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segunda-feira, 16 de novembro de 2020

 "QUEM QUISER ENTENDER O OUTRO TEM QUE ENTRAR COM ELE NA VIA CONTEMPLATIVA"

As pessoas querem ser compreendidas, mas não sabem o que é compreensão 

Pingos de Luz deixados por Helder Câmara


Se me queres entender

Só há um remédio:

Entra em mim,

Sê um comigo,

No Cristo

Não pares

Em meu rosto de pecador

Em minha voz de pecador.

Descobre o rosto

Escuta a voz

Do Filho muito amado



Se quiseres apanhar

Para além do corpo

Flagrantes da alma,

Ainda ficarás

Muito na superfície.

Te chamarei fotógrafo

Se, para além do corpo e da alma,

Surpreenderes

Quem mora comigo



Que privilégio

Ter olhos na noite escura,

Ter ouvidos no silêncio imenso,

Para contemplar

O amadurecer das frutas

E a formação do perfume

No coração das flores!

Ir mais longe

Só se Deus permitir

Acompanhar

No interior do homem

O nascimento do amor



Deus põe música

Na alma de todos

E é traição ao Criador

Não a despertar

Dentro de nós.

Quando Te chamo

Descubro, feliz,

Que o meu brado

É eco de Tua voz

Pranto de pura felicidade

Porque existes

E és quem és

Já que estás em mim

No mais íntimo de mim mesmo,

Obriga-me a ser

Como me entreviste

Em teus planos divinos

Ao arrancar-me do nada

Podes rir,

Podes gargalhar.

Nem imaginas

Quem, dentro de mim,

Ultrapassa os limites,

Rompe as barreiras,

Atinge as dimensões de Deus

És Tu, meu Deus Uno e Trino,

Que amas teu universo

Através de minhas entranhas

Aqui estou,

Diante de Deus,

Dentro de Deus



O sofrimento autêntico

É sempre assim:

Tem alta e profunda origem...

Quando não nasce da beleza,

Nasce da verdade,

do bem,

do Um



Tanto rosto

E nenhum olhar.

Tantos lábios

E nenhum sorriso

Tanta aparente presença

Tanta ausência real



Há ruas intransitáveis

Em que ninguém se encontra,

Ninguém se vê,

Ninguém se ama.

E há ruas,

Humildes ruinhas (neologismo helderiano),

Gostosas toda vida,

Onde pode até sair briga,

Mas briga de faz-de-conta,

Pois todo mundo é irmão.



Quando encontro

Criaturas errantes

No país do ódio,

- cheias de travos,

De amargura,

Ou, o que é mais triste,

De gelo,

De frieza,

E indiferença –

Sinto uma vontade imensa

De levá-las nos braços

Ao condado do amor.



Por que me afligem tanto

Vidros embaciados?

Não deixam de ser

Imagem angustiante

Do pecado contra a luz



Se eu pudesse,

À noite

Nenhuma casa

Se fecharia de todo...

Casa nenhuma deixaria de ter

Uma luz amiga

Inspirando confiança à distância...

Quando os portões e as portas se fecham

E a luz se apaga,

De um certo modo

Cada família

Se tranca no seu egoísmo



A desproporção

Entre o imenso que sondas

E o quase-nada

Que logras realizar.

O desnível

Entre o que imaginas

E os frutos grotescos

Que dás à luz.

A incompreensão quase geral

E, em certos momentos, geral.

Os voos cegos

Com visibilidade zero

Sem bússola e sem radar.

A necessidade imperiosa

De ser otimista,

De fazer crer,

Esperar

E amar.

Eis, Pai,

O balanço

Das Vigílias sempre mais longas

E em que se acaba escutando

- com a alma, com os ouvidos? -

O grito constante

Que tanto conheces:

‘Meu Pai, meu Pai,

Por que me abandonaste?’



Que privilégio

Ter olhos na noite escura,

Ter ouvidos no silêncio imenso,

Para contemplar

O amadurecer das frutas

E a formação do perfume

No coração das flores!

Ir mais longe

Só se Deus permitir

Acompanhar

No interior do homem

O nascimento do amor

Os teólogos que me perdoem,

mas eu não posso imaginar um céu sem flores.,

O que fazer quando as flores murcham?

Uma roseira já me perguntou

se eu acredito que Deus ressuscitará também as flores.

Quem disse que a terra é morta

quando ela palpita de vida!?

Fosse morta e nela morreriam

as sementes de vida que lhe confiamos.

A terra não é uma coisa, um ser inerte.

Quando, um dia, nos planos divinos

nela repousarmos, aguardando o amanhecer,

entreguemo-nos tranquilos a ela,

como quem é recebido

entre braços fraternos.

Já não aguento, Pai,

ver tanta miséria,

ouvir tanto lamento.

Sabes

que comida

perde, dia a dia,

qualquer interesse

para quem carrega nos olhos

as imagens que eu carrego,

para quem guarda nos ouvidos

as vozes que registro para sempre?



Dom Helder Câmara

https://www.teologianordeste.net

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