COMPREENSÃO DO VAZIO
E DO SEU IMPACTO
SOBRE A NOSSA VIDA
"Talvez o caminho mais fácil para a
compreensão do Vazio seja olhar diretamente para a natureza
essencialmente vazia das nossas atividades e motivações, a partir de um
ponto de vista fundamental — em resumo, através de uma autoconfrontação
duramente honesta"
O VAZIO QUE SOMOS
Na minha opinião, uma das coisas mais difíceis de fazer — mais difícil do que dominar qualquer disciplina intelectual, por complexa que seja — é despojar nossa vida de toda superfluidade, e examinar, para viver com ela, a integral conscientização daquilo que restar. Poucos são os que permitiram enfrentar essa realidade, porque despojar-se de todo, psicologicamente, acarreta penoso reconhecimento da natureza e motivações básicas das pessoas.
Enfrentar ISSO, que é como ser virado pelo avesso, ou leva um
homem ao desespero e, possivelmente, ao suicídio, ou o conduz
diretamente para o esclarecimento, o que consideramos como nada mais
nada menos do que viver simplesmente como um ser humano, sem qualquer
simulação, sem qualquer importância auto-reconhecida, sem quaisquer
impulsos psicológicos que se dirijam para além do aqui e do agora.
Quem quer que um dia se tenha empenhado em tal autoconfrontação saberá imediatamente de que estamos falando. Por outro lado, a pessoa que ainda não chegou a tal exercício pode considerar útil explorar, não a confrontação em si — que para ela seria, inevitavelmente, por ouvir dizer, uma experiência de segunda mão — mas o que a leva a hesitar diante dela. Esta última indagação, a esta altura, pode fazer-se a única possível e chegaria, mesmo, a levar diretamente a uma experiência de encarar o caráter básico da pessoa, o reconhecimento da substância primitiva do seu próprio ser.
É o fato de tudo isso ser extremamente penoso que leva o homem a desistir de fazer o reconhecimento honesto de sua situação total e prosseguir com o confronto. A angústia não está apenas em ver como somos falsos, banais, feios, depois que todas as máscaras de embelezamento que usamos são retiradas. Ela alcança muito mais profundamente, vai ao próprio âmago do nosso ser, quando compreendemos o "artificialismo" da vida que levamos — e, com essa palavra, não estamos apenas nos referindo a um amor excessivo pelas coisas fabricadas, perda de contato com as coisas da terra, ou com a nossa acomodação a uma forma de vida cada vez mais mecanizada e automatizada.
Quem quer que um dia se tenha empenhado em tal autoconfrontação saberá imediatamente de que estamos falando. Por outro lado, a pessoa que ainda não chegou a tal exercício pode considerar útil explorar, não a confrontação em si — que para ela seria, inevitavelmente, por ouvir dizer, uma experiência de segunda mão — mas o que a leva a hesitar diante dela. Esta última indagação, a esta altura, pode fazer-se a única possível e chegaria, mesmo, a levar diretamente a uma experiência de encarar o caráter básico da pessoa, o reconhecimento da substância primitiva do seu próprio ser.
É o fato de tudo isso ser extremamente penoso que leva o homem a desistir de fazer o reconhecimento honesto de sua situação total e prosseguir com o confronto. A angústia não está apenas em ver como somos falsos, banais, feios, depois que todas as máscaras de embelezamento que usamos são retiradas. Ela alcança muito mais profundamente, vai ao próprio âmago do nosso ser, quando compreendemos o "artificialismo" da vida que levamos — e, com essa palavra, não estamos apenas nos referindo a um amor excessivo pelas coisas fabricadas, perda de contato com as coisas da terra, ou com a nossa acomodação a uma forma de vida cada vez mais mecanizada e automatizada.
Essas coisas, por si mesmas, estariam
longe de ser tão más quanto as fazemos, se apresentadas dentro da
estrutura de uma perspectiva psicológica fundamentalmente sadia. O que
queremos dizer, porém, é quando alguém possui uma visão compreensiva do
"mim" e, assim, apreende sua essência, algo se impõe com muita força. É
que nosso ser, nosso próprio pensamento, é orientado como causa-efeito
numa escala extraordinária. Isso cria um estado de expectativa que nega e
sobrepõe-se, inevitavelmente, ao aqui-e-agora.
Psicologicamente, estamos nisso todo o tempo. Realizamos coisas para que certos efeitos sejam criados, ou trabalhamos por segurança maior, por maior aprovação social, ou para diminuir nosso senso de solidão, ou seja lá para o que possa ser. Estamos muito presos ao conceito do "a fim de que", por isso sempre "vivemos PARA", e jamais "vivemos", apenas. Há alguma coisa que fazemos, que pensamos, que não seja orientada para uma finalidade? (Talvez somente nas raras ocasiões em que o fazemos por amor e não estejam em jogo aquisições ou recompensas). Penso que esta é uma descrição justa de nossa ocupação essencial na vida.
