AS QUATRO NOBRES VERDADES
Ensinamentos Fundamentais do Budismo
A Primeira Nobre Verdade nos lembra da existência cíclica de sofrimentos e renascimentos sem fim, que os budistas chamam da Roda da Vida ou Samsara.
Buda revela que tudo no mundo encerra uma possibilidade de causar
sofrimento. 'Nascer é sofrer, envelhecer é sofrer, morrer é sofrer,
estar unido com aquilo de que não gostamos é sofrer, separarmo-nos
daquilo que amamos é sofrer, não conseguir o que queremos é sofrer'.
Para o budismo, todo esse sofrimento ultrapassa o mero desconforto
físico e psicológico ao manchar a existência como um todo. Buda, no
entanto, não negou a felicidade mundana, mas reconheceu que não podemos
ter a expectativa de que ela dure — esse tipo de felicidade é
impermanente, insatisfatório e sem essência. Buda diagnosticou esta
insatisfação como uma doença que atinge todos os seres sencientes. A
tarefa da primeira nobre verdade é que o sofrimento deve ser
completamente entendido.
Em seus sermões, Buda lembrou diversos acontecimentos
corriqueiros de nossas vidas, que para nós são sofrimento, na medida em
que não estamos conscientes de como as coisas atuam e não somos senhores
de nós mesmos, parte devido a condicionamentos automatizados, parte à
ignorância intrínseca que todos temos.
A Primeira Nobre Verdade é esta
tomada de consciência; é somente a porta de entrada para a mensagem de
que há uma saída para nossos problemas.
A Nobre Verdade da Causa do Sofrimento (sânsc. e páli Samudaya)
"Sofremos, não porque somos
basicamente maus ou porque merecemos ser punidos, mas por causa de três
trágicos mal-entendidos. Primeiro, esperamos que aquilo que está em
constante mudança seja previsível e possa ser aprisionado. [...] Em
segundo lugar, procedemos como se fôssemos separados de todo o resto,
como se fôssemos uma identidade permanente, quando, na verdade, nossa
situação é 'sem ego'. [...] Em terceiro lugar, procuramos a felicidade
sempre nos lugares errados. O Buda chamou esse hábito de 'confundir
sofrimento com felicidade', como uma mariposa que voa para a chama."(Pema Chödrön, Os Lugares Que Nos Assustam)
Na segunda nobre verdade, Buda ensina que o sofrimento
não surge 'por acaso', nem é um castigo imposto por um 'ser superior'
em decorrência de nossos 'pecados'. Sua origem não está em coisas
externas como a sociedade, a política e a economia; estas são causas
secundárias, reflexos externos de nossas delusões internas. Para Buda, o
sofrimento é causado pelo apego ao desejo e ao intenso 'querer' do ser
humano, a sede de prazeres físicos, uma ânsia que nunca pode ser
plenamente saciada e que, portanto, sempre irá provocar um sentimento de
desprazer. O desejo deludido faz com que nos apeguemos à falsa ideia de
um 'eu' ou 'ego', que possui grande apego por felicidade, ganhos,
elogios e fama - e não consegue mantê-los – e uma aversão pela tristeza,
perdas, críticas e difamação – e nem sempre consegue evitá-las.
Para
Buda, até mesmo o desejo de sobrevivência do ser humano contribui para
manter o sofrimento. Enquanto ele se apegar à vida – e continuar
acreditando que tem uma alma -, irá perceber o mundo como sofrimento. O
desejo de não existir também causa dor e confirma a ilusão da existência
de um ego, pois é baseado na sua existência que a pessoa, frustrada e
cansada, deseja aniquilá-lo ou paralisá-lo.
Para o budismo não há nada de errado em ter prazer ou
desejos. O erro é nos subjugarmos a eles através do apego, e em vez de
sermos senhores de nossa situação, sermos apenas escravos deste
apego/aversão.
Por exemplo: ao obtermos algo que desejamos ficamos
felizes. A realização daquele desejo, preenchendo-o e finalizando-o é a
experiência da felicidade. Pela lei da impermanência, esta experiência
tem um fim, e pelo apego gerado desejamos reviver aquela felicidade. Só
que este desejo pedindo imediata satisfação cria tensão, angústia,
medos. Ficamos presos então a uma roda viva de
desejos-satisfação-apego-aversão-outro desejo.
Algumas emoções negativas que causam sofrimento:
. desejo, cobiça, ambição, luxúria, avareza, ganância ou apego (sânsc. kama-raga, páli lobha);
. raiva, ódio, cólera, agressão, má-vontade ou aversão (sânsc. dvesha, páli dosa);
. ignorância, confusão, dúvida, ilusão ou delusão (sânsc. avidya, páli moha).
"O 'querer' sábio não pode dar
origem ao apego. Desta forma, não há apego ao conceito ilusório de 'eu'
ou 'meu' e não há a existência do 'ego', nem nascimento do 'ego'. Não há
'ego', nem 'eu' ou 'meu' a surgir. Nada pode, desta maneira, entrar em
contato com o 'eu', pois sem 'eu' não há problema algum na mente."
(Achaan Budadasa, A Causa do Sofrimento na Perspectiva Buddhista)
"Naquele que é caridoso a virtude
crescerá. Naquele que domina a si próprio nenhuma cólera poderá
aparecer. O homem justo rejeita toda maldade. Pela extirpação da
concupiscência, do ódio e de toda ilusão, tu atingirás o Nirvana"
(O Buda, Mahaparinibbana Sutta)
A Terceira Nobre Verdade é que o sofrimento pode ser levado ao fim. Em termos budistas, isto só é possível quando o desejo cessa. Para isso, a ignorância do homem deve
ser enfrentada, pois ela é a causadora do desejo. O homem não se liberta
sem desenvolver em si o afloramento da Sabedoria interior, do Amor e da
Compaixão, itens imprescindíveis para a nossa sobrevivência, ensinados
por Buda. A total cessação do sofrimento também é conhecida como a liberação (sânsc. Nirvana, páli Nibbana). A tarefa da terceira nobre verdade é que a cessação deve ser completamente realizada.
Nirvana: palavra de conhecimento mundial, mas cujos significados verdadeiros
são amplamente desconhecidos. Em sânscrito, 'Nir' é 'não', e 'vana' é
'cordão'; assim Nirvana pode ser traduzido como 'não estar preso', ou
'estar liberto' (da tirania do ego, da ignorância, da ilusão e da dor).
No budismo, o Nirvana é um estado do ser, e não um lugar ou 'paraíso', e
pode ser alcançado por todos que renunciam ao 'eu' e ao apego. É um
estado de paz e alegria sem limites. Algo eterno, fora do sofrimento.
Aquele que atinge o Nirvana não se arrepende do passado nem se preocupa
com o futuro; vive o momento presente e está livre da ignorância, dos
desejos egoístas, do ódio, da vaidade, do orgulho. Torna-se um ser puro,
meigo, cheio de Amor Universal, Compaixão, bondade, simpatia,
compreensão e tolerância. Presta serviço aos outros com a maior pureza,
não procura lucro, nem acumula coisa alguma, nem mesmo bens espirituais,
pois está liberto do desejo de vir a ser alguma coisa.
Buda atingiu o
Nirvana em vida, aos 35 anos, quando a pessoa 'Gautama Siddhartha'
morria para dar lugar ao Iluminado. Segundo textos budistas, ele renasceu 547 vezes antes de finalmente chegar lá.
A Nobre Verdade do caminho que leva à Cessação do Sofrimento (sânsc. marga, páli magga)
"[Buda] nos ensinou o caminho do
meio; a não sermos muito rígidos, nem muito relaxados; a não ir nem a um
extremo, nem a outro. [...] Trilhar o caminho do meio faz surgir
condições que conduzem ao estudo e prática, bem como ao sucesso em
colocar um fim ao sofrimento. A expressão 'caminho do meio' pode ser
aplicada genericamente em muitas situações variadas. Não é possível você
se enganar. O caminho do meio consiste em seguir o meio dourado.
Conhecer as causas, conhecer os efeitos, conhecer a si mesmo, conhecer
quanto é suficiente, conhecer o tempo apropriado, conhecer os
indivíduos, conhecer os grupos de pessoas: estas sete nobres virtudes
constituem o caminho do meio."
(Achaan Budadasa, 48 Respostas sobre Buddhismo)
A Quarta Nobre Verdade consiste na base de todo
treinamento budista. Indica o Caminho a tomar para a cessação do
sofrimento e do renascimento: o Nobre Senda Óctupla, Caminho do Meio ou O caminho das Oito Vias.
Com base em sua própria existência, Buda acreditava
que o homem deve evitar os extremos da vida. Não se deve viver nem no
prazer extravagante, nem na autonegação exagerada. Ambos os extremos
acorrentam o homem ao mundo e, assim, à 'roda da vida'. Todo budista
deverá aplicar o esforço correto para trilhar o caminho do meio, ficando
longe de radicalismos, de pontos de vistas extremos e errôneos, vivendo
conforme o conselho de Buda: se esticarmos demais as cordas do violão
elas arrebentarão, e se as deixarmos frouxas, elas não produzirão o som
adequado. O ideal está no meio-termo, na medida correta das coisas.
Assim, cada budista deverá descobrir qual é o seu 'Caminho do meio'.
O caminho para dar fim ao sofrimento é o 'caminho do
meio', e Buda o descreveu em três áreas simultâneas e complementares
(Vida ética, Concentração e Sabedoria), que juntas reúnem oito partes:
(1) Compreensão Correta ou Completa; (2) Pensamento Correto; (3) Palavra
Correta; (4) Ação Correta; (5) Meio de Vida Correto; (6) Esforço
Correto; (7) Conscientização Completa ou Correta; e (8) Concentração
Correta.
O símbolo universal budista da Roda, a Roda da Lei
- que se opõe à Roda da Vida de ignorância e sofrimentos - é composta
por oito fatores, representados pelos oito raios da Roda. Cada Raio
representa um fator que nós todos temos funcionando em nossas vidas
diárias, só que de forma incompleta, parcial, obscura ou errônea.
Budismo busca colocar estes oito fatores funcionando em nossas vidas em
seu lado pleno.
Compreensão Correta ou Completa e Pensamento Correto
Busca da Sabedoria, libertando o homem da ignorância que o mantém
na roda da vida. O homem deve construir sua compreensão sobre como o
mundo funciona, lutar contra o desejo, evitar sentimentos de que causam o
sofrimento, como ódio e luxúria, e olhar o Buda como um ideal.
Palavra Correta, Ação Correta e Meio de Vida Correto
Código de ética do budismo. O homem deve parar com mentiras e
intrigas, e falar com o seu semelhante de forma verdadeira e carinhosa.
Ficar em silêncio quando necessário. Deve seguir os cinco mandamentos
(não matar nenhum ser vivo, não roubar, não ser sexualmente promíscuo,
não mentir e não tomar estimulantes). Escolher um trabalho que não
contrarie esse mandamentos. Por exemplo, embora o budista possa comer
carne, não pode ser açougueiro.
Esforço Correto, Conscientização Completa ou Correta e Concentração Correta
Maneira como o ser humano pode melhorar a si mesmo. O budista deve
evitar pensamentos ou estados de espírito destrutivos, e se já
existirem, devem expulsá-los. Deve praticar a auto contemplação para
obter pleno controle do seu corpo e de sua mente. Uma vez conseguido
isto, ele estará pronto para iniciar a meditação. Através dela, o
budista pode atingir a plena iluminação, libertando-se da lei do carma. O
budista se torna então um arhat (isto é, 'venerável'), o que significa que não irá mais renascer. E quando morrer, atingirá o eterno nirvana.
"Às vezes os ensinamentos podem
parecer pouco práticos. Você pode dizer, 'Tudo bem, entendi tudo, mas
tenho um pequeno problema: hoje é dia 18 e no dia 20 tenho de saldar uma
conta. O que vou fazer? Explicar ao gerente do banco o nobre caminho
óctuplo? Ele pode até compreender, mas não vai poder me ajudar...' [...]
Podemos manipular coisas, dar jeitinhos, mas existe um limite. Quando
manipulamos, o ensinamento buddhista diz: isso não é liberação, isso é o
modo de agir na roda da vida, mas a efetividade dessa ação não passa de
um certo ponto. Em um determinado momento, vamos ter mesmo de passar
pelas piores circunstâncias. Quando isso acontece, surge a possibilidade
de liberação, como ocorreu com o Buda, a revelação da natureza
ilimitada que está além da roda da vida. O ensinamento buddhista não diz
que você vai se livrar das dificuldades. O budismo ensina que, no meio
das dificuldades, sua natureza última não entra em sofrimento, não pode
ser afetada. Esse é o ensinamento mais sutil sobre crise. No budismo
dizemos que sofrimento e alegria têm a mesma face quando contemplados a
partir da natureza última. Na natureza última não é corrompida na
alegria e não entre em crise no sofrimento."
Padma Samten, Meditando a Vida
Fonte: http://revistaepoca.globo.com
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