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quarta-feira, 13 de março de 2019

A ATENÇÃO PRECISA SER 
SEM CONFLITO



PERGUNTA: Permiti-me perguntar quem é que percebe, e se há diferença entre percebimento e "observação pelo observador".

KRISHNAMURTI: Quando escutais música ou o que outrem diz, de maneira total, há alguém que está escutando? Quando observais algo com atenção completa, existe observador? Só quando a atenção está dividida, quando é incompleta, existe um observador separado do observar; e perguntais, então: "Quem é o observador?".

De que maneira escutais qualquer coisa? Escutais parcialmente, não é verdade? Não prestais toda a vossa atenção. Não estais profundamente interessado no que o outro está dizendo, e prestais muito pouca atenção; ouvis indiferentemente, e por isso há separação entre o escutar e aquele que escuta. Mas, se escutais uma coisa com atenção completa, não existe tal separação. Sabeis o que entendemos por "atenção completa": prestar atenção sem esforço. Não digais: "Estou sujeito a distrações, e como posso prestar atenção sem esforço?" Se prestardes atenção a isso que chamamos "distração", então essa "distração" deixa de ser distração, não achais?

Em geral, não prestamos atenção, e por isso somos exercitados para a concentração. Se, em vosso emprego, não vos concentrardes no que estiverdes fazendo, perdereis o emprego; por isso, sois exercitado, condicionado, disciplinado, para vos concentrardes. Tal concentração implica exclusão. Se vos obrigais a concentrar-vos numa coisa, sois também obrigado a excluir qualquer outra coisa. Quando vosso pensamento se desvia daquilo em que desejais concentrar-vos para aquilo que estais tentando excluir, chamais isso "distração"; por conseguinte, a concentração, para vós, é uma forma de conflito — que é só o que conhecemos, quase todos nós.

Mas eu estou falando de coisa muito diferente: prestar atenção sem conflito. Isso significa escutar sem tensão, sem perturbação — e isso é escutar com atenção completa. Mas só se pode escutar com "atenção completa" quando no escutar não há ganho, não há motivo pessoal, nem exigências, nem interpretação. A pessoa está, simplesmente, escutando. Nesse estado de "total escutar" não há entidade que está a escutar, não há quem escuta, separado do escutar. É um mecanismo unitário, que se verifica quando estamos completamente interessados numa coisa.

Já observastes uma criança com um brinquedo novo? Enquanto a criança não se acostuma com o brinquedo e dele se enjoa, o brinquedo absorve-a inteiramente. O brinquedo de tal maneira a atrai que, temporariamente, a criança fica unificada com ele; não há distração alguma, porque o brinquedo a absorveu de todo. Nós também desejamos deixar-nos absorver completamente por alguma coisa — Deus, o sexo, o amor, uma centena de coisas. Desejamos estar tão intimamente ligados a uma certa coisa, que por ela sejamos inteiramente absorvidos; mas, essa absorção não é atenção. Em geral temos, dentro em nós ou fora de nós, alguma coisa a que estamos ligados — uma crença, uma esperança, uma relação, uma certa ocupação ou distração — e toda ligação dessa ordem é sempre de fundo neurótico. E a sociedade em que viveis — comunista ou outra qualquer — exige que estejais ligado a alguma coisa — um partido, uma ideologia, a defesa do Estado — porque, de outra maneira, sois um ente humano perigoso. Mas, quando nem as coisas externas nem as internas vos absorvem, e quando tendes compreendido todo o mecanismo da concentração e exclusão, então, dessa compreensão, nasce um estado de percebimento simples, de atenção sem esforço, em que vosso corpo, vossa mente, todo o vosso ser está vigilante, completamente atento.

Senhor, escutai aquele trem que está passando. Se escutais o barulho, o estrondo que ele faz, sem nenhuma resistência, nenhuma ideia de levantar uma muralha contra ele, se o escutardes completamente, vereis que não há entidade que escuta.


PERGUNTA: Falais da "extraordinária energia" de que se necessita para a atenção completa. Como se pode adquirir essa energia?

KRISHNAMURTI: Como adquirimos energia? Uma das maneiras é tomar alimentos adequados ou da qualidade de que necessitamos, fazer suficiente exercício, e ter a justa porção de sono. E a maioria de nós, também, deriva energia da competição, da luta e do conflito, não é verdade? É só essa a energia que conhecemos. Restritos a essa limitada energia e desejando, portanto, expandir nossa consciência, recorremos as drogas. Há várias drogas que têm o efeito de expandir a consciência; e no momento dessa expansão provocada por uma droga, sentimo-nos extraordinariamente perceptivos, sensíveis. Ela nos confere uma qualidade diferente, um vivo sentimento de "diversidade". Tal efeito tem sido descrito por várias pessoas que, de fato, fizeram uso de tais drogas.

Ora, como despertar em nós mesmos uma energia que tenha seu ímpeto próprio, causa e efeito próprios, energia que não contenha resistência e não esteja sujeita a deteriorar-se? Como alcançá-la? As religiões organizadas advogam vários métodos, e supõe-se que, pela prática de um certo método, pode-se adquirir essa energia. Mas os métodos não dão tal energia. A prática de um método exige sujeição, resistência, rejeição, aceitação, ajustamento, e com isso se consome a energia de que porventura dispomos. Se perceberdes a verdade desta asserção, nunca mais praticareis método algum. Isto, em primeiro lugar. Em segundo lugar, se a energia tem um motivo, um fim a que se dirige, essa energia é autodestrutiva. E, no que respeita à maioria de nós, a energia tem sempre motivo, não é verdade? Somos movidos pelo desejo de alcançar, de nos tornarmos isto ou aquilo, e, por conseguinte, nossa energia anula a si própria. Em terceiro lugar, a energia se enfraquece, se degrada, quando se ajusta ao passado — e aí talvez esteja nossa maior dificuldade. O passado não é apenas os inúmeros dias passados, mas é também cada minuto que se lhes vai acrescentando, a lembrança daquilo que se passou há um segundo.
 
Assim, para despertar essa energia, não deve haver na mente resistência, nem motivo, nem "fim em vista"; ela não deve estar enredada no tempo, sob o aspecto de ontem, hoje e amanhã. A energia está, então, a renovar-se constantemente e, por conseguinte, não degenera. A mente já não está ligada, a nada, é totalmente livre; e só então é capaz de encontrar aquilo a que se não pode dar nome, aquela coisa extraordinária que transcende todas as palavras. A mente precisa libertar-se do "conhecido", para ingressar no Desconhecido.


Krishnamurti, Experimente um novo caminho
http://pensarcompulsivo.blogspot.com

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