos um tremendo progresso. 

O que fizemos foi apenas rejeitar o externo, estabelecer as nossas próprias crenças e estamos a tentar imitar, a tentar seguir essas crenças. Ora, esta ideia de seguimento, de imitação, de ser orientado, controlado, dominado, é, para mim, precisamente o primeiro obstáculo que impede a percepção clara de qualquer experiência ou aquela realização em perfeita compreensão, porque toda a nossa mente, quando está a obedecer, a ser controlada é dominada pela ideia de obtenção. Pensamos na sabedoria, na compreensão, na plenitude em termos de acumulação, não como uma infinita flexibilidade, e por isso, eterna. Aquilo que é flexível é duradouro, mas aquilo que está sobrecarregado, o resultado de muitas, muitas acumulações, e por isso susceptível de resistência, é transitório e não se pode compreender.

Receio ver pelas vossas fisionomias que há pouca compreensão do que estou a dizer. Esperem um momento, senhores; receio que ouvindo uma ou duas palestras não vão compreender o que estou a dizer. O que ocasiona a compreensão não é escutar, apenas escutar, mas antes tentar realizar na ação.

Portanto pondo as coisas de forma diferente, a mente e o coração são o resultado do meio, e então, o vosso meio controla a maneira como pensam e a maneira como sentem. Não digam: “Isso é tudo – mente? Tem que haver mais qualquer coisa, qualquer coisa que seja mais duradoura.” Eu disse que para descobrir isso vamos começar pelas coisas que conhecemos, e pelo princípio – não a partir de uma coisa misteriosa que não conhecemos, sobre a qual podemos apenas romancear. Portanto a mente e o coração, pensamento e sentimento, são o resultado do meio, e enquanto forem escravos desse meio, não pode haver compreensão; não podem pois dominar o meio, e dominar o meio é compreendê-lo.

O meio é, afinal, o sistema social e, esse sistema a que chamamos religião, feito de muitas doutrinas, crenças, dogmas, inúmeros preconceitos, a mente é escrava desse meio. Por exemplo, se dependerem da mente para a vossa subsistência, como a maior parte das pessoas depende, como toda a gente tem que depender, vocês são controlados em grande parte pelas crenças que sustentam. Suponham que são Católicos Romanos, e querem encontrar um trabalho num local Protestante, ou se são Protestantes, querem encontrar um trabalho numa instituição ou num escritório Católico Romano; se eles descobrirem as vossas crenças poderá não ser muito fácil encontrar um trabalho, portanto vocês põem as vossas crenças de lado ou aceitam momentaneamente o que os outros dizem, porque desejam ganhar dinheiro, porque têm que ter dinheiro. Através do meio externo, mentalmente, vocês estão sob controlo, portanto as vossas crenças são apenas o resultado do meio, são condicionadas pelo meio; e enquanto não deitarem abaixo o falso meio da sociedade e da religião, as vossas crenças e os vossos ideais não têm valor, porque são apenas o resultado do meio nascido do medo.


Portanto, para compreender isso que é duradouro, eterno, tem que haver conflito entre o indivíduo e o meio, e somente nesse conflito podem trespassar as paredes da limitação. Aceitamos irrefletidamente ou inconscientemente tantas condições impostas pela sociedade ou pela religião, aceitamo-las como sendo verdadeiras. Tradicionalmente a nossa mente é conduzida a um molde, e nós inconscientemente aceitamos essas coisas, e por isso somos escravos delas; e é somente pelo questionamento contínuo, pela consciência constante, que podemos libertar a mente do meio, e por consequência ser senhores do meio.
  

Krishnamurti
Fonte:pensar compulsivo 
 

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