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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

A SÍNTESE DAS ANTÍTESES



Só temos consciência do belo,
quando conhecemos o feio.
Só temos consciência do bom, 
quando conhecemos o mau.
Porquanto o Ser e o Existir 
se engendram mutuamente.
O fácil e o difícil se completam.
O grande e o pequeno são complementares,
O alto e o baixo formam um todo.
O som e o silêncio formam a harmonia.
O passado e o futuro geram o tempo.
Eis porque o sábio age pelo não-agir.
E ensina sem falar.
Aceita tudo que lhe acontece.
Produz tudo e não fica com nada.
O sábio tudo realiza – e nada considera seu.
Tudo faz – e não se apega à sua obra.
Não se prende aos frutos da sua atividade.
Terminada a sua obra, e está sempre no princípio.
E por isso a sua obra prospera.




Neste capítulo proclama Lao-Tsé a grande lei da bipolaridade do Universo e de todas as coisas. Nada é somente o Uno, e nada é somente o Verso – tudo é Universo, unidade na diversidade, equilíbrio dinâmico, harmonia cósmica.

Não há círculos unicêntricos no Universo, há tão-somente elipses bicêntricas, quer no mundo dos átomos, quer no mundo dos astros. 


E, como o anthropos é um microcosmo, feito à imagem e semelhança do grande kósmos, deve também o homem obedecer à mesma lei da bipolaridade, que rege o macrocosmo.

Quem só enxerga o belo no belo, e o bom no bom, é unicêntrico, monótono, acósmico, ou anticósmico, porque unipolarizado. Para ser bipolarizado, univérsico, como o cosmos, deve o homem ver o belo e o feio, o bom e o mau, como duas antíteses complementares, que se integram na grande síntese, sem se diluírem nela. Se o belo e o feio, o bom e o mau fossem duas antíteses contrárias, em vez de complementares, nunca poderiam integrar-se numa síntese harmoniosa, feita de unidade na diversidade.

Esta bipolaridade univérsica rege o mundo infinitamente pequeno dos átomos, onde os eléctrons negativos giram elipticamente em torno do seu próton positivo; rege o mundo infinitamente grande dos astros, onde os planetas traçam a sua órbita elíptica em torno do seu sol; rege o mundo misterioso da eletricidade e da eletrônica, onde luz, calor, movimento, som e cores são produzidos por dois pólos, o ânodo (positivo) e o cátodo (negativo); rege o mundo de todos os seres vivos superiores, que só existem graças aos pólos masculino-dativo e feminino-receptivo.

O Ser Infinito, que se revela nos Existires Finitos; o Creador-Uno, que se manifesta nas Creaturas-Verso, Brahman, revelado e velado por Maya – são expressões da bipolaridade do Universo.

Quando então o homem possui a reta experiência cósmica do seu Ser, pratica ele a reta vivência ética no seu agir: age dinamicamente, sem ruído nem afobação; age extensamente em virtude da sua profunda intensidade. Ensina silenciosamente pelo que ele é internamente, e não pelo que diz ou faz externamente no plano do seu agir. Trabalha intensamente, como diz Krishna, mas renuncia a cada passo aos frutos do seu trabalho; depois de ter feito tudo o que fazer devia, o sábio diz, segundo as palavras do Cristo: agora sou servo inútil; cumpri a minha obrigação, nenhuma recompensa mereço por isto.

O sábio desaparece sempre por detrás das suas obras; ele é tão anônimo como Tao, cuja ausência invisível realiza todas as presenças visíveis. É ativo na passividade.

O sábio está invisivelmente presente em suas obras, e visivelmente ausente de todas elas, porque ele age pelo seu Ser, muito mais que pelo seu Fazer ou Dizer. Age sem Agir. É cosmo-agido, e não ego-agente.

Neste capítulo celebra Lao-Tse a apoteose do homem univérsico, cuja invisível Fonte “Eu”, faz fluir as águas vivas através dos canais visíveis do seu “ego”, assim como, no cosmos sideral, o Uno Infinito se revela em todos os versos Finitos.

Toda a sabedoria está em que o Verso (ego) se deixe sempre guiar pelo Uno (Eu) que este vá sempre na vanguarda, e aquele na retaguarda.

Profano = Verso sem Uno.

Místico = Uno sem Verso.

Cósmica = Uno e Verso.




A Síntese das Antíteses, poema 2 de “Tao Te Ching: o livro que revela Deus”.
 Lao-Tsé por Huberto Rohden



Fonte: outrocais.com
 

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