OBSERVAÇÕES SÁBIAS
A Felicidade Está no Realizar e Não no Usufruir
Atolavam-se na ilusão da felicidade que extraíam dos bens possuídos. Ora a felicidade o que é senão o calor dos atos e o contentamento da criação? Aqueles que deixam de trocar seja o que for deles próprios e recebem de outrem o alimento, nem que fosse o mais bem escolhido e o mais delicado, aqueles que ouvem sutilmente os poemas alheios sem escreverem os poemas próprios, aproveitam-se do oásis sem o vivificarem, consomem cânticos que lhes fornecem, e fazem lembrar os que se apegam às manjedouras no estábulo e, reduzidos ao papel de gado, mostram-se prontos para a escravatura.
Os Atos Valem mais que as Palavras
Nenhuma explicação verbal poderá alguma vez substituir a contemplação. A unidade do Ser não é transmissível pelas palavras. Se eu quisesse ensinar a homens, cuja civilização o desconhecesse, o que é o amor a uma pátria ou a uma quinta, não disporia de argumento algum para os convencer. São os campos, as pastagens e o gado que constituem uma quinta. Todos e cada um deles têm como missão produzir riqueza. No entanto, há alguma coisa na quinta que escapa à análise dos seus componentes, pois existem proprietários que, por amor à sua quinta, se arruinariam para a salvar. Pelo contrário, é essa «alguma coisa» que enriquece com uma qualidade particular os componentes. Estes tornam-se gado de uma quinta, prados de uma quinta, campos de uma quinta...
Assim se passa a ser homem de uma pátria, de um ofício, de uma
civilização, de uma religião. Mas, para que alguém se reclame de tais
Seres, convém, antes de mais, fundá-los em si próprio. E, se não existir
o sentimento da pátria, nenhuma linguagem o transmitirá. O Ser de que
nos reivindicamos não o fundamos em nós senão por atos. Um Ser não
pertence ao domínio da linguagem, mas dos atos. O nosso Humanismo
desprezou os atos. Fracassou na sua tentativa.
Não Pode Existir Amor Sem Verdadeira Troca
Não te lembras de ter encontrado na vida aquela que se considera um ídolo? Que havia ela de receber do amor? Tudo, até a tua alegria de a encontrares, se torna homenagem para ela. Mas, quanto mais a homenagem custa, mais vale: ela saborearia melhor o teu desespero.
Ela devora sem se alimentar. Ela apodera-se de ti para te queimar à sua
honra. Ela é semelhante a um forno crematório. Ela, na sua avareza,
enriquece-se de várias capturas, julgando encontrar a alegria nessa
acumulação. E não acumula mais do que cinzas. Porque o verdadeiro uso
dos teus dons era caminho de um para o outro, e não captura.
Ela verá penhores nos teus dons e abster-se-á de tos conceder em paga.
Na falta de arrebatamentos que te satisfariam, a falsa reserva dela
far-te-á ver que a comunhão dispensa sinais. É marca da impotência para
amar, não elevação do amor. Se o escultor despreza a argila, terá de
modelar o vento. Se o teu amor despreza os sinais do amor a pretexto de
atingir a essência, o teu amor não passa de um palavreado. Não descuides
as felicitações, nem os presentes, nem os testemunhos.Serias capaz de
amar a propriedade, se fosses excluindo dela, um por um, como
supérfluos, porque particulares demais, o moinho, o rebanho, a casa?
Como construir o amor, que é rosto lido através da urdidura, se não há
urdidura sobre a qual escrever?
Sem cerimonial de pedras, não haveria catedral.
Nem haverá amor sem cerimonial em vistas do amor. Eu só atinjo a
essência da árvore se ela modelou lentamente a terra segundo o cerimonial das raízes, do tronco e dos ramos. Nessa altura, ela é una.
Tal árvore e não uma outra.
Mas aquela acolá desdenha as trocas, que a haviam de fazer nascer. Ela
procura no amor um objeto capturável. E esse amor não tem significado
algum.
Ela julga que o amor é presente que ela pode fechar nela. Se tu a amas, é
porque ela te conquistou. Ela fecha-te nela, convencida de enriquecer.
Ora o amor não e tesouro a conquistar, mas obrigação de parte a parte,
fruto de um cerimonial aceite, rosto dos caminhos da troca.
Jamais essa mulher nascerá. Só de uma rede de laços se pode nascer. Ela
continuará a ser semente abortada, poder por empregar, alma e coração
secos. Ela há de envelhecer funebremente, entregue à vaidade das suas
capturas.
Tu não podes atribuir nada a ti próprio. Não és cofre nenhum. És o nó da diversidade. O templo, também é sentido das pedras.
Felicidade com Poucos Bens
Embora a experiência me tenha ensinado que se descobrem homens felizes em maior proporção nos desertos, nos mosteiros e no sacrifício do que entre os sedentários dos oásis férteis ou das ilhas ditas afortunadas, nem por isso cometi a asneira de concluir que a qualidade do alimento se opusesse à natureza da felicidade. Acontece simplesmente que, onde os bens são em maior número, oferecem-se aos homens mais possibilidades de se enganarem quanto à natureza das suas alegrias: elas, efetivamente, parecem provir das coisas, quando eles as recebem do sentido que essas coisas assumem em tal império ou em tal morada ou em tal propriedade. Para já, pode acontecer que eles, na abastança, se enganem com maior facilidade e façam circular mais vezes riquezas vãs. Como os homens do deserto ou do mosteiro não possuem nada, sabem muito bem donde lhes vêm as alegrias e é-lhes assim mais fácil salvarem a própria fonte do seu fervor.
DÁ TEMPO A TUA VOCAÇÃO
Nunca dês ouvidos àqueles que, no desejo de te servir, te aconselham a
renunciar a uma das tuas aspirações. Tu bem sabes qual é a tua vocação,
pois a sentes exercer pressão sobre ti. E, se a atraiçoas, é a ti que
desfiguras. Mas fica sabendo que a tua verdade se fará lentamente, pois
ela é nascimento de árvore e não descoberta de uma fórmula. O tempo é
que desempenha o papel mais importante, porque se trata de te tornares
outro e de subires uma montanha difícil. Porque o ser novo, que é
unidade libertada no meio da confusão das coisas, não se te impõe como a
solução de um enigma, mas como um apaziguamento dos litígios e uma cura
dos ferimentos. E só virás a conhecer o seu poder, uma vez que ele se
tiver realizado. Nada me pareceu tão útil ao homem como o silêncio e a
lentidão. Por isso os tenho honrado sempre como deuses por demais
esquecidos.
Antoine de Saint-Exupéry
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