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terça-feira, 9 de junho de 2015

SOBRE A VOSSA HIPÓCRITA 
EXISTÊNCIA DUPLA


Pergunta: Em toda parte, tanto interior como exteriormente, vê-se o incitamento à violência. O ódio, a má-vontade, a mesquinhez, a agressão, imperam não só na Índia mas também nos quatro cantos do mundo e na própria psique do homem. Qual a vossa solução para esta crise? 


KRISHNAMURTI: Este problema, como todo problema humano, é muito complexo. Para ele não há resposta "sim" ou "não". Por que somos violentos como indivíduos e, consequentemente, como grupo, como nação? Considerai o que aconteceu recentemente nesta cidade. Porque somos violentos, e até mais do que violentos? Que importa vossas denominações? Que importância tem um nome? Mas, atrás do nome jazem, represados, todos os preconceitos, o estreito, estúpido, insultante provincialismo; e da noite para o dia vos vedes cheios de ódio maltratando o vosso próximo com palavras e com o ferro. Por que procedemos assim? Por que estamos, como um grupo de hinduístas, opostos aos cristãos? E por que estão os alemães ou americanos, como grupos, opostos a outro grupo? Por que somos assim? 

Vós e eu podemos inventar desculpas e explicações às centenas, e quanto mais talentosos somos, tanto mais sutis se tornam as nossas explicações. Mas, deixando de lado as explicações, sabeis que sois assim? Estais cônscios de que, subitamente, podeis voltar-vos contra o vosso vizinho, por causa de uma fronteira traçada no mapa, por que certos políticos ambicionaram mais poder e estais mais do que prontos a apoiá-los, porque também ambicionais o poder? Por que sois assim? Os muçulmanos e os hinduístas estão uns contra os outros. Por que? E estais cônscios desse fato, em vós mesmos? Não achais importante saberdes que assim sois, em vez de, idealisticamente, quererdes parecer não violentos, e outros absurdos que tais? 

O fato real é de que sois violentos; e o problema me parece ser que não percebeis que sois violentos, porque estais sempre simulando não ser violentos. Fostes criados, educados, nutridos com o ideal da não violência; mas o ideal é uma falsificação, uma coisa inexistente. O que existe é o que sois — violentos — e a distância existente entre o ideal e o fato, gera esta hipócrita existência dupla, que é um dos infortúnios de nosso país.

Sois todos pessoas muito idealistas, sempre a falar de não-violência e a massacrar os vossos vizinhos. (risos) Não riais, senhores, isto não é engraçado. Estou mostrando fatos. Achais que podereis tolerar a pobreza, a degradação, os horrores que se veem em cada cidade e aldeia da Índia, se fosses realmente misericordiosos? Não sois realmente misericordiosos e compassivos e é por isso que levais vidas duplas. 


O fato é muito mais importante do que o que deveria ser. O fato é que sois violentos; e vos recusais a olhar de frente este fato, porque, dizeis, não deveis ser assim. Clamais contra a violência, procurais repeli-la, porém ela continua a existir. Reconhecei o fato de que sois violentos, em vez de cultivardes o ideal de não violência, coisa inexistente, pois só assim se pode acabar a violência. Vossa atenção não está então distraída, está toda entregue à compreensão da violência e podeis, por conseguinte, fazer alguma coisa com relação à violência; podeis ocupar-vos atentamente, diligentemente com o fato da violência, da má-vontade, da degradação, da crueldade. E eis porque é tão importante acabar com o ideal, aboli-lo completamente. 


Sabeis que a crueldade instala-se por toda a parte, neste país, crueldade não apenas para com o próximo, mas também para com os animais. Se percebêsseis a falsidade do ideal, não achais que seria possível olhar de frente o fato de acabar com ele definitivamente? Serieis então um povo em todo diferente, faríeis nascer uma civilização diferente, uma sociedade diferente, não serieis imitadores; serieis uma realidade — e a realidade é original, não imitadora. Mas não se pode ver o original, o real, quando a nossa atenção está distraída pelo ideal. 


O ideal nenhuma significação tem; o que tem significação é o fato. Por meio do ideal, esperais livrar-vos do fato, mas isso não é possível; e, mais uma vez, acho muito importante compreender isto: a mente que segue um ideal é uma mente irreal, uma mente que está fugindo, evitando o fato. Mas olhar de frente o fato é muito difícil para a mente que está há séculos sendo educada para aceitar o ideal como coisa digna de nossos esforços. 

Praticais a não violência, Ahimsa e tudo o mais — e isto para mim é puro absurdo, já que não se trata de um fato. O fato é que sois violento, como o tendes comprovado vezes e mais vezes, e ele significa que sois sem compaixão; e não se pode ter compaixão na forma de ideal. Ou somos compassivos ou não somos. Existe violência no mundo, porque existe em vosso coração; e a expulsão da violência deve ser o vosso único cuidado, e não o cultivo do ideal da não violência. Para expulsardes a violência, tendes de aplicar-lhe a vossa atenção, na vida de cada dia, tornando-vos cônscios das vossas palavras, dos vossos gestos, do modo como falais com vossos criados, vossos vizinhos, vossa mulher e filhos. Vossa violência indica que não há amor entre vós — e isso é um fato. Se puderdes considerar o fato, então, com essa própria ação, transformareis o fato, atuareis de alguma maneira sobre ele. 

 
Krishnamurt
 


Krishnamurt está correto; somos uns idealistas, hasteamos a bandeira da paz com inscrições dos mais belos e perfeitos ideais, porém, ao mesmo tempo, rebelamo-nos e pedimos a pena de morte quando somos violentados. Somos pacifista quando nada nos acontece. "Ou somos compassivos ou não somos". A cura para toda essa miséria que nos consome e amedronta não está nos nossos ideais, pois "Para expulsardes a violência, tendes de aplicar a vossa atenção na vida de cada dia, tornando-vos cônscios das vossas palavras, dos vossos gestos, do modo como falais com vossos criados, vossos vizinhos, vossa mulher e filhos". Parece que só queremos a paz para nos sentir tranquilos, mas somos capazes de dar a paz também? A vida é um compartilhar, mas somos capazes de compartilhar também? Precisamos urgentemente mudar, dispensar uma reflexão profunda sobre a nossa atuação aqui na Terra, a transformação começa em cada um. KyraKally

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