POR QUE TEMOS MEDO
DE MORRER ?
Você sabe o que
significa busca a permanência? Significa desejar que as coisas
agradáveis durem eternamente, e as desagradáveis terminem o mais rápido
possível Desejamos que nosso nome se torne famoso e tenha continuidade
em nossa família e em nossos bens materiais; queremos o sentimento de
permanência em nossas relações e atividades; e tudo isso significa que
desejamos uma existência duradoura, contínua, em nosso fosso estagnado;
lá, não queremos verdadeiras mudanças e, assim, edificamos uma sociedade
que nos garante a permanência de nossos bens, nosso nome, nossa fama.
Mas, veja, a vida de modo algum é assim; a vida não é permanente. Como
as folhas que caem da árvore, todas as coisas são impermanentes, nada
perdura; há sempre mutação e morte. Você já observou uma árvore nua,
desenhada contra o céu? Em seus galhos bem delineados, em sua nudez, há
um poema, uma canção. Foram-se todas as suas folhas, e ela aguarda a
primavera. Com a vinda da primavera, de novo se enche a árvore com a
música de suas folhas que, na estação própria, caem e são levadas pelo
vento. Assim também é a vida.
Mas nós não a queremos assim. Apegamos-nos aos nossos filhos, nossas
tradições, nossa sociedade e nossas insignificantes virtudes, porque
desejamos permanência; por isso é que temos medo de morrer. Tememos
perder as coisas que conhecemos. Mas a vida não é como desejamos; a vida
em coisa nenhuma é permanente. Os pássaros morem, a neve derrete, as
árvores são abatidas pelo homem ou destruídas pelas tempestades, e assim
por diante. Mas, queremos que perdure a nossa posição, a autoridade que
sobre outros exercemos. Recusamo-nos a aceitar a vida como efetivamente
é.
O fato é que a vida é como o rio: eternamente em movimento, perenemente
buscando, explorando, impelindo, transbordando, penetrando todas as
frestas com sua água. Mas, veja, a mente não quer que assim aconteça.
Percebe que é perigoso, arriscado, viver num estado de impermanência, de
insegurança e, por conseguinte, constrói uma muralha em torno de si
própria: a muralha da tradição, da religião organizada, das teorias
políticas e sociais. Família, nome, bens materiais — tudo isso se
encontra atrás das muralhas, separado da vida. A vida, que é movimento,
impermanência, procura incessantemente penetrar, demolir essas muralhas,
atrás das quais só há confusão e angústia. Os deuses que moram atrás
das muralhas são falsos deuses, e suas escrituras e filosofias são sem
significação, porque a vida as excede.
Ora, para a mente que não tem muralhas, que não está pejada de
aquisições, acumulações, conhecimentos, para a mente que vive fora do
tempo, na insegurança, para essa mente a vida é uma coisa maravilhosa.
Essa mente é a própria vida, porque a vida não tem pouso. Mas, quase
todos nós queremos um pouso, uma pequena casa, um nome, uma posição, e
consideramos essas coisas muito importantes. Exigimos permanência, e
criamos uma “cultura” baseada nessa permanência, inventamos deuses que
não são deuses, mas, tão só, “projeções” de nossos próprios desejos.
A mente que busca a permanência depressa se estagna; como a vala ao lado
do rio, depressa se enche de corrupção, deterioração. Só a mente que
não tem muralhas, que não tem ponto de apoio, não tem barreira, não tem
pouso, que se move, toda inteira, com a vida, eternamente ousando,
explorando, “explodindo” — só essa mente pode ser feliz, eternamente
nova, porque ela é essencialmente criadora.
Entende o que estou dizendo? Você deve compreendê-lo, porque faz parte
da verdadeira educação e, quando o compreender, sua vida será
completamente transformada, suas relações com o mundo, com o próximo,
com seu cônjuge, terão significado de todo diferente. Você já não
tentará, então, preencher-se com coisa alguma, porque perceberá que a
busca de preenchimento só atrai sofrimento e confusão. Por essa razão,
você deve perguntar aos seus mestres sobre tudo isso, e discuti-lo
também entre vocês.
Se você o compreende, terá começado a entender
essa verdade extraordinária que é a vida, e nessa compreensão
encontra-se grande beleza e amor, o florescimento da bondade. Mas, os
esforços da mente que busca um fosso de segurança, de permanência, só
podem conduzir à treva e à corrupção. Uma vez instalada naquele fosso, a
mente teme aventurar-se fora dele, para buscar, explorar; mas a
Verdade, Deus, a Realidade — ou o nome que você quiser — encontra-se
além dos limites do fosso.
Você sabe o que é religião? Não é o cântico, não é a execução de
rituais, não é a adoração de deuses de lata ou imagens de pedra; ela não
se encontra nos templos e igrejas, nem na leitura da Bíblia ou do Gita; não é a repetição de um nome sagrado ou o seguir de qualquer outra superstição inventada pelos homens. Nada disso é religião.
Religião é o sentimento da bondade, daquele amor semelhante ao rio — que
é um movimento vivo, eterno. Naquele estado, você verá chegar um
momento em que não haverá busca de espécie alguma; e esse findar da
busca é o começo de algo totalmente novo. A busca de Deus, da Verdade, o
sentimento de se ser integralmente bom (não o cultivo da bondade, da
humildade, porém o buscar, além das invenções e dos artifícios da mente,
uma certa coisa — e isso significa ser sensível a essa coisa, viver nela, sê-la)
isso que é a verdadeira religião.
Mas nada disso lhe será possível se
você não abandonar o fosso que você cavou para si mesmo, e entrar no rio
da vida. A vida cuidará então de você, de uma maneira surpreendente,
pois, de sua parte, nada haverá para cuidar. A vida, então, lhe levará
aonde lhe aprouver, porque você será uma parte dela; não haverá mais
problemas concernentes à segurança ou ao que “os outros” digam ou não
digam. E esta é que é a beleza da vida.
Krishnamurti
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