COMPREENDENDO
O PROCESSO TOTAL DA MEDITAÇÃO
Como você deve saber, há necessidade
de nos libertarmos da ilusão, isto é, de nos libertarmos do poder que a
mente tem de criar valores não reais em relação à vida, ao viver real. A
mente possui um extraordinário poder de criar ilusões, por meio de
crenças, de fugas, de dogmas. Ela “projeta” todo o gênero de padrões,
alvos, ideais, por meio dos quais espera preencher-se e a essa
identificação com algo dela própria “projetado” chama “tornar-se
superior”. Ora, se não ficamos totalmente livres desse poder da ilusão e
da atividade geradora da ilusão, nunca descobriremos o que é real, o
que é verdadeiro, se há Deus, se algo existe de superior a esta nossa
horrível e superficial existência.
O autoconhecimento é a base da sabedoria e a sabedoria VEM SEMPRE SÓ,
pois não pode ser adquirida por meio de livros e de citações alheias. A
sabedoria é algo que tem de ser descoberto por cada um e não constitui
um resultado do saber. O saber e a sabedoria não andam juntos. Surge a
sabedoria na madureza do AUTOCONHECIMENTO. Sem autoconhecimento não é possível ordem e, por conseguinte, não há virtude.
Aprender a respeito de si mesmo e acumular conhecimento acerca de si são
duas coisas diferentes. A mente que adquire saber jamais aprende. O
que faz é só isso: acrescenta a si própria informações, experiência, na
forma de conhecimento, e do fundo constituído por tais acumulações ela
"experimenta" e então, nunca está realmente a aprender,
porém, a tornar-se mais sabedora, a adquirir mais e mais.
Aprender é
sempre do presente ativo, não conhece o passado. Só a mente que
não está ADQUIRINDO, porém sempre APRENDENDO, poderá compreender, em
todos os seus aspectos, essa entidade chamada EGO. Tenho de conhecer a
mim próprio, a estrutura, a natureza, o significado da entidade total;
mas não é possível SE ESTOU REPLETO DE CONHECIMENTOS E EXPERIÊNCIA
PREVIAMENTE ADQUIRIDOS, ou se minha mente ESTÁ CONDICIONADA, porque,
então, não estou aprendendo, porém, meramente, interpretando,
traduzindo, olhando com olhos empanados pelo passado.
Há enorme diferença entre saber e aprender. O saber tolhe a mente, ao
passo que o movimento do aprender a liberta. Tenho de aprender
continuamente sobre minha pessoa porque O QUE SOU é uma entidade
extraordinária, VIVA. A todo instante ocorre uma mutação, uma grande
variedade de sugestões, de reações, e tudo isso tenho de observar, de
aprender. Mas, se estou observando com experiência e os conhecimentos
PREVIAMENTE ADQUIRIDOS, não estou aprendendo. Espero que isso esteja
mais ou menos claro.
O aprender a respeito de si mesmo — não só as próprias reações
fisiológicas e todas as compulsões e exigências biológicas, mas também o
movimento interno do próprio pensamento — é necessário, para que se
possa estabelecer ordem. Só então pode começar a meditação. Como você
sabe, há uma enorme quantidade de livros sobre meditação, e uma multidão
de INSTRUTORES e INDIVÍDUOS SAGAZES que têm escrito como meditar, O QUE
fazer.
A rotina de frequentar um escritório, de fazer e tornar fazer,
interminável uma certa coisa agradável ou desagradável, o incessante
ajustamento a um dado padrão — tudo se torna para nós muito cansativo e,
por conseguinte, tratamos de buscar algo misterioso, algo extraterreno,
de um outro mundo. Pensamos, pois, que, com isso que CHAMAMOS
"meditação" — e que é uma das INVENÇÕES da Ásia — encontraremos essa
coisa EXTRAORDINÁRIA, uma realidade não construída pela mente.
Ora, é muito importante compreender o que é meditação, porque na
verdadeira meditação há grande beleza, uma grande intensidade, e só a
mente que medita sabe o que é amor. Ordinariamente, não sabemos o que é
amor.
Para estabelecermos a ordem interior necessitamos de atenção e de um
percebimento DE TUDO O QUE SE PASSA, A CADA MOMENTO, DENTRO DE NÓS — sem
rejeitar, sem fugir, porém, simplesmente PERCEBENDO TUDO, SEM ESCOLHA. Observe a si mesmo, o movimento do seu próprio pensamento, note
como ele é condicionado, perceba sua natureza, sua sutileza, seus
antecedentes (seu fundo psicológico). Desse percebimento, em que não
há escolha, provém, naturalmente a atenção. Nesse estado de
atenção, não existe nenhuma entidade que está atenta: SÓ HÁ
ATENÇÃO. Quando há atenção, nenhuma contradição existe, porque a
mente atenta é capaz de concentrar-se sem nada excluir.
Você tem de compreender a estrutura externa da vida, estar em comunhão
com ela, para, então, passar do exterior para o interior, a psique,
aquele feixe de memórias que é você mesmo, com todos os seus
condicionamentos, suas tradições, esperanças, medos, desesperos,
ansiedades; e, para perceber essas coisas, a ela estar atento e, por
conseguinte, dissolvê-las, não necessitamos do tempo. Quando assim
procedemos, nossa mente se torna penetrante, clara, sutil, porque já não
existe nenhuma contradição, nenhum esforço para ser ou "vir a ser".
Contradição significa esforço. A mente que forceja para ser isto ou
aquilo acha-se num estado de confusão; e todo e qualquer esforço que
faça a fim de esclarecer-se, aprofundar-se, só produzirá mais escuridão,
mais confusão.
Esse processo total é meditação.
Se estamos atentos, há um grande silêncio em nosso interior, não é
verdade? Quando você está de fato escutando o que se está dizendo, com
todo o seu ser — sem aceitar, sem traduzir, sem rejeitar, sem tentar
compreender, porém simplesmente atento — sua mente se acha então
extraordinariamente quieta, não é exato? Há um silêncio que não é
artificial, que não foi criado pela vontade, pelo esforço. Vem esse
silêncio quando se compreendeu toda a estrutura do EGO, e, onde há
silêncio, há espaço. A mente que está em silêncio, tem espaço — só
ela conhece a beleza que não é estímulo.
Esse processo, todo inteiro, é meditação.
Krishnamurti
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