Chega, então, a dura descoberta de que, na realidade, não há, absolutamente, o "a fim de que", não há o "viver PARA", tais coisas não existindo na natureza — é apenas o intelecto a extrair dos fenômenos que observa algum tipo de explanação teológico, que, entretanto, permanece como invenção humana. Com isso vem a compreensão da completa vacuidade das nossas ocupações. Não seria tão mau se apenas ALGUNS, ou uns poucos dos nossos esforços se revelassem vãos. Seria uma situação com a qual conseguiríamos tratar, porque a percepção representaria apenas um outro desafio: deslocar nossas atividades para novas áreas de interesse que oferecessem, pelo menos, uma porção módica de incentivo.
Psicologicamente, estamos nisso todo o tempo. Realizamos coisas para que certos efeitos sejam criados, ou trabalhamos por segurança maior, por maior aprovação social, ou para diminuir nosso senso de solidão, ou seja lá para o que possa ser. Estamos muito presos ao conceito do "a fim de que", por isso sempre "vivemos PARA", e jamais "vivemos", apenas. Há alguma coisa que fazemos, que pensamos, que não seja orientada para uma finalidade? (Talvez somente nas raras ocasiões em que o fazemos por amor e não estejam em jogo aquisições ou recompensas). Penso que esta é uma descrição justa de nossa ocupação essencial na vida.
Chega, então, a dura descoberta de que, na realidade, não há, absolutamente, o "a fim de que", não há o "viver PARA", tais coisas não existindo na natureza — é apenas o intelecto a extrair dos fenômenos que observa algum tipo de explanação teológico, que, entretanto, permanece como invenção humana. Com isso vem a compreensão da completa vacuidade das nossas ocupações. Não seria tão mau se apenas ALGUNS, ou uns poucos dos nossos esforços se revelassem vãos. Seria uma situação com a qual conseguiríamos tratar, porque a percepção representaria apenas um outro desafio: deslocar nossas atividades para novas áreas de interesse que oferecessem, pelo menos, uma porção módica de incentivo.
Ser, porém,
confrontados com o vazio de TUDO que estamos fazendo, pensando,
almejando, é mais do que aquilo que podemos suportar. Não deixa,
absolutamente, possibilidade de fugir ao nada, porque mesmo as fugas
perderam agora o seu atrativo e são vistas como tão inúteis quanto as
coisas das quais nos queremos afastar. Subitamente, parece inteiramente
claro que estivemos perdendo nosso tempo, empenhados como estávamos em
atividades sem significação; ainda assim, o que temos pela frente é
menos claro. Se não vamos continuar com as mesmas coisas — e depois do
que foi tão claramente visto, não poderemos, de fato, fazer isso — que
diferença faz viver ou morrer? Qual é, afinal, o sentido da nossa
existência? Ainda há nela algum intuito? Afinal, para nós, que sempre
consideramos ser o "esforço", o "trabalhar para" alguma coisa, sinônimo
de "viver", a autoconfrontação fornece rápida visão de completa derrota.
Mergulhados como ficamos nessa coisa chamada, provisoriamente, o
"nada", ficamos, no momento, dado o choque, paralisados quanto ao nosso
funcionamento, de hábito orientado para um objetivo.
Antes usávamos, prudentemente, o termos "artificialidade" quando nos empenhávamos em descrever nossa forma de viver, e agora ver por que o fizemos: a Realidade nada sabe de fins, objetivos, conceitos e esforços dos seres humanos. O conceito integral de sociedade, com sua luta pelo poder entre as nações, as classes, os indivíduos e a hierarquia social levando às perenes tentativas para "subir", tanto social como materialmente, são apenas invenções humanas. Ou talvez fosse mais exato dizer que são o produto de um tipo caracteristicamente diabólico da mente humana. Quando considerada como uma espécie de jogo, no qual o jogador mais ágil ganha um troféu, tal manobra, dentro de regras societárias, pode não afetar a mente de forma duradoura. Quando tomada seriamente, entretanto, torna-se uma armadilha — desperdício de tempo e de energia. Podemos dizer, por exemplo, que o prazer obtido pelos homens em assegurar seu poder sobre seus semelhantes, em "ganhar a competição", e assim por diante, é totalmente irreal. Na verdade, não passa de um solavanco que a mente recebe através de sua própria perversão natural, baseada na suposição de que o homem é alguma coisa que não é. ( E, é preciso notar, essa perversão se revela, ao mesmo tempo, uma faceta da estrutura social existente). Assim, a experiência é, realmente, uma espécie de masturbação psicológica, infinitamente mais nociva, porém, do que a fisiológica.
Ou, para usar outro exemplo: eu sou, psicologicamente, e de forma completa, dependente de outra pessoa, e, subitamente, essa pessoa morre ou se afasta de mim, e eu fico sem nada. Sinto-me abandonado, obliterado, compreendo, com um choque, que toda a minha existência fora completamente irreal, que me vinha embalando da maneira mais insidiosa, e que a realidade não dá provimento às minhas necessidades e dependências psicológicas particulares. Por que fiz isso — arrimar-me em outra pessoa ou identificar-me com ela? Porque, desde o princípio, havia algo em minha situação pessoal que era, ao mesmo tempo, doloroso e assustador de contemplar. Não sendo capaz de enfrentar essa situação, considerei que, incorporado a uma outra pessoa, menos responsável me fazia, menos vulnerável, menos introspectivo, mais seguro. Mas, como era previsível, "aquilo" me atingiu.
Antes usávamos, prudentemente, o termos "artificialidade" quando nos empenhávamos em descrever nossa forma de viver, e agora ver por que o fizemos: a Realidade nada sabe de fins, objetivos, conceitos e esforços dos seres humanos. O conceito integral de sociedade, com sua luta pelo poder entre as nações, as classes, os indivíduos e a hierarquia social levando às perenes tentativas para "subir", tanto social como materialmente, são apenas invenções humanas. Ou talvez fosse mais exato dizer que são o produto de um tipo caracteristicamente diabólico da mente humana. Quando considerada como uma espécie de jogo, no qual o jogador mais ágil ganha um troféu, tal manobra, dentro de regras societárias, pode não afetar a mente de forma duradoura. Quando tomada seriamente, entretanto, torna-se uma armadilha — desperdício de tempo e de energia. Podemos dizer, por exemplo, que o prazer obtido pelos homens em assegurar seu poder sobre seus semelhantes, em "ganhar a competição", e assim por diante, é totalmente irreal. Na verdade, não passa de um solavanco que a mente recebe através de sua própria perversão natural, baseada na suposição de que o homem é alguma coisa que não é. ( E, é preciso notar, essa perversão se revela, ao mesmo tempo, uma faceta da estrutura social existente). Assim, a experiência é, realmente, uma espécie de masturbação psicológica, infinitamente mais nociva, porém, do que a fisiológica.
Ou, para usar outro exemplo: eu sou, psicologicamente, e de forma completa, dependente de outra pessoa, e, subitamente, essa pessoa morre ou se afasta de mim, e eu fico sem nada. Sinto-me abandonado, obliterado, compreendo, com um choque, que toda a minha existência fora completamente irreal, que me vinha embalando da maneira mais insidiosa, e que a realidade não dá provimento às minhas necessidades e dependências psicológicas particulares. Por que fiz isso — arrimar-me em outra pessoa ou identificar-me com ela? Porque, desde o princípio, havia algo em minha situação pessoal que era, ao mesmo tempo, doloroso e assustador de contemplar. Não sendo capaz de enfrentar essa situação, considerei que, incorporado a uma outra pessoa, menos responsável me fazia, menos vulnerável, menos introspectivo, mais seguro. Mas, como era previsível, "aquilo" me atingiu.
Deixe-me dar apenas um último exemplo da nossa vida no irreal. A morte é
real e nós a aceitamos sem demasiada emoção enquanto acontece com os
que estão fora do círculo próximo da nossa família e amigos. O
pensamento da nossa própria morte, entretanto, é a perplexidade, e a
maioria das pessoas sente-se incapaz de encarar esse fato inevitável com
serenidade. Parece-me que essa atitude, como fuga da realidade, pode
ser comparada à do homem que descobre que sua noiva, ou sua namorada, já
não é virgem. Ele não é o primeiro, e sofre por isso. Entretanto,
diante do fato de que, inevitavelmente, há que haver um primeiro, isso
importa? Mulheres que perdem sua virgindade de maneira considerada
prematura, e tantos homens como mulheres morrendo — de maneira quase
sempre considerada prematura — são os átomos da realidade, que aceitamos
no universal, e diante dos quais recuamos, no particular.
Tratamos dessa questão com certo pormenor, para tornar claro que nossas
vidas são de fato artificiais, baseadas em muitas suposições não
escritas e não discutidas, de natureza social e cultural arbitrária, e
que qualquer tipo de artificialismo, implicando separação da realidade,
significa um conflito, portanto, sofrimento. Isso se dá porque cedo ou
tarde a bolha de pensamento confortador, que nos isola da realidade,
estoura. A absorção, em nível subliminar, de todos os padrões de
pensamento do mundo, é "condicionante". E ver através dos padrões de
condicionamento é, na verdade, "aprender". Tal como estão as coisas,
todos vivemos condicionados, mas há, literalmente, um mundo de diferença
entre alguém que está inconsciente desse fato e a pessoa que sabe estar
condicionada e convive com ele à luz da sua conscientização.
Em resumo: pode ser dito que através das nossas atividades, através de
hábitos de pensamento indelevelmente impressos — todos, afinal,
resultantes do princípio prazer-dor como mola-mestra — estamos
completamente desligados do que é real, e assim, da única coisa que pode
ser considerada como valendo verdadeiramente a pena. E é esse fato,
acima de tudo, o responsável pela nossa angústia.
Robert Powell
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