Translate

terça-feira, 28 de novembro de 2017

SOBRE O CASAMENTO, O SEXO 
E O HÁBITO DO SEXO



QUESTÃO: O casamento é uma necessidade ou um luxo?

KRISHNAMURTI: Examinemos o problema, a questão. Porque casamos? Primeiro, obviamente, devido à biológica necessidade, o ímpeto sexual, que a sociedade legalizou com o casamento. A sociedade quer proteger a criança de modo a não serem ilegítimas, porque olha para essas crianças com desdém. Sendo assim, legaliza-se o casamento. Mas certamente essa não é a única razão porque casamos. Devido às exigências psicológicas, por esse motivo, casamos. Eu preciso de um companheiro, alguém que eu possa possuir, dominar, alguém a que possa chamar meu. Posso fazer com a minha mulher aquilo que entender, ela é subordinada do homem – neste país que é a Índia, não na América. Aqui, o sistema do casamento fez da mulher uma escrava, para ser protegida, controlada, dominada, possuída. Não olhem para os outros senhores, todos estão envolvidos nisso. A mulher é uma possessão, assim como possuo uma propriedade, assim possuo a minha esposa. Possuo-a sexualmente e domino-a superficialmente.

Psicologicamente, possuir dá-me conforto, segurança: a minha propriedade, a minha mulher, os meus filhos – o horror disso tudo. Tratamos os seres humanos como se fossem materiais, sem consideração alguma, porque, assim que possuo legalmente, encontram-se debaixo meu domínio.

Então, a sociedade legaliza o casamento com o intuito de perpetuar a raça, para segurá-la sob determinados limites; mas psicologicamente, internamente, posso fazer aquilo que me apetecer. Vocês conhecem toda essa coisa que acompanha a existência, os horrores, as agonias, as misérias, aqueles que são casados e que não se amam. Como pode haver amor se existe a vontade de possuir? E se não casarem, o que acontece? Tenho visto isso em muitos países; existe aquilo a que se pode chamar casamento por conveniência. Não fiquem chocados. Se não existe amor, o casamento por conveniência revela ser um bom motivo, um escapismo para o apetite sexual e irresponsabilidade.

Então, sem amor, ambos são um horror. Mas a sociedade não quer saber, não quer saber, se existe amor ou não; e como a maior parte de nós está tão concentrada, absorvida com tanto interesse no seu negócio, emprego, seja ele de qualquer natureza, em ganhar dinheiro ou seja lá o que for impiedosa e cruelmente, assim também no mundo, como pode assim haver amor por alguém no lar? Não se pode, por um lado, explorar o vizinho, até ao tutano, sugar tudo dele, para depois ir para casa e ser afectuoso para com a mulher. Não senhores, não se pode fazer ambas as coisas.

Mas é isso mesmo que estão a tentar fazer e é por causa disso que não há amor. É por isso que o casamento em qualquer parte do mundo é uma irresponsabilidade miserável.

O casamento é também uma forma de auto-perpetuação. Eu quero continuidade através dos meus filhos. Assim sendo, os filhos revelam-se muito importantes, não por eles mesmos, mas para a minha própria continuidade – o meu nome, a minha classe, a minha casta. Vocês conhecem essa realidade.

E naturalmente, quando se está meramente a usar os filhos para a própria continuidade, não há amor.

Como pode haver amor se estão mais interessados na própria continuidade através deles, do que a amá-los, como eles são?

Assim, a tradição e o nome são mais importantes, porque eles são os meios de se perpetuar através da descendência.

Para compreender este problema, para descobrir o que está envolvido, temos que o estudar, mergulhar no assunto. Ao estudar surge a inteligência, e só a inteligência e o amor podem lidar com este problema, não a mera legislação.

No momento em que possuo uma pessoa, ela torna-se uma prostituta; isto é, a pessoa é mais importante, não por ela, mas porque eu mesmo estou vazio, com fome, feio, sou insuficiente, pobre, então eu uso a outra pessoa – a minha mulher, o meu empregado, o que quer que seja – para esconder o meu vazio interno.

Assim, o possuído, revela-se muito importante como um meio de escapar à minha própria solidão, e naturalmente cresce o ciúme e a inveja quando o outro, que me ajuda a escapar de mim mesmo, olha para outra pessoa.

Para compreender, todo este processo humano, que é extremamente complexo e sutil, tem de haver inteligência. Inteligência é também amor e não meramente o intelecto; e não há amor se por um lado somos impiedosos no nosso emprego e nas relações da vida do dia a dia, e por outro tentarmos ser gentis, carinhosos e misericordiosos.

Não se pode ser ambas as coisas, não se pode ser um rico ambicioso e ser carinhoso e gentil. Não se pode ser o comandante de uma indústria ou um importante político e ser misericordioso. Ambos não se complementam, não se dão um com o outro. E é apenas quando há amor, carinho, misericórdia, tolerância – que é inteligência, a mais alta forma de inteligência – que este problema é resolvido. Somos seres humanos, quer sejamos homem ou mulher, estamos vivos, somos sensíveis, não somos chão para sermos pisados, usados sexualmente ou mentalmente para autogratificação. No momento em que olhamos uns para os outros como seres humanos, como indivíduos, não como algo para ser possuído, então existe uma possibilidade de compreensão e de ir além do conflito que existe entre duas pessoas no casamento.

 
QUESTÃO: Quem é aquele que nos alimenta senão um explorador? Como estar livre da exploração se exploramos quem nos explora?

KRISHNAMURTI: O que queremos dizer com exploração? Obviamente, utilizar outro para nosso próprio bem, prazer, gratificação, principalmente a nível psicológico. Quando uso outro psicologicamente, então estou seguramente a explorá-lo; e a maior parte da nossa forma de explorar no mundo – os ricos que exploram os pobres, o líder que explora os subordinados, os seguidores que exploram o líder e por aí em diante – é essencialmente baseada em exigências internas, na pobreza psicológica do ser humano, em sermos pobres psicologicamente. Não existirá exploração externa do homem pelo homem quando cessa essa interna e inteiramente psicológica necessidade de usar o outro – quer seja a minha mulher, o empregado, o homem ou mulher que trabalha conosco – como um meio de auto-expansão; estamos contentes com tão pouco, com as necessidades da vida, quando somos ricos interiormente, quando não dependemos de outro como um meio para cobrir, para esconder o nosso vazio e as consequentes exigências psicológicas. Então, explorar, obviamente começa quando usamos outro psicologicamente como um meio de auto-expansão, auto-engrandecimento.

Agora, a pergunta dizia se eu estou ou não, a explorar o explorador. Não creio que esteja. Sou alimentado por ele, assim como seria se eu o abandonasse e ganhasse o meu dinheiro. Não estou a usá-lo como uma necessidade psicológica, nem estou a usá-los, vocês, audiência, o indivíduo, de modo a expandir-me. Assim sendo, não sou vosso líder nem vocês me seguem. Eu não preciso de vocês interiormente, psicologicamente, e eu testei isso por mim próprio, não subindo a uma plataforma e cessar de falar. Então, assim como sairia para ganhar dinheiro para as minhas necessidades, assim eu falo; e por isso eu sou vestido e alimentado. Mas como a sociedade está construída no presente momento, a sua total estrutura é baseada na exploração, que é usar outro psicologicamente como um meio para auto-expansão; e apenas existem algumas poucas pessoas que não estão interessadas em usar o outro como um meio para auto-expansão, assim a exploração termina. Certamente, a exploração significa muito mais do que explorar o empregado. A base de toda a exploração é a necessidade psicológica de utilizar outro como um meio para o auto-engrandecimento e expansão, como um meio de agressão e auto-perpetuação. Então, onde não existe auto-expansão, onde não existe o abuso psicológico, não existe exploração. Isso significa que estão contentes com pouco, não por causa de um ideal, mas sim porque interiormente existe um tesouro, existe beleza, êxtase. Sem essa simplicidade interior, procurar experiências, coisas diferentes, excentricidades, isso tudo não tem significado algum; porque exteriormente podemos ser ricos, mas interiormente usamos e exploramos os outros.

Muita importância damos à exploração externa; o comunista, o socialista, todos tentam travar a exploração externa. Não significa que esteja errado; mas deveríamos ver e compreender as causas internas que levam à exploração, que são muito mais complexas, mais sutis e isso não pode ser feito através da mera legislação. É por isso que é muito importante para o indivíduo transformar-se.

A transformação do indivíduo, vocês e eu, não é uma questão de tempo. Tem de ser feita agora, já. Quando nos transformamos, o mundo é transformado. O mundo é o lugar onde vivemos, é as nossas relações, os nossos valores; e isso pode ser afetado imediatamente quando existe uma profunda, interna revolução em nós. Esta revolução interna pode ter lugar unicamente quando nós como indivíduos não estamos a usar outros para auto-expansão, para a nossa gratificação, para nosso conforto.

 
QUESTÃO: Não será a quietude da mente o pré-requisito para a solução de um problema, e não é a dissolução dum problema sintoma mental de quietude?

KRISHNAMURTI: Duas questões estão envolvidas aqui, então veremos uma por uma. “ Não será a tranquilidade da mente o pré-requisito para a solução de um problema?” Tudo depende daquilo a que se chama mente. A mente não é apenas a camada superficial; consciência não é meramente aquela falta de clareza e vivacidade da mente. Obviamente, quando existe um problema que é criado pela mente superficial, essa mente tem de permanecer quieta por forma a compreender. Já se faz isso no dia a dia. Quando existe um problema no trabalho o que é que se faz? Desliga-se o telefone, pedimos para não nos interromperem, e observamos, estudamos o problema – o que significa que a mente se encontra livre de outras preocupações. A mente superficial está preocupada com o problema, o que significa que se tornou quieta. Mas a mente superficial não inclui a totalidade da mente. A totalidade da consciência não se aquietou; apenas a camada superficial que está constantemente agitada, está temporariamente quieta.

 
QUESTÃO: E não é a dissolução de um problema sintoma mental de quietude?
 
KRISHNAMURTI: Obviamente. É apenas quando cada problema é completamente entendido – o que significa que o problema não deixa resíduo, nenhuma cicatriz, nenhuma memória – que a mente se aquieta. Consciência, como dissemos, é um processo de experienciar, nomear ou classificar, guardar, o que é memória. Então, consciência é um processo de desafio e resposta, nomear e guardar, memória. Esse é o processo total da consciência. O guardar, o nomear, a experiência, podem ser suprimidos, remetidos para as profundezas da consciência; mas até que essa supressão emerja, tanto através dos sonhos, da ação, ou através de descobrir, investigar e revelar o que está escondido, não poderá haver uma mente quieta. Uma mente que tenha compartimentos escondidos com inúmeros fantasmas suspensos pela vontade, pela negação, pela supressão, como pode essa mente ser quieta? Essa mente pode ser controlada, ajustada pela vontade; mas será isso quietude? Como pode tal mente ser calma, quieta, rica? Um homem que seja torturado pela ambição, com a frustração inerente a isso, que tenta eliminar essa mesma frustração por todos os meios possíveis de escape, como pode tal ser humano ter uma mente calma e quieta? Quando a ambição é compreendida, quando os problemas da ambição, com as suas frustrações, conflitos, rigidez, foram totalmente compreendidos, a mente se aquieta. Olhando profundamente para nós mesmos, abrindo todos os compartimentos, todos os fantasmas e compreendendo-os, a mente se aquieta. Não pode haver quietude na mente, com portas fechadas. Pode-se aquietar a mente pela vontade, que é um escape fácil; mas a mente que foi feita quieta pela ação da vontade é uma mente morta, insensível, foi brutalizada pela ação da vontade. Apenas quando damos total liberdade para todo e qualquer movimento do pensamento, compreendendo-o – o que não significa dolorosas ações, promiscuidade – só compreendendo o total conteúdo do ser, a mente se aquieta. Então não é feita quieta; tranquilidade surge naturalmente, facilmente, suavemente. É como um lago que serenou, sem ondas, quando a brisa desaparece. Assim, a mente é extraordinariamente quieta, sem movimento, absolutamente calma, quando os problemas são dissolvidos.

Os problemas são criados pelo pensador quando se separa do pensamento, o ator da sua ação, dando importância ao pensador, ao ator.

A quietude revela-se na mente apenas e através de conhecer por nós mesmos – não através da negação do ego ou da aceitação do ego, mas pela compreensão de todo o movimento, cada pensamento, cada sentimento, tanto o grande como o pequeno. O grande e o pequeno são uma falsa divisão que a mente criou. Existe apenas pensamento, que se divide como o grande e o pequeno; e para entender o pensamento, todo o seu processo, temos de conhecer por nós próprios. Isso significa que cada pensamento deve ser compreendido, sentido, sem condenação. Deve existir uma silenciosa e imediata percepção; e desse conhecer por nós mesmos surge uma extraordinária quietude, uma calma que é criativa, uma calma na qual a realidade se revela ao ser. Mas perseguir a quietude e cultivar a tranquilidade destrói essa realidade criativa, porque se procura, exercendo a vontade para ficar tranquilo como um meio para atingir um resultado, de obter algo. O ser humano que procura um resultado, um fim à vista, que tenta adquirir a verdade forçando a mente, de a fazer quieta, nunca encontrará essa realidade. Ele apenas se auto-engana e sem brilho, escapa dos fantasmas que o compõe. É apenas e quando se convida a tristeza que se pode compreender a realidade e não escapando das tribulações.
 
 
Fonte:https://percepcaounitaria.wordpress.com 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário