SOBRE A SOLIDÃO
"Talvez algum dia a solidão venha a ser adequadamente reconhecida e apreciada
como mestra da personalidade.
Há muito que os orientais o sabem".
(Albert Einstein)
Acredito que a maioria de nós sabe o que é ser solitário. Conhecemos
esse estado quando todos os relacionamentos foram cortados, quando nem o
passado e nem o futuro têm sentido, quando há uma completa sensação de
isolamento. Ainda que você esteja com um grande número de pessoas, num
ônibus cheio, ou simplesmente sentado ao lado do seu amigo, do seu
marido ou da sua mulher, essa onda subitamente passa por você, essa
sensação de incrível vazio, um abismo, um vácuo. E a reação instintiva é
fugir dela.
Para isso você liga o rádio, conversa, ou se filia a determinada
sociedade, ou prega sobre Deus, sobre a verdade, o amor e tudo o mais.
Você pode escapar através de Deus, ou através do cinema; todos os modos
de escape são o mesmo. E a reação é o medo desse completo senso de
isolamento e de fuga. Você conhece todos os meios de fuga através do
nacionalismo, da pátria, dos filhos, do seu nome, da sua propriedade, em
nome dos quais você está disposto a lutar, a brigar, a morrer.
Entretanto, se verificar que todos os meios de fuga são o mesmo, e se
você realmente percebe o significado de escapar, você pode ainda assim
escapar? Ou melhor, existe fuga? E se você não estiver fugindo, haverá
ainda conflito? Você compreende? É a fuga daquilo “que é”; é o desejo de
atingir algo diferente daquilo “que é” que acaba criando o conflito.
Assim, para que a mente possa ir além desse senso de solidão, desse
súbito cessar de toda lembrança de qualquer relacionamento, onde se
inclui a inveja, o ciúme, o desejo de aquisição, a tentativa de ser
virtuoso e tudo o mais — ela deve primeiro enfrentar isso, passar por
isso, de sorte que o medo, em qualquer forma que se apresente, se
dissolva.
Pergunto: pode a mente perceber a futilidade de todos os meios de fuga através de uma fuga? Então não haverá conflito, não é verdade? Pois não haverá observador da solidão; não haverá o vivencial da solidão. Você está me acompanhando? Essa solidão é a cessação de todo relacionamento; ideias não importam mais; o pensamento perdeu todo o seu significado. Estou descrevendo, mas, por favor, não se limitem a ouvir porque depois vocês serão deixados com as cinzas. Afinal, o objetivo destas conversas é realmente a libertação desses terríveis emaranhados, ter na vida algo mais que o conflito, algo mais que o medo, o aborrecimento e a monotonia da existência.
Onde não existe o medo há a beleza, não a beleza de que falam os poetas,
a que é pintada pelos artistas, e assim por diante, mas algo bastante
diferente. E para descobrir a beleza é preciso passar por esse completo
isolamento; ou melhor, você não precisa passar por ele; ele está
presente. Você escapou dele, mas ele está aí, sempre a persegui-lo. Está
aí, no seu coração, na sua mente, nas profundezas e recessos do seu
ser. Você o encobriu, escapou dele, fugiu; mas ele está aí. E a mente
precisa vivenciá-lo como uma purgação pelo fogo. Pode a mente fazer isso
sem uma reação, sem dizer que se trata de um estado horrível? No
momento em que você tem uma reação, há o conflito. Se você o aceita,
ainda assim carrega o seu peso e, quando o nega, o encontrará logo
adiante. Sem nenhuma reação, a mente é essa solidão; ela não precisa
passar por ela, é ela. No momento em que você pensa em termos de superar
isso e atingir algo diferente, você de novo está em conflito. No
momento em que você diz, “Como irei superar isso, como deverei realmente
encarar isso?”, você está novamente em conflito.
Assim, há o vazio, há esta extraordinária solidão que nenhum Mestre,
nenhum guru, nenhuma idéia, nenhuma atividade pode afastar. Você brincou
com todas elas, experimentou todas elas, mas elas não podem preencher
este vazio; é um poço sem fundo. Mas não é um poço sem fundo no momento
em que você o está experimentando. Compreende?
Percebem, se a mente ficar inteiramente livre de conflitos, totalmente,
completamente sem apreensões, sem medo e ansiedade, deve haver o
experimentar deste extraordinário senso de ter relacionamento com nada. E
daí decorre uma sensação de solidão. Por favor, não imagine que você a
tem; é tarefa muito árdua. E é apenas então, nesse senso de solidão em
que não há medo, que ocorre um movimento em direção ao imensurável, pois
então não há ilusão, não há o produtor de ilusões, não há o poder de
criar ilusão. Enquanto houver conflito, haverá poder de criar ilusão, e
com a total cessação do conflito todo medo terá cessado, e portanto não
há mais busca.
Fico a me perguntar se vocês entenderam. Afinal, vocês todos estão aqui
por estarem procurando. E, se examinarem bem, o que estão procurando?
Estão procurando algo além desse conflito, dessa desgraça, sofrimento,
agonia, ansiedade. Estão em busca de um meio de sair disso. Mas quando
se compreende o que foi dito, cessa toda a busca, o que é um estado
extraordinário da mente.
Sabem, a vida é um processo de desafios e respostas, não é? Há o desafio
de fora — o desafio da guerra, da morte, de dúzia de coisas diferentes —
e respondemos. E o desafio é sempre novo, mas nossas respostas são
sempre antigas, condicionadas. Não sei se isto está claro. No intuito de
responder ao desafio preciso reconhecê-lo, não é verdade? E se eu o
reconheço, o faço em termos do antigo, então é o antigo, obviamente.
Peço que percebam isto, pois pretendo avançar um pouco mais.
Para um homem muito voltado para dentro, os desafios de fora não mais
interessam, mas ainda assim ele tem seus próprios desafios interiores e
respostas. No entanto, estou falando da mente que não está mais a
procurar, e, portanto não mais está tendo um desafio e resposta. Este
não é um estado satisfeito, que se contentou, acovardado. Quando você
tiver compreendido a significação do desafio exterior e a resposta, e o
significado do desafio interior que se atribui a si mesmo e à resposta, e
tiver percorrido tudo isso com docilidade, sem perder meses ou anos com
isso, então a mente não mais está moldada pelo ambiente; não é mais
influenciável. A mente que atravessou essa extraordinária revolução pode
enfrentar qualquer problema sem que este deixe qualquer marca, qualquer
raiz. Então, qualquer sentido de medo terá desaparecido.
Não sei até onde me acompanharam nisso. Sabem, ouvir não é meramente
escutar; ouvir é uma arte. Tudo isso é parte do autoconhecimento; e se
alguém realmente ouviu e mergulhou em si mesmo com profundidade, é uma
purificação. E aquilo que está purificado recebe uma bênção que não é a
bênção das igrejas.
Krishnamurt
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