SER INTELECTUAL OU SER EMOTIVO É UM TANTO ESTÚPIDO
Vocês podem olhar para os seus deuses, seus prazeres favoritos, seus
sentimentos de nobreza, de espiritualidade, etc. — despojados da
palavra? Isso é dificílimo, e são muito poucos os que se sentem
dispostos a olhar assim. Esse VER é total, porque já não está associado
com a palavra e as lembranças, os sentimentos que a palavra evoca. Desse
modo, o ver uma coisa totalmente significa que não existe divisão, que
não há reação ao que se está vendo: há, apenas, VER. E a percepção do
fato em si provoca uma série de ações dissociadas da palavra, da
memória, das opiniões e ideias. Isso não é uma façanha intelectual,
embora o pareça. Ser intelectual ou ser emotivo é um tanto estúpido. Mas
o ver o medo totalmente liberta a mente do medo.
Ora, nunca vemos uma coisa totalmente, porque estamos sempre olhando as
coisas com o intelecto. Isso não significa que não se deva fazer uso do
intelecto; ao contrário, temos de fazer uso do intelecto em sua
capacidade máxima. Mas a função do intelecto é fracionar as coisas; foi
ele educado para observar por partes, não totalmente. Estar inteiramente
cônscio do mundo, da Terra, isso não implica nenhum senso de
nacionalidade, nem tradições, nem deuses, nem igrejas, nem repartição
das terras, nem divisão da Terra em mapas coloridos. E ver a humanidade
como constituída de entes humanos não significa segregá-los em europeus,
americanos, russos, chineses ou indianos. Mas o intelecto recusa-se a
ver totalmente a Terra e o homem que a habita, porque o intelecto foi
condicionado através de séculos de educação, tradição e propaganda.
Assim o intelecto com todos os seus hábitos mecânicos, seus instintos
animais, seu impulso para permanecer em segurança, protegido, jamais
pode ver coisa alguma em sua totalidade. Entretanto, é o intelecto que
nos domina; é o intelecto que está sempre funcionando.
Por favor, não saltem logo para a ideia de que deve haver algo além do
intelecto, de que em nós deve habitar um espírito, com o qual devemos
entrar em contato, e outros absurdos de igual espécie. Estou caminhando
passo a passo; assim, tende a bondade de seguir-me, se o desejarem.
O intelecto, pois, foi condicionado — pelo hábito, pela propaganda, pela
educação, por todas as influências diárias, pela insignificância da
vida e por seu próprio e incessante tagarelar. E é com esse intelecto
que olhamos. Esse intelecto, ao escutar o que se diz, ao contemplar uma
árvore, um quadro, ao ler um poema ou ouvir um concerto, , é sempre
fracionário; sempre reage em termos de "gosto" e "não gosto", em termos
de vantagens ou desvantagens. A função do intelecto é reagir e, se assim
não fosse, seríamos destruídos da noite para o dia. É, portanto, o
intelecto, com todas as suas reações, lembranças, impulsos e compulsões —
tanto conscientes como inconscientes — que olha, vê escuta e sente.
Mas o intelecto, sendo em si, parcial, produto do tempo e do espaço, da
educação — conforme já descrevemos — não pode ver totalmente. Está
sempre comparando, julgando, avaliando. Mas a função do intelecto é
reagir, avaliar; por conseguinte, para poder ver as coisas totalmente, o
intelecto tem de suspender sua atividade. Espero que esteja me
explicando claramente.
Deste modo, o percebimento total de uma coisa só pode ser verificada
quando o intelecto é altamente receptivo à razão, à dúvida, à indagação,
mas ao mesmo tempo reconhece as limitações do raciocinar, do duvidar,
do indagar e, portanto, não permite a si mesmo interferir no que está
vendo. Se desejam realmente descobrir algo que seja mais do que produto
do intelecto, este deve em primeiro lugar alcançar os seus limites,
interrogando, argumentando, examinando, desejando descobrir e conhecer
sua existência limitada, parcial; e essa própria existência , esse
conhecer da limitação, aquieta a mente, o intelecto. Há então a visão
total.
Quando se puder ver a totalidade da ordem — com todas as implicações que
já examinamos — ver-se-á surgir, dessa compreensão total, uma qualidade
inteiramente diferente. Por certo, só poderá apresentar-se a ordem
correta com a destruição da mente que exige ordem para sua própria satisfação e segurança. Depois
de o intelecto despedaçar tudo o que ele próprio criou, de destruir o
solo em que cultiva toda espécie de fantasias, ilusões, desejos, então surgirá, em consequência dessa destruição, uma amor que criará sua ordem própria ordem.
Krishnamurti
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