SOBRE O QUE NÃO É SIMPLICIDADE
Que é simplicidade? Significa ver muito claramente
as coisas essenciais e abandonar todas as outras?
Vejamos o que a simplicidade não é.
Não digais que isso é negação. Nada se pode dizer de maneira positiva,
que é uma maneira imatura e irrefletida de nos expressarmos. Os que os
fazem são exploradores, porque têm algo para dar-vos, algo que desejais e
que lhes serve de meio de explorar-vos. Não estamos fazendo nada disso.
Estamos tentando descobrir a verdade a respeito da simplicidade.
Consequentemente, tendes de rejeitar umas tantas coisas e observar.
O
homem que muito possui teme a revolução interior e exterior.
Averiguemos, pois, o que não é simplicidade. A mente complicada, não é
simples, é? A mente engenhosa não é simples; a mente que tem um fim em
vista e trabalha pela consecução do mesmo, como recompensa, como
punição, não é uma mente simples, é? Senhores, não concordeis comigo.
Não se trata de concordar. Trata-se de nossa vida. A mente que está
pesada de saber, não é uma mente simples; a mente paralisada pela
crença, não é uma mente simples, é? Pensamos, porém, que vida simples é
possuir só uma tanga, ou talvez duas; queremos a ostentação externa da
simplicidade, e facilmente nos iludimos com ela. Eis porque o homem
muito rico venera o homem que renuncia.
Que é simplicidade? Pode a simplicidade consistir em rejeitar as coisas
não essenciais e visar as coisas essenciais — o que implica escolha?
Notai bem: não é isso escolha, não significa escolher? Escolho as coisas
essenciais e rejeito as não-essenciais. Em que consiste esse processo
de escolha? Pensai profundamente. Qual é a entidade que escolhe? A
mente, não é verdade? Não importa como a chameis. Dizeis: "Escolherei
esta coisa essencial".
Como sabeis o que é essencial? Isso significa, ou
que tendes um padrão estabelecido por outras pessoas, ou a vossa
própria experiência vos indica o que é essencial. Podeis confiar na
vossa experiência? Porque, quando escolheis, a vossa escolha está
baseada no desejo; o que chamais essencial é aquilo que vos dá
satisfação. E voltais, assim, ao mesmo processo, não é verdade? Pode a
mente confusa escolher? Se ela escolhe, a sua escolha será também
confusa.
Por conseguinte, a escolha entre essencial e não essencial não é
simplicidade. É conflito. A mente que está em conflito, em confusão,
nunca pode ser simples. Assim, quando rejeitardes, quando perceberdes
todas as coisas falsas e todos os artifícios da mente, observando-os,
examinando-os, sabereis, então, o que é simplicidade.
A mente que está
vinculada pela crença, nunca é uma mente simples. A mente sobrecarregada
de saber não é simples. A mente que se distrai com Deus, com mulheres e
música, não é uma mente simples. A mente aprisionada na rotina da
profissão, dos ritos, dos mantras, não
é simples.
Simplicidade é ação sem ideia,
coisa raríssima, que
significa criação.
Enquanto não há criação, somos centros de malefícios,
sofrimento e destruição. A simplicidade não é coisa que se possa
cultivar e experimentar. A simplicidade, tal como uma flor que
desabrocha, surge no momento exato em que cada um de nós compreende todo
o processo da existência e das relações. Porque não costumamos pensar
nela, porque não costumamos observá-la, não sabemos o que ela é.
Apreciamos de certa maneira todas as formas exteriores da simplicidade:
raspar a cabeça, vestir-se ou despir-se de certa maneira. Essas coisas
não são simplicidade. Não se acha a simplicidade. A simplicidade não
está entre o que é essencial e o que não é essencial. Ela nasce quando
não há "eu", quando o "eu" não está envolvido em especulações,
conclusões, crenças, ideações. Só a mente assim pode achar a verdade. Só
essa mente pode receber o que é imensurável, aquilo que se não pode dar
nome. Isso é que é simplicidade.
Krishnamurti
"Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; ... Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus". Os mansos e os limpos de coração são os simples entre nós, porque a simplicidade requer corações mansos e limpos. KyraKally
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