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terça-feira, 20 de dezembro de 2016

DEUS EM TUDO – E TUDO EM DEUS


Disseram-me, um dia, Senhor, que tu eras o creador de todas as coisas –
E eu me abrasei no desejo de encontrar-te...
Pois, se tão belas eram as creaturas que eu conhecia – quão formoso devia ser o Creador que eu desconhecia!
 

Se tão suaves eram as doçuras do Aquém – quão inebriantes deviam ser as delícias do Além!
Se tão luminosas eram as luzes que meus olhos contemplavam – quão extasiantes deviam ser os fulgores que minha alma adivinhava!
 

* * *
 

Encetei a minha grande peregrinação,
Em busca do Creador das creaturas...
Em busca do misterioso Númeno
Para além de todos os fenômenos...
Em busca da ignota Nascente
Donde brotavam as águas do mundo...
Devassei todas as escuridões,
E todas as penumbras,
Para encontrar a Luz...
Perlustrei todos os desertos do mundo
Para encontrar o suspirado Oásis...
Levantei todas as pedras da terra
Para ver-te surgir debaixo delas, Senhor...
Interroguei florestas e mares,
Átomos e astros,
O silêncio das noites sagradas
E o ruído dos dias profanos –
Em demanda de ti, misteriosa Deidade...
E não te encontrei,
Em parte alguma,
Para além ou por detrás,
Por cima ou por baixo
Das tuas creaturas...
E meus inimigos zombavam de mim,
E meus amigos tinham pena de mim...
Ninguém compreendia a fome do meu espírito...
Todos estavam satisfeitos consigo –
Só eu estava insatisfeito comigo,
Enfastiado de mim,
Porque faminto de ti, Senhor...
Quase que sucumbi ao desânimo,
No meio dessa busca infrutífera...
Eu, o desertar dos finitos,
Eu, o bandeirante do Infinito...
Eu, tão chagado de mim mesmo
E tão sofrido de ti,
Meu Amor longínquo.
Meu Deus anônimo...
 

* * *
 

Desabou então sobre mim atroz sofrimento –
O sofrimento metafísico da minha insuficiência...
Do meu potente querer – e do meu impotente poder...
Convulsionou-me a agonia da parturição espiritual...
Fui batizado num batismo de sangue...
Reduzido a cinzas num incêndio redentor...
Submergi num dilúvio de lágrimas...
Abismei-me numa noite sem estrelas...
Afoguei-me num pélago de inominável amargura...
 

..........................................................

E emergi da tétrica escuridão
Dotado de estranha clarividência,
Da ultravidência do “terceiro céu”...
E foi então que fiz a mais estupenda descoberta:
Verifiquei, Senhor, que tu não estás para além das creaturas,
Mas habitas em todos os seres...
Não! Não habitas nos seres do teu mundo!
Tu és a íntima Essência de todas as Existências.
Tu és a única Realidade
Em todas as Facticidades...
O que lá fora parece haver
São apenas efeitos realizados
Da tua única Causa Real...
São reflexos multicores
Da tua Luz incolor...
São esvaídos ecos
Da tua Voz única e universal...
Tu és o único SER, o grande EU SOU –
Os mundos são apenas fugaz existir,
Ondas que sobem e descem em teu vasto Oceano...
Os teus mundos existem porque tu ÉS –
Se tu não fosses, nada existiria...
Tu és o que és em ti mesmo,
Em tua eterna Deidade –
E tu és também o que existe por ti,
Por tua potência creadora.
Transcendente em teu infinito SER,
Imanente em teus finitos existires
Tu és o eterno SER
Presente em todos os efêmeros existires...
Infinito e eterno em tua Transcendência,
Finito e temporário em tuas Imanências...
Em todos os existires visíveis
Contemplo o teu SER invisível...
Todas as coisas que existem são como pensamentos imanentes em ti.
Ó grande Pensador Transcendente!
Tu és a grande Voz Infinita
E teus mundos são tênues ecos finitos...
 

* * *
 

Desde que fiz essa grande descoberta,
Tive sossego diante de mim mesmo.
Dentro de mim mesmo...
Deixei de procurar-te fora de mim.
E fora das coisas –
Desde que te descobri em mim
E em todas as creaturas...
O Universo é tua imensa catedral
E cada creatura é teu altar...
Descobri que todas as tuas creaturas são belas e amáveis,
Porque são vislumbres da tua luz, da tua vida, do teu amor...
E a experiência mística da tua única Paternidade
Despertou em mim a vivência ética da universal Fraternidade...
Desde que te encontrei em todos os seres,
Encontrei-me em todas as creaturas,
Humanas e infra-humanas...
Eu estou em todas elas,
Todas elas estão em mim,
Porque tu estás em mim,
E eu estou em ti, meu Deus!...
Vejo meus irmãos menores no mundo mineral, vegetal, animal...
Vejo meus irmãos iguais no mundo dos homens...
Depois que fiz as pazes contigo, Senhor,
Fiz as pazes com todos os teus filhos, meus irmãos...
Demo-nos as mãos uns aos outros,
Numa confraternização universal...
E convidamos nosso grande irmão, Francisco de Assis,
Para assistir ao nosso noivado cósmico...
E houve grande solenidade
Na imensa catedral do Universo...
Celebramos as nossas núpcias místicas
No coração de cada creatura –
Ó Deus transcendente a tudo!
Ó Deus imanente em tudo!...




Huberto Rohden, em A VOZ DO SILÊNCIO

 

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