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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

ABRINDO MÃO DO COMPLEXO 
DE 'SABE TUDO'




Pensamos compreender as coisas mediante acumulação de conhecimentos, mediante comparação. Positivamente, por essa maneira nada se compreende. Se você compara uma coisa com outra é absorvido por essa ocupação. Só se pode compreender uma coisa quando lhe aplicamos toda a nossa atenção, e, qualquer forma de comparação ou avaliação é uma distração.


Qualquer forma de conhecimento cumulativo destrói todas as possibilidades de novos descobrimentos. Se uma pessoa é capaz de estudar, de observar A SI MESMA, começa a descobrir como a memória cumulativa atua sobre todas as coisas que vê; fica a pessoa, continuamente, a avaliar, a rejeitar ou aceitar, condenar ou justificar, e, nessas condições, a sua experiência fica sempre restrita ao campo do conhecido, do condicionado.


Mas, sem a memória cumulativa, COMO DIRETRIZ, muitos de nós nos sentimos perdidos, cheios de medo, e por consequência incapacitados para observar a nós mesmos TAIS COMO SOMOS. Sempre que há esse processo de acumulação, que é cultivo da memória, a observação que fazemos de nós mesmos se torna muito superficial.


A acumulação é que é a causa do sofrimento. Nós não morremos para todas as coisas, de dia em dia, não morremos para as inumeráveis tradições, para a família, para nossas próprias experiências, nosso próprio desejo de fazer mal a outrem. Precisamos morrer para TUDO isso, de momento a momento, morrer para esta vasta memória constituída de acumulações, porque só então a mente está livre do "eu", a entidade nascida da acumulação.


Ora bem, se pudermos realmente atingir esse estado de "NÃO SABER", isso denotará um extraordinário senso de humildade; não há aí, a arrogância do saber, a resposta presunçosa, que visa a causar impressão. Quando você é capaz de dizer "não sei" — e muito poucas pessoas são capazes de tal — então, nesse estado, desaparece todo o temor, uma vez que terminou a atividade de reconhecimento, o rebuscar da memória; já não há busca nenhuma no campo do conhecido. É então que surge a coisa extraordinária.


Devo perceber que todo pensamento, por mais sutil e elevado ou por mais ignóbil e estúpido, tem suas raízes no conhecido, na memória. Se percebo isso com muita clareza, então a mente, ao ver-se na presença de um problema imenso, é capaz de dizer "NÃO SEI" — porque não tem resposta alguma, guardada na memória. Então, todas as respostas do Buda, do Cristo, dos Mestres, dos GURUS, nada significam; porque, se alguma coisa significam, esta significação provém da coleção de lembranças que constituem o meu condicionamento.


Se, pois, percebo a verdade de tudo isso, e ponho de lado, decididamente, todas as respostas, o que só posso fazer quando possuo essa imensa humildade do "NÃO SABER", qual é então o estado da mente? Qual é o estado da mente que diz: "Não sei se há Deus, se existe o Amor" — isto é, da mente que nenhuma resposta tem, tirada da memória? Por favor, não responda a esta pergunta já, para si mesmo, porque se assim o fizer a resposta será apenas o reconhecimento do que pensa que esse estado deve ser ou não ser. Se você diz "É um estado de negação, nesse caso você o está comparando com algo que já sabe e, por conseguinte, é inexistente, em você, o estado de "NÃO SABER".


Assim, pois, a mente que é capaz de dizer "NÃO SEI", acha-se no único estado em que é possível descobrir alguma coisa. Mas o homem que diz "SEI", o homem que estuda todas as variedades da experiência humana, cuja mente está carregada de um saber enciclopédico, poderá esse homem, em algum tempo, experimentar algo que não é acumulável? Ele verá que isso é dificílimo. Quando a mente afasta de si todo o saber que adquiriu, quando para ela não existem nem Budas, nem Cristos, nem Mestres, nem instrutores, religiões, citações; quando está absolutamente SÓ, não contaminada — o que significa que cessou o movimento do conhecido — é só então que se apresenta a possibilidade de uma tremenda revolução, uma transformação fundamental. Essa transformação é obviamente necessária; e só aqueles poucos — você, ou eu, ou X — que fizerem nascer em si mesmos esta revolução, são capazes de criar um mundo novo, e não os idealistas, ou intelectuais, os homens de imenso saber, ou aqueles que estão a praticar boas obras; não serão estes que criarão o Novo Mundo. Eles são só reformadores. O homem religioso é aquele que não pertence a religião nenhuma, nenhuma nação, nenhuma raça, aquele que interiormente está completamente só, num estado de "NÃO SABER"; e para ele é que está reservada a benção do Sagrado.


 
 
Jiddu Krishnamurti


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