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segunda-feira, 16 de novembro de 2020

APRENDENDO A ENXERGAR OS CONDICIONAMENTOS

Rosto Desvendado - por Luciano Subirá - ORVALHO.COM - LUCIANO SUBIRÁ   

O Condicionamento Humano

Pergunta: Você falou sobre o não-problema. A não existência de nossos problemas. Fui criado numa família católica repressiva e passei vinte e um anos num sistema educacional igualmente maluco. Você está dizendo que todo o revestimento da armadura, todos os condicionamentos e repressões não existem e podem ser abandonados imediatamente? E quanto às impressões deixadas no cérebro e na musculatura do corpo?

Essa é uma pergunta muito significante. A questão é significante porque mostra duas diferentes abordagens com relação à realidade interior do homem.

A abordagem Ocidental é de pensar sobre o problema, encontrar as causas do problema, penetrar na história do problema, no passado do problema, para desenraizar o problema desde o princípio, para descondicionar a mente, ou para recondicionar a mente. Para recondicionar o corpo, para retirar todas aquelas impressões que foram deixadas no cérebro. Essa é a abordagem Ocidental. Psicanálise penetra na memória, trabalha lá. Vai até sua infância, no seu passado, retrocede. Descobre de onde surgiram os problemas. Talvez cinquenta anos atrás, quando você era uma criança, o problema surgiu em seu relacionamento com sua mãe; assim a psicanálise retrocederá.

Cinquenta anos de história! É um caso muito longo, arrastado. E mesmo assim isso não ajuda muito porque existem milhões de problemas. Isso não é questão de um problema apenas. Você pode penetrar na história de um problema; você pode olhar na autobiografia dele e descobrir as causas e talvez você possa eliminar um problema, porém, existe milhões de problemas. Se você começar a penetrar em cada um deles para resolver nossos problemas da vida você irá necessitar de milhões de vidas. Isso é absurdo!

Agora, a mesma abordagem psicanalítica foi para o corpo: Rolfing, bioenergética, e outros métodos existem que tentam eliminar as impressões no corpo, na musculatura. De novo, você precisa penetrar na história do corpo. Contudo, uma coisa é certa sobre ambas abordagens, são sobre o mesmo padrão lógico, que os problemas procedem do passado, assim, de alguma maneira, isso precisa ser abordado no passado.

O Oriente tem uma perspectiva totalmente diferente. Primeiro, diz que nenhum problema é sério. No momento em que você diz que nenhum problema é sério, o problema está quase noventa e nove por cento morto. Toda a visão disso se altera. A segunda coisa que o Oriente diz é: o problema existe porque você está identificado com ele. Isso não tem nada a ver com o passado, nada a ver com sua história. Você está identificado com ele; essa é a coisa real. E essa é a chave para resolver todos os problemas.

Por exemplo, você é uma pessoa raivosa. Se você for para o psicanalista, ele dirá, “Penetre no passado: como surgiu essa raiva? Em quais situações isso ficou cada vez mais condicionado e impresso em sua mente? Teremos que lavar todas essas impressões; teremos que varrê-las. Teremos de limpar completamente seu passado”.

Se você for para um místico Oriental, ele irá dizer, “Você pensa que você é a raiva, você se sente identificado com a raiva. Eis onde as coisas estão dando erradas. Na próxima vez que a raiva acontecer, seja somente um observador, seja apenas uma testemunha. Não fique identificado com a raiva. Não diga, ‘Estou com raiva’. Não diga, ‘Estou raivoso’. Apenas veja isso acontecendo como se estivesse acontecendo numa tela de TV. Olhe para si mesmo como se você estivesse olhando para outra pessoa.

Você é pura consciência. Quando a nuvem de raiva chega ao seu redor você apenas a observa e permanece alerta para não ficar identificado. A coisa toda é como não ficar identificado com o problema. Uma vez aprendido isso... e desse modo não existe mais a questão de ‘tantos problemas’ porque a chave, a mesma chave abrirá todos as fechaduras. É assim com a raiva, é assim com a avidez, é assim com o sexo: é assim com tudo mais que a mente for capaz de criar.

O interrogante perguntou: “Você falou recentemente em diversos discursos sobre o não-problema, a não-existência de nossos problemas. Tendo sido criado numa família Católica repressiva...”

Você pode, agora mesmo, tornar-se um não-Católico. DigoAgora!. Você não terá que retroceder e desfazer tudo que seus pais e sua sociedade e os padres e a igreja fizeram. Isso será um puro desperdício do precioso tempo presente. Em primeiro lugar isso já destruiu muitos anos; agora novamente, estará destruindo seus momentos presentes. Você pode simplesmente abandonar isso assim como uma cobra desliza para fora da velha pele.

“Você está dizendo que todo o revestimento da armadura, todos os condicionamentos e repressões não existem e podem ser abandonadas imediatamente”? Não, eles existem. Mas existem ou no corpo ou no cérebro; eles não existem na sua consciência porque a consciência não pode ser condicionada. A consciência permanece livre. Liberdade é sua qualidade intrínseca, liberdade é sua natureza. De fato, mesmo perguntando isso, você está demonstrando essa liberdade.
 
Quando você diz “Vinte e um anos num sistema educacional enlouquecido”; quando você diz “Fui criado numa família Católica repressiva”... Nesse momento você não está identificado. Você pode olhar: tantos anos de repressão católica, tantos anos de certa educação. Nesse momento quando você está olhando para isso, essa consciência não é católica de maneira alguma; do contrario, quem poderia ficar alerta? Se você tivesse realmente se tornado Católico, então quem estaria cônscio? Assim não haveria nenhuma possibilidade de tornar-se cônscio.

Se você pode dizer “Vinte e um anos num sistema educacional igualmente louco”, uma coisa é certa: você ainda não está louco. O sistema falhou; não funcionou. Você não está louco, desde que você pode ver todo o sistema como louco. Um homem louco não pode ver que ele é louco. Só uma pessoa sã pode ver que isso é uma loucura. Para ver a loucura como loucura, sanidade é necessário. Esses vinte e um anos de sistema louco falharam; toda aquele condicionamento repressivo fracassou. Isso não pode realmente dar resultado. Só dá resultado na proporção que você fica identificado com isso. A qualquer momento você pode ficar separado... está lá, não estou dizendo que não está lá: mas não é parte da sua consciência.

Essa é a beleza da conscientização: a consciência pode se livrar de qualquer coisa. Não há nenhuma barreira para isso, nenhum limite para isso. Apenas um momento antes você era um Inglês; compreendendo a tolice do nacionalismo, um segundo depois você não é mais um Inglês. Não estou dizendo que sua pele branca irá mudar; ela irá permanecer branca, mas você não está mais identificado com a brancura; você não é mais contra o negro. Você vê a estupidez disso. Não estou dizendo que apenas por ver que você não é mais um Inglês, assim você irá esquecer a língua inglesa, não. Ela ainda estará lá na sua memória, mas sua consciência libertou-se, sua consciência está de pé sobre um monte olhando para o vale. Agora, o Inglês está morto no vale e você está de pé sobre os montes, distante, desapegado, intocável.

Toda a metodologia Oriental pode ser reduzida a uma palavra: testemunhar. Toda a metodologia Ocidental pode ser reduzida a uma palavra: analisar. Analisando, você fica circulando. Testemunhando, você simplesmente sai fora do círculo.

A abordagem Oriental é para tornar-se ciente do céu. A abordagem Ocidental lhe torna mais e mais alerta das nuvens, e lhe ajuda um pouco, mas não lhe torna cônscio de seu âmago. A circunferência, sim; você se torna um pouco mais cônscio da circunferência, mas não cônscio do centro. E a circunferência é um ciclone. Você terá que descobrir o centro do ciclone. E isso só acontece através do testemunhar.

Testemunhar não irá alterar o seu condicionamento. Testemunhar não irá alterar sua musculatura corporal. Mas o testemunhar simplesmente lhe dará uma experiência de que você está além de toda musculatura, de todo condicionamento. Nesse momento de estar além, nesse momento de transcendência, nenhum problema existe – não existem para você.
 
E agora isso é com você. O corpo ainda irá carregar a musculatura e a mente ainda irá carregar o condicionamento. Agora isso é com você: se às vezes você estiver ansiando pelo problema, você pode penetrar no corpo-mente e ter o problema e desfrutar dele. Se você não quer mais saber dele, você pode permanecer fora. O problema permanecerá como uma impressão no fenômeno corpo-mente, mas você estará separado e longe disso.

É assim que um Buda funciona. Você também usa a memória, um Buda também usa a memória, mas ele não está identificado com ela. Ele utiliza a memória como um mecanismo.

Portanto sua questão está correta: problemas irão existir, mas eles irão existir somente na forma de sementes no corpo e na mente. Como é que você pode mudar seu passado? Você foi um Católico no passado, se por quarenta anos você foi um Católico, como é que você pode mudar esses quarenta anos e não ser um Católico? Não. Esses quarenta anos irão permanecer como um período de ser Católico. Porém você pode dar o fora disso. Agora você sabe que era apenas identificação. Esses quarenta anos não podem ser destruídos, e não há necessidade de destruí-los. Se você for o mestre da casa, não há necessidade. Você pode até mesmo usar de certo modo esses quarenta anos, de uma maneira criativa. Mesmo aquela educação maluca pode ser usada de uma maneira criativa.

“E quanto a todas as impressões deixadas no cérebro, na musculatura do corpo?”

Elas estarão lá, mas como uma semente: potencialmente presente. Se você se sentir muito só e desejar problemas, você pode tê-los. Se você se sentir muito miserável sem miséria, você pode tê-los. Eles irão sempre permanecer disponíveis, mas não precisa tê-los, não há nenhuma necessidade de tê-los. Isso será sua escolha.

Osho, The Tantra Experience
https://www.osho.com



Total percepção do condicionamento
 
Então parece-me que, se quisermos realizar uma mudança fundamental, será primeiro necessário compreender o background em que fomos criados, o padrão no qual a mente funciona. Se não compreendermos esse padrão, se não estivermos familiarizados com o nosso condicionamento, se todo o pendor da nossa educação, na qual a mente está presa, não for compreendido, então estamos somente seguindo uma tradição, que invariavelmente leva à mediocridade. A tradição invariavelmente aleija e entorpece a mente. Portanto, é imperativo, certamente, realizar uma mudança fundamental dentro de nós mesmos porque, embora possamos ser muito engenhosos e saber muito, a maioria de nós é muito medíocre, vazia, superficial, interiormente insuficiente, não é verdade? Então, para realizarmos tal mudança, é necessário compreender a totalidade do nosso background. Até compreendermos esse background, por mais que lutemos para transformar a nós mesmos, isso não nos levará a lugar algum.
 
Depois, há o condicionamento mais profundo, tal como uma atitude agressiva perante a vida. Agressão implica um senso de dominação, de buscar poder, posses, prestígio. A pessoa precisa penetrar bem fundo para se livrar completamente disso, porque é muito sutil, assume muitas formas. A pessoa pode pensar que não é agressiva, mas, quando tem um ideal, uma opinião, uma avaliação (verbal ou não verbal), há um sentimento de afirmação que gradualmente se torna agressivo e violento...
 
Outra forma de condicionamento é aquela da comparação. A pessoa se compara com o que ela pensa ser nobre ou heroico, com o que gostaria de ser, em oposição ao que a pessoa é. A busca comparativa é uma forma de condicionamento; novamente, é extraordinariamente sutil. Comparo-me com alguém que é um pouco mais inteligente ou mais bonito fisicamente. Secreta ou abertamente, há um constante monólogo, a pessoa falando consigo mesma em termos de comparação. Observe isso em si mesmo.
 
Como é que me liberto do condicionamento da cultura em que fui criado? Primeiro preciso ter ciência de que estou condicionado – não alguém me dizer que estou condicionado. Você compreende a diferença? Se alguém me diz que estou com fome é diferente de eu realmente estar com fome. Portanto, preciso estar ciente do meu condicionamento, o que significa estar ciente dele não só superficialmente, mas em níveis mais profundos. Noutras palavras, preciso estar completamente cônscio. Estar assim cônscio significa que não estou tentando superar o condicionamento, não estou tentando livrar-me do condicionamento. Preciso ver o condicionamento como ele realmente é, sem introduzir outro elemento (como desejar ficar livre dele), porque isso é uma fuga da realidade. Preciso ficar cônscio. O que significa isso? Ficar cônscio do meu condicionamento totalmente, não parcialmente, significa que a minha mente precisa ser altamente sensível, não é verdade?

Durante séculos fomos condicionados por nacionalidade, casta, classe, tradição, religião, língua, educação, literatura, arte, costumes, convenção e propagandas de todos os tipos, pressão econômica, os alimentos que consumimos, o clima em que vivemos, nossos amigos, nossas experiências – toda influência em que você puder pensar – e, portanto, nossas respostas a cada problema são condicionadas. Você tem consciência de estar condicionado? Essa é a primeira coisa a perguntar a si mesmo, e não como livrar-se do seu condicionamento. Você poderá jamais livrar-se dele, e, se disser: “Preciso livrar-me dele”, você pode cair noutra armadilha em outra forma de condicionamento. Assim, você tem consciência de estar condicionado?

Agora, se você for sensível, sério, não só perceberá o seu condicionamento, mas também o perigo que dele resulta, a brutalidade e o ódio a que ele conduz. Por que, então, você não age, se vê o perigo do seu condicionamento? É porque você é preguiçoso – preguiça significando falta de energia? No entanto, você não demonstrará falta de energia se vir um perigo físico imediato, como uma cobra no seu caminho, ou um precipício, ou um incêndio. Por que, então, você não age quando vê o perigo do seu condicionamento? Se você visse o perigo que o nacionalismo representa para sua própria segurança, você não agiria? A verdade é que você não vê.

O que é importante é a intenção total, sincera, de descobrir se a sua mente está condicionada, de modo que você descubra o seu condicionamento, e não se limite a dizer que a sua mente é ou não é condicionada. Quando você olha no espelho, vê seu rosto como ele é; você pode desejar que algumas partes dele fossem diferentes, mas o fato real é mostrado no espelho. Agora, será que você consegue olhar para o seu condicionamento de modo semelhante? Pode ficar totalmente consciente do seu condicionamento, sem o desejo de alterá-lo? Você não está cônscio dele totalmente quando deseja mudá-lo, quando o condena ou o compara com alguma outra coisa. Todavia, quando você consegue olhar para o fato do seu condicionamento sem comparação, sem julgamento, então você o está vendo como uma coisa total, e só então há possibilidade de libertar a mente desse condicionamento.

Tudo o que podemos fazer é ver que a mente está condicionada e, através do autoconhecimento, compreender o processo do nosso pensar. Preciso conhecer a mim mesmo, não como gostaria de ser ideologicamente, mas como sou realmente, por mais feio ou bonito, ciumento, invejoso, cobiçoso que eu seja. Entretanto, é muito difícil ver só o que se é, sem desejar mudar isso, e esse mesmo desejo de mudar isso é outra forma de condicionamento; e, assim, nós prosseguimos, mudando de um condicionamento para outro, jamais experimentando algo além daquilo que é limitado.
 
J. Krishnamurti
http://legacy.jkrishnamurti.org

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