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quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

ENCONTRO COM O ETERNO


Quero falar desta vida que existe manifestada em cada um de vós, que transcende todas as divisões de nacionalidade, de classe e de religião; dessa vida que, por ser essencialmente livre está sempre se esforçando para realizar a liberdade; a vida na qual não existe separação; que é ela própria a realidade última, íntegra e eterna. É com esta vida que me preocupo e de como ela pode ser liberta, afim de que venha a funcionar espontaneamente e a ser estabelecida na beatitude perdurável. 
 
Digo beatitude, porque a felicidade é a verdadeira consumação da vida, a mais alta realidade atingível por um homem. Ao falar de tal felicidade, não estou dependendo de teoria alguma. Falo-vos do que sei e digo-vos de meu próprio conhecimento que, quando houverdes chegado a esse estágio por vos haverdes despojado de toda ilusão, então sereis todas as coisas, tornar-vos-eis uno com toda a humana consecução, esteja ela no futuro ou no passado. Quando houverdes liberto essa vida dentro de vós mesmos, tereis estabelecido essa verdade que é felicidade.

A vida é um processo de desenvolvimento contínuo por meio da escolha; e é assim, quer se seja jovem ou velho. A juventude e a velhice — ambas têm suas ilusões. Os velhos possuem as ilusões das superstições ocultas, nas quais tomam refúgio para escapar ao conflito com a vida. Os jovens de hoje, frequentemente, não têm crença alguma; revoltam-se contra todas as ortodoxias. Porém esta revolta pode, ela própria, ser uma ilusão, pois que é,
muito frequentemente somente uma auto concessão oculta. 
 
A ortodoxia de qualquer espécie implica disciplina; e a revolta contra a autoridade pode ser simplesmente a revolta contra este estado de coisas. De modo que, tanto os jovens como os velhos têm suas ilusões peculiares — encontrando-se as dos velhos no conforto da superstição e a dos jovens no conforto da descrença. No velho isto conduz à estagnação, ao jovem à revolta sem objetivo. Quando houverdes ferido a raiz da ilusão por meio da escolha e do esforço, estareis libertando essa vida que é a verdade. Não se trata de atingir algo; trata-se de libertar a vida que já ali está. Libertando a vida de ilusões vós a habilitais a funcionar livremente através de vós, e assim tereis estabelecido em vós próprios essa serenidade de pensamento e pureza de emoções que fazem parte da liberdade da vida. 
 
Para ferirdes a raiz da ilusão, necessitais primeiro de saber o que vem a ser essa raiz. Esta é o desejo. Apercebei-vos do que são os vossos secretos desejos e tereis conhecido, então, o que cria as vossas ilusões. Buscai somente desejar com veracidade — isto é, desejar do ponto de vista da vida universal, não da vida separada. Quando puderdes fazer isto, tereis atingido a espécie de desejo que não acalenta ilusões.

Buscar alcançar a verdade mediante a morte do desejo é o mesmo que destruir as raízes de uma árvore e ao mesmo tempo esperar que ela dê frescas sombras, fragrância e folhas verdes. Se destruirdes o desejo, vosso crescimento como seres humanos, será destruído. O problema é manter e intensificar o desejo, ao mesmo tempo que se impeça de tomar satisfação na ilusão. Uma vez que possais levar isto a efeito, então vosso desejo estará liberto. 
 
Na maioria das pessoas existe conflito entre o desejo e os meios de auto realização que lhe impõem, e assim, em vez do desejo terminar pela felicidade — como o deveria — termina pela tristeza. E quando isto acontece, o desejo imediatamente busca o conforto.  Isto é, atemorizado pela sua própria eclosão, busca refúgio contra si mesmo e por esta maneira estabelece um ilusório padrão de espiritualidade.  Com um tal padrão quase todos se sentem contentes, não se apercebendo que ele não conduz à consumação da vida, sim, porém, à negação dessa própria consumação. A espiritualidade que flui da vida evidencia-se a si mesma na conduta. Onde a espiritualidade for apenas um fugir à vida, há sempre conflito entre ela e a conduta.

Há três estágios na evolução do desejo. No primeiro estágio o homem pensa que será feliz se construir casa, se tiver automóvel, livros, dinheiro. Não condeno esse estágio — é uma tentativa primária natural, o formular de anseio verdadeiro que a pessoa com ele relacionada não compreende ainda. O que ela realmente está buscando é uma beleza e uma felicidade que são impessoais; não se apercebe disso, porém, muito naturalmente interpreta-o como a busca das posses individuais. Uma tal busca, porém, implica inveja, cobiça, ódio e exploração dos outros, pois que tem que ser obtido o que se tem em vista, à custa de outrem, e sendo desta natureza, tem que cedo ou tarde trazer a desilusão. 
 
Tempo há de vir em que o homem descobrirá que a felicidade jamais pode ser alcançada por meio da posse de bens; e quando se apercebe disto, vulgarmente entra no segundo estágio do desejo, a transferência da ânsia de posses para o reino de coisas mais sutis. Aí o desejo toma a forma de apego aos confortos espirituais que o projetam contra os conflitos da existência. E como desejou a riqueza, etc., para protege-lo contra a luta da existência física, assim procura agora os guias, os gurus, as autoridades, a fim de esquivar-se ao conflito em um nível superior. Isto, porém, por seu turno, tem que evidenciar-se como ilusório, pois que a única maneira de escapar ao conflito é a conquista. 
 
E assim, o segundo estágio do desejo é também abandonado e o indivíduo entra no terceiro. (Por favor, recordai-vos de que estes estágios não são divisões reais. A vida em si mesma não pode ser subdividida desta maneira. É por simples conveniência que falo deste modo.) O terceiro estágio parece, a princípio, semelhante à pura negação, pois que representa o abandono de todas as tentativas para encontrar a felicidade em tudo que estiver fora de nós mesmos — seja nos confortos físicos exteriores, seja no conforto espiritual exterior representado pelos Mestres e instrutores. Se, porém, realmente tivermos a coragem de entrar nele, verificaremos ser ele positivo, não negativo. Eliminar todo o desejo de auxílio exterior é libertar o verdadeiro desejo que é o de auxílio que somente pode ser encontrado dentro de nós mesmos. Isto é o que realmente estamos buscando a todo o instante, porém sem o sabermos. É o verdadeiro e real significado da busca de auxílio externo. Quando o desejo é assim posto em liberdade, a própria vida se liberta. Pois um tal desejo nada mais é do que  vida. O verdadeiro desejo é PURO SER, é a mais alta verdade, a mais elevada espiritualidade, o absoluto. É o entrelaçamento do amor e da intuição, é Deus, é todas as coisas.

Para libertardes vossos desejos, portanto, precisais primeiro, ver claramente a espécie de satisfação que eles exigem, e depois colocar à prova esta satisfação à luz da intuição; isto é, verificai que valor isso tem em relação com o PURO SER. Então, seguramente, averiguareis que não pode haver verdadeira interpretação do desejo que faça a sua satisfação depender de outrem. Somente em vós e por meio de vós mesmos podereis realizar o PURO SER, de modo que é somente por meio de vossos próprios esforços, pela vossa continua escolha e atingimento, que podeis alcançar a real consumação do desejo — essa consumação por via da qual a vida, manifestando-se como desejo, realmente anseia.

Existe somente um meio de prova para todas as vossas ideias e emoções e esta é o verificar se elas pertencem ao mundo do eterno; mas a aplicação desta prova significa que deveis pensar e sentir por vós mesmos, o que é a última das coisas que todos desejam efetuar.  Tendes que possuir uma visão independente da vida; vosso pensamento deve ser original, não meramente mecânico. A chave para a mais alta realidade é a independência — independência de pensamento, de ação e sentimento. 
 
Por difícil que isto seja deveis coloca-lo em prática sem a isso vos esquivardes. Crescer é lutar e aquilo pelo qual tendes que lutar não é algo de negativo com o vosso eu separado, nem se trata de cultivar isoladamente esta ou aquela qualidade especial. É simplesmente o libertar da vida. A pergunta a fazer é esta: Flui ele por impulso espontâneo interno, de nada dependendo além de si mesmo? Somente por esta maneira é a mais alta realidade atingida. Tudo mais respira desordem, confusão e tristeza. É confinar a vida dentro de gaiolas, ou, melhor ainda, substituir uma gaiola por outra.

Assim, o homem feliz é aquele que encontrou sua própria verdade — não a verdade de outrem — o homem que segue a voz de sua própria intuição que é a Voz do Eterno dentro dele.   


 
Krishnamurti
 
 
 
O que estou desejando "flui ele por impulso espontâneo interno, de nada dependendo além de si mesmo"? Ou serve apenas para completar o conforto que anseio pelos bens materiais ou apegos abstratos? O que desejamos é o que nos tornamos. KK



